segunda-feira, 24 de março de 2014

SERÁ VOCÊ UM HIPOCONDRÍACO?

Em tempos de remédios falsificados e laboratórios sedentos de lucros exorbitantes, vale lembrar deste consumidor compulsivo que faz da bula Bíblia: o hipocondríaco. Ele padece do mal de ter mania de doenças e adora tomar remédios. Ao passar à porta da farmácia não resiste e pergunta: “O que tem de novidade?”.
Nada mais ofensivo ao hipocondríaco do que erguer um brinde e desejar-lhe “saúde!” Ele só frequenta coquetel de vitaminas. Encara sempre o interlocutor com aquele olhar de quem diz “ando sentindo coisas que você nem imagina”. No telefone, faz voz de vítima. Cara a cara, suplica, silente, a compaixão alheia.
Está sempre entrando ou saindo de uma gripe; já tomou todas as vacinas; sofre da coluna; padece de insônia; e trata médico como faz com motorista de táxi: “Tá livre?”
O hipocondríaco entra na Justiça exigindo mandado de prisão contra os radicais livres e duvida que alguém possa imaginar o tamanho da enxaqueca que teve ontem. Enquanto outros fazem shopping, o prazer do hipocondríaco é visitar drogarias de vitaminas importadas. Ingere pela manhã o abecedário em drágeas e nunca se deita sem antes tomar um chá de ervas. Hipocondríaco não tem plano de saúde; prefere cota de cemitério. Gosta de se separar da família para morrer de saudades. E fica doente de raiva quando alguém diz que ele aparenta boa saúde.
O autêntico hipocondríaco carrega sempre uma dorzinha de lado, uma unha encravada, uma afta na boca, uma irritação na garganta, uma dor na coluna e umas tonturas estranhas.
Para o hipocondríaco, esposa ideal é a que banca a enfermeira; cadeira
confortável é a de rodas; e cama macia, a de hospital. O hipocondríaco é a única pessoa que, pelo som, distingue sirene de ambulância da de viatura de polícia e de bombeiro.
O guru do hipocondríaco é Hipócrates, e sua filosofia se resume nesta questão metafísica: “Se a gente nasce deitado e morre deitado, por que não viver deitado?”
O hipocondríaco morre de medo da vida saudável. Está convencido de que a diferença entre o médico e ele é que o primeiro conhece a teoria e, o segundo, a prática. Nunca pergunte a ele: “Vai bem?” É preferível: “Melhorou?”
O hipocondríaco só assina revistas médicas e, nos jornais, lê primeiro o obituário. Mas, ao contrário do que se pensa, o hipocondríaco não quer morrer - isto o curaria de sua loucura.
Nunca convide um hipocondríaco a matricular-se numa academia de ginástica. Ofereça-lhe um check-up. Os únicos exames que ele aceita fazer são os clínicos e adora ser reprovado. Se faz cooper, a perna dói; se pratica natação, fica resfriado; se flexiona o abdômen, sente dor nas cadeiras.
O hipocondríaco escuta o médico com a mesma atenção que o bêbado ouve os conselhos do abstêmio. A turma do hipocondríaco se reúne em porta de farmácia e tira férias em clínicas de repouso. Nunca deseje “bom dia” a um hipocondríaco; pergunte: “Levantou melhor?” Aliás, ele não se levanta; tem alta. No aniversário, dê a ele um vidro de remédios. Todo hipocondríaco é viciado em aspirina, vitamina C e melatonina.
O hipocondríaco considera incompetente todo médico que diz que ele não tem nada e acredita em tudo que a mídia fala sobre cuidados com a saúde. Quando viaja, não se hospeda; se interna. No bolso de dentro do paletó ele não carrega caneta, mas termômetro. E sempre reclama de que já existem telessexo, telepiada, telepizza, só falta o teledoença: você liga, descreve os sintomas e, do outro lado da linha, uma voz de médico prescreve a medicação.
Deve ter sido um hipocondríaco quem deu ao remédio que combate infecções o nome de antibiótico - que significa “contra a vida”. O hipocondríaco não tem remédio. Ele só se cura quando morre e, paradoxalmente, a morte é o sintoma mais óbvio de que ele tinha razão. Pena que não possa levantar-se do caixão e enfiar o dedo na cara de quem o tratava pejorativamente como hipocondríaco. De qualquer modo, repare como ele, defunto, traz um sorrisozinho de vitória nos lábios.

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