sexta-feira, 26 de agosto de 2016

OS SENTIDOS DE DEUS.

Nunca me senti em casa e em boa companhia com filósofos e teólogos que desprezam o corpo. Sempre alimentei desconforto com os que pregaram outro mundo, só captado pela razão pura e pela elevação da consciência em meditação transcendental. O excesso de razão, não raramente, pareceu-me um dualismo esquizofrênico. Espiritualidade desencarnada, etérea, sem corpo, sem sensibilidade, sem tato, perfume, gosto, sonoridade e visão, frequentemente me pareceram o caminho mais longo para chegar ao ponto, a Deus. Deus é corpo.

Não dá para acreditar num “Deus que não dance”, dizia Nietzsche. Não dá para acreditar num Deus como um grande cérebro. Deus como “causa do mundo”, Deus como “design do mundo”, Deus como “inteligência ordenadora do mundo”, Deus como “Logos”... que imagens pobres essas de um deus sem corpo...Imagens que colocam Deus como “outro” do corpo, da terra, da natureza e do mundo sensível não mobilizam mais. Adeus ao Deus das verdades incorpóreas que se opõe e nega a natureza corpórea dos seres verdadeiramente reais. Viva o corpo de Deus, o nosso corpo!

Se bem interpreto, essa é a tese de fundo do livro “A mística do instante” do poeta e teólogo espanhol José Tolentino Mendonça. Li essa obra e a força do seu argumento me mobilizou a escrever uma série de artigos para dar conta de uma ideia simples: A espiritualidade dos sentidos é que dá sentido à existência. E viver segundo o espírito dos sentidos, quando bem interpretados, nos faz humanos, sensíveis, atentos, conectados, em contato, com sabor, com gosto pelo viver. Cada um dos cinco sentidos capta e experiencia uma faceta do real. O real todo inteiro, na sua integralidade e universalidade, é uma face iluminada da presença real de Deus em nós, no outro e no conjunto da criação.

Aprendemos a desconfiar dos sentidos. Aprendemos a duvidar dos sentidos. Aprendemos a menosprezar os sentidos. Os sentidos são as antenas avançadas do corpo e o corpo é o grande reprimido da tradição Platônica, Agostiniana e Cartesiana, isto é, do mundo antigo, medieval e moderno. É preciso insistir no mais fundamental da nossa fé: a ressurreição dos corpos. Não somos filhos e discípulos de Platão, nem de Descartes, somos discípulos de Jesus, o corpo de Deus, ou o Deus feito corpo. Será necessária uma reeducação dos sentidos, para não mais vê-los com ar de desconfiança e de desprezo, mas como aliados para uma espiritualidade integradora

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