sábado, 2 de julho de 2016

UMA PEQUENA CHAMA ACESA

Era um verdadeiro ritual. O respeito e a fé se uniam. As mãos se juntavam e os joelhos se dobravam. Uma vez por mês, com possíveis variações, a família vizinha entregava a capelinha de Nossa Senhora. Uma tradição tão simples e, ao mesmo tempo, tão profunda. De casa em casa ela passava, interligando os vizinhos, inspirando orações, elevando muitos corações. Exceto em algumas situações, a capelinha ficava uma noite e um dia em cada lar. Depois do jantar, a oração do terço reunia e unia em prece, as diferentes idades e gerações. Logo na chegada da capelinha, era providenciado um copo com água e azeite. Uma lamparina permanecia acesa o tempo todo. Uma pequena chama velava e convidava à iluminação.

Os tempos são outros. Em muitos lugares, sem nenhum ruído, a capelinha continua visitando as residências. A lamparina já não é mais a mesma. Outras luzes são acesas. Os eletrônicos aperfeiçoaram a forma de propagação da luz. Porém, fica a lembrança daquele copo com água e azeite e a pequena chama que se mantinha acesa durante todo tempo da visita. As orações uniam as famílias e eliminavam a distância entre vizinhos. Não havia outras distrações. Os únicos ruídos emanavam da natureza. O silêncio abraçava todas as dimensões. A vida era profundamente sentida, o sabor era mais concentrado.

Andando por muitos lugares, sinto vontade de ‘acender’ outras lamparinas. Há tanta ausência de luz e de esperança. Em alguns ambientes, a espiritualidade nunca adentrou. Em outros, a bondade foi substituída pelo egoísmo e a paz foi negociada pela ostentação. As palavras não bem pronunciadas têm roubado a alegria de muitos corações. Há uma clara urgência: procuram-se almas generosas para acender a chama do amor e da fé. Só assim a escuridão cederá espaço e a claridade entrará por todas as frestas, provocando verdadeira renovação.

As preces da infância povoam a lembrança. Acontece que o mistério era muito mais acolhido do que compreendido. A inocência permitia tantos sonhos, a imaginação não aceitava contornos. A transcendência estava mais próxima da consciência. Os anos passaram, ainda bem que a saudade conserva acesa a chama daquela simples lamparina. Ela jamais se extinguirá. A insistência em multiplicar a luz da fé tem rendido bons sinais. Todos buscam luz. A lamparina iluminará infinitos caminhos que conduzem ao céu.

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