quinta-feira, 31 de março de 2016

CORRUPÇÃO

Millor Fernandes, ilustre humorista brasileiro já falecido, dizia que o incorruptível é aquele que ainda não recebeu uma boa oferta. Essa frase será apenas mais uma das belas frases de efeito ou realmente porta uma verdade incontornável? No Brasil a sensação que se tem é que, pelo menos no espaço público, não há como negar que a frase seja realista. Seria de se perguntar se vale somente para o espaço público, isto é, para os políticos que estão constantemente expostos a ofertas, ou se também vale para o cidadão comum. A integridade moral, em nosso tempo, tem se tornado coisa rara. A impressão que dá é que já não há homem justo em que se possa “por a mão no fogo”.

Pitágoras, matemático e filósofo grego, dizia que se o homem fosse educado não precisaríamos de cadeias. Talvez seja otimismo pensar que, em conhecendo o que se deve fazer, de fato, faz-se o que se conhece. Talvez seja otimismo! Mas não há outra via senão apostar na educação moral dos indivíduos, que ao internalizar valores e normas morais armam-se contra as tentações que vêm do mundo exterior em forma de ganhos e benefícios materiais.

Platão, no livro A República, através do personagem Sócrates, também postula a ideia de que o bem pode ser ensinado e na medida em que se sabe o que é o justo, justo se é. Na medida em que se sabe o que deve ser feito, feito será. Na medida em que se sabe o que não deve ser feito, não será feito e ponto.

Mas, os sofistas, esses sábios meio céticos meio cínicos e relativistas, contestam Sócrates e dizem que esse racionalismo moral é balela e que na verdade só praticamos a justiça contra a própria vontade ou porque não temos boas oportunidades e capacidade de fazer o que eventualmente dizem que não devemos fazer. Nesse caso, não há justo ou injusto, corrupto ou incorrupto, pois dadas certas condições todos seríamos propensos a agir em interesse próprio e egoísta. Em outras palavras, somos todos corrompidos

Para defender a tese sofística o personagem Glauco, interlocutor de Sócrates, conta uma lenda e tira a conclusão. Trata-se da lenda do anel de Giges. Giges era pastor de ovelhas e, numa ocasião, estava ele pastoreando e ocorreu uma terrível tempestade que o obrigou a se abrigar numa caverna. Na caverna havia um cavalo morto e ao lado do cavalo um homem também morto. O homem morto portava um anel e Giges o toma para si e o coloca no dedo. Até aí nada demais. Acontece que o anel tinha estranhos poderes de tornar o seu possuidor invisível sempre que a pedra do anel girasse em direção do corpo do possuidor. Ora, ora, ora...! Giges não teve dúvida. Voltou para o castelo, seduziu a rainha e, com a ajuda dessa, matou o rei e assumiu o reinado. A pergunta é, diz Glauco: haveria algum homem supostamente honesto que, se tivesse os poderes de invisibilidade não seria tentado e cairia na tentação do ter, poder e prazer? Glauco conclui que não haveria e que se só somos justos por imposição e por medo e dadas circunstâncias favoráveis, como é o caso da invisibilidade, todos seríamos corruptos e egoístas...

Será? O que você não faria, mesmo se tivesse o poder de invisibilidade? O que você não faria? Você não esbofetearia um desafeto ou um inimigo político? Você não roubaria um anel ou uma joia qualquer numa joalheria. Numa fábrica de chocolate, o que você não faria? Com seu patrão ou autoridade que você não nutre amores, o que você não faria? O que você não faria? O que você não faria, eis o que sobra de moralidade em você.

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