domingo, 9 de outubro de 2016

A COZINHA

Qual o melhor lugar da casa, a sala de estar ou a cozinha? As duas são divinas, mas a cozinha, para o meu gosto, leva o prêmio. A sala é o lugar da conversa, do convívio, da prosa, do lazer, do divertimento. Não dá para viver sem a sala de estar. Uma casa sem sala de estar seria como um corpo sem alma. Mas uma casa sem cozinha seria alma sem corpo. É da cozinha que o corpo se nutre e é da cozinha que vem os sabores que faz feliz a alma.

Mesmo os filósofos racionalistas, como Aristóteles e Kant, não deixam de reconhecer que nada há na consciência que não tenha passado pela experiência. Ou, o que dá na mesma, a consciência sem os sentidos é vazia. Sem os sentidos o mundo exterior não nos diria respeito, não teríamos portas de entrada para a experiência e para a ciência. Sem os sentidos, seriamos opacos e fechados sobre nós mesmos como uma pedra. Os sentidos nos abrem para o mundo e para os sabores do mundo.

Dos sentidos, o paladar, aparentemente, é o que menos nos ensina. Mas só aparentemente. Pois ele nos ensina o essencial e o que verdadeiramente importa, que é a distinção do quente e frio, dos sabores, do que nos dá prazer e o que nos repugna, que desde a tenra infância aprendemos e que são determinantes para a sobrevivência. É o paladar que nos ensina a desejar o que nos agrada e nos faz bem e a expelir o que nos desagrada e faz mal. Ora, quer saber mais precioso do que isso? E é, sobretudo, um saber saboroso e de prazer renovado.

O paladar tem,também, um o sentido ético. Não se faz o mal pelo olhar, nem pelo escutar, nem pelo tocar, nem pelo cheirar, mas pode-se pecar pelo paladar, se saboreamos o indevido. E o que seria o indevido? A carne de animais que matamos, desnecessariamente, por exemplo, para nosso prazer. Há sabores éticos e há sabores que deveriam ser evitados. Sabemos nós distinguir entre um e outro? Quanta informação não deveríamos ter para saber qual a procedência e sob que condições humanas foram produzidos os produtos que vão a nosso prato? E se o produto for obtido pela morte, não o deveríamos cuspir?...

O paladar tem também um sentido teológico, pois a palavra de Deus é para ser comida: “Aproximei-me do anjo e pedi-lhe que me desse o livro. Ele me disse: “’Toma-o e coma-o’” (Ap 10,9). A palavra de Deus não é só para ser lida, mas para ser comida. Que metáfora! A palavra é para ser saboreada, degustada, transformada em carne. Ler é pouco. Memorizar é pouco. Compreender é pouco. É preciso saboreá-la, degustá-la calmamente como quem sorve um sorvete. É no saborear, na degustação que percebemos que algumas passagens são doces, outras amargas, outras salgadas e outras ainda são um tanto quanto azedas. E podemos concluir que a palavra é tudo, menos insossa.

Façamos um exercício hipotético e imaginemos o céu. Como seria um céu perfeito e eternamente desejável? Eu o imagino como uma cozinha rodeada de um pomar, um parreiral e uma horta. Pode faltar tudo, mas não pode faltar comida. E a comida não é para a nutrição, mas para a comensalidade com variados sabores apetitosos. Entre um petisco e outro, uma perguntinha a Deus sobre a origem do universo, sobre seus planos para a humanidade...um tim tim com uma taça de vinho e mais uma conversinha sobre a história de Adão e Eva e coisa e tal...

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