quarta-feira, 17 de agosto de 2016

OUVIR O BAÚ.

Atravessou o oceano, fez o longínquo percurso entre a Europa e o Brasil, acompanhou gerações. Por muitas décadas permaneceu sob o mesmo teto, contemplou a formação das novas famílias. Os antepassados foram passando e lá está o antigo baú. Havia um desejo escondido de ficar com essa valiosa peça. Está surrada pelo tempo, mas continua com uma excepcional linguagem simbólica. Vai necessitar de restauro para conservar a essência.  A alegria atingiu o ápice. Quanta gratidão aos familiares por tal designação: ser guardião do histórico baú.

Quando o avô veio da Itália, não possuía nenhum bem, além de algumas peças de roupas. Os símbolos religiosos também estavam na humilde bagagem. As incertezas deveriam ser de volume desproporcional. Impossível olhar para trás, uma vez que a única opção era ir ao encontro de outras terras. O baú guardava muito mais do que vestuário e pertences de oito membros da família. A esperança estava até nas miúdas frestas, a fé suplantava as lágrimas da saudade dos que ficaram para trás.

A histórica ‘caixa de madeira’ está prestes a empreender outra viagem. Não atravessará nenhum mar, apenas algumas ruas e avenidas. Após o merecido trato, continuará exercendo seu maravilhoso ofício: eliminar a distância entre o ontem e o hoje. O intuito é deixá-lo praticamente renovado para contar sabiamente a melhor de todas as histórias: o itinerário de uma família que, como tantas outras, veio ao Brasil, mais precisamente à Serra gaúcha. O baú tem verdadeiramente muitas histórias para contar. Independente do idioma, a linguagem atingirá a imaginação das próximas gerações.

Dispensar os devidos cuidados ao baú é conservar viva a história familiar, com seus valores sempre atuais. Não tem como não agradecer a coragem e a ousadia dos antepassados, por tamanha herança. Nenhuma história é mais significativa do que outros registros. Se evoca vida e provoca lembranças, merece distinção e conservação. Porém, não basta ter um baú. É imprescindível guardar e praticar os valores que não conhecem fronteiras e comunicá-los às próximas gerações. Mas é infinitamente maravilhoso ter a responsabilidade de resguardar esse símbolo familiar. O baú não cessa de falar e de recordar. Como faz bem ouvi-lo. 


Jaime Bottega

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