sábado, 29 de outubro de 2016

UMA CRISE CIVILIZATÓRIA

Não há mais pobres como antigamente. As pessoas hoje sabem que podem ter uma saúde decente para os seus filhos, acesso à educação decente e a outros direitos. Nesse sentido vivemos uma crise civilizatória. Não é simplesmente uma crise global que o mundo enfrenta. O volume de recursos apropriados pelos intermediários financeiros seria suficiente para enfrentar tanto a reconversão tecnológica que o meio ambiente exige, com os investimentos de inclusão produtiva que a dinâmica social determina.

Isso seria conferir uma outra articulação do sistema financeiro, pois ele não é só moeda, mas o direito de alocar os recursos onde eles são necessários. A função da moeda não é a especulação financeira. Essa é a reconversão que temos pela frente, que une a oposição propositiva que queremos criar no Brasil. Daqui saíram US$ 20 bilhões para paraísos fiscais, ou 25% do PIB, dinheiro que daria para financiar Deus e o mundo.

Rentismo, um obstáculo

O rentismo é um conceito que se vincula ao mercado internacional, que gerou uma espécie de elite que vive dos juros, não da produção. E isso tem uma enorme profundidade no país. O San-

tander, por exemplo, que é um grande grupo mundial, tem cerca de 30% de seus lucros originários do Brasil. Isto é, o mercado financeiro impõe drenos e também estruturas políticas de poder que tornam muito difícil a qualquer governo gerar transformações necessárias para romper essa lógica. De, 2013 a 2014, Dilma tentou reduzir a taxa Selic e os juros de acesso de pessoas físicas e jurídicas ao crédito, e a reação foi de pressões políticas muito fortes. E é curioso como as reações se manifestam. Quando se baixa os juros, nas televisões, nas rádios, nos jornais, imediatamente se consulta os chamados economistas que dizem, “é inevitável, a inflação vai subir”. Em regra, esses economistas são todos eles de empresas financeiras.

Crise internacional não é impedimento, mas oportunidade

É esse contexto internacional que torna fundamental a adoção de medidas inclusivas, a expansão do horizonte interno econômico. É vital nos basearmos nos objetivos internos da nossa economia. Nas condições de hoje, apoiar o país no sistema internacional é suicídio. Nessa perspectiva, superdimensionar o problema fiscal pode ser um erro, pois há ralos muito maiores no sistema financeiro. O país tem que resgatar o que vaza por sistemas especulativos e para paraísos fiscais e financiar a inclusão produtiva da maioria da população.

O Brasil não está quebrado, mas sob ataque

O (Luiz Gonzaga) Belluzzo diz que as forças conservadoras estão criando, politicamente, uma crise e eu concordo. O Brasil não está quebrado. A origem desta crise não está em uma crise econômica que gera recessão. É uma crise política criada por uma elite que quer quebrar o sistema, e em grande parte está conseguindo isso.

A rigor, essa é a ação que envolve grandes interesses, em particular interesses internacionais no Pré-Sal e o interesse dos grandes bancos internacionais que querem manter a mamata da Selic elevada, pois é um grande negócio aplicar aqui e ganhar 12% de juros, enquanto os Bancos Centrais da Europa e dos Estados Unidos estão trabalhando com taxas de juros de 0,5%, quando muito 1%.

A tentativa da Dilma de reduzir a Selic a 7% e de abrir os bancos oficiais para obrigar a concorrência foi, para esses interesses, um grito de guerra. Tanto que ela teve que voltar atrás. Mas nós não podemos continuar a trabalhar para encher o bolso de dinheiro dos especuladores financeiros. Acho que esse não é apenas o objetivo da classe trabalhadora, mas dos empresários efetivamente produtivos. Não é possível desenvolver o país quando todo mundo se vê obrigado a pagar uma espécie de royalties sobre o dinheiro, aliás um dinheiro que nem é dos próprios bancos, mas dos nossos depósitos, ou então dinheiro fictício criado por meio de alavancagem.

Ou avança, ou recua. Não dá mais para ficar onde está

O Brasil vive um impasse – e, a partir desse impasse o país avança, e consolida os ganhos das últimas décadas, ou retrocede, e perde o que ganhou. Por isso considero importante unificar o debate. E estou convencido de que há muita gente que quer avançar. Muitas famílias, pela primeira vez, têm os filhos na universidade, muitas delas apenas agora conseguem alimentar os seus filhos – e todas elas são mobilizáveis. As mudanças não acabaram porque 200 mil tomaram a Avenida Paulista. Este país tem base.

Eu acho que o fato de uma parcela desses manifestantes do atraso pedirem a volta da ditadura mostra o tipo de ausência de uma visão propositiva da direita. O que eles querem? Sangrar mais os pobres, aumentar mais a desigualdade, privatizar mais?

A contaminação da política pelo poder econômico

Hoje o país tem um Congresso com uma bancada ruralista, uma bancada dos bancos, uma bancada das grandes empreiteiras, uma bancada das grandes montadoras, e você conta nos dedos quem é da bancada cidadã. A lei aprovada em 1997 que autorizou as corporações a financiarem campanhas foi um golpe terrível para o processo democrático. Não se pode qualificar de democracia o que vivemos no Brasil só porque a gente vota, porque o voto é rigorosamente determinado por uma gigantesca máquina de financiamento que vai se traduzir no tipo de Congresso que temos. Isso coloca a questão da reforma política e, em particular, o financiamento das campanhas, na linha de frente.

Nada para o planeta, tudo para os bancos

A Rio+20 teve uma grande reunião internacional que firmou como um dos objetivo levantar US$ 30 bilhões para salvar o planeta. Não conseguiu. Em 2008, em meses, os governos levantaram trilhões de dólares para salvar o sistema financeiro, se endividaram e passaram a pagar juros para o próprio sistema financeiro que foi socorrido com esse dinheiro. Esse movimento dos governos praticamente destruiu o que restava do legado da social democracia nesses países, do chamado Welfare State, ao reduzirem os direitos sociais.

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