terça-feira, 31 de julho de 2018

A NUDEZ

Resultado de imagem para pobreza

Nascemos iguais, no choro e no medo.
Começam, então, as artes da vida que pinta sobre nós as cores do destino, em silencioso segredo...

Pobre menino...

Nessa loteria incompreensível, uns poucos metros podem ser a diferença entre a miséria e a opulência, a fartura e a carência.

No meu caso, os poucos passos entre a casa e o fundo do quintal eram distância, fronteira e abismo entre dois mundos. No muro da minha casa começava a favela da Pedreira.

Na minha infância, era precária a noção dessa distância. Tanto que, diariamente, eu saltava o muro do mundo e me misturava aos meninos da favela, na alegria comum de um campinho de terra onde reinava o futebol. Ali, éramos quase iguais...

Mas logo vieram as demãos da vida, na sua liberdade enlouquecida.

Enquanto sobre mim eram pintadas as nuances coloridas de um uniforme escolar, com direito a merenda, sapato e meia, nos meus companheiros de além muro, descalços, estropiados, despidos de qualquer beleza, espalhavam-se os traços baços do cinza da pobreza.
Vida que segue, e a aquarela também.

Das cores da família, da filiação, da escola, camadas e camadas de tinta vão cobrindo nosso eu primeiro, de nós, o mais verdadeiro, aquela pessoa, única, original, irrepetível.

O azul do diploma, o marrom da profissão, o verde dos cargos, o branco das escolhas, o multicolorido painel dos desejos, o cinza das concessões e, assim, uma grossa crosta do que deveria ser a vida vai sendo sobre nós pintada e tecida.

Rui Eloi, o filho, o irmão, o amigo. O vizinho querido. O pai, o marido. Cores e tintas sobre um menino que não respeitava os muros da vida.

Hoje, me espanto diante da figura descolorida de seres humanos, anônimos, celebridades, despidos de nomes, cargos, títulos, fortunas, reduzidos à sua pequenez original, sofrida, desprotegida.

Do lado de lá e de cá, do muro, pode ser muito cruel se ver diante da nudez irreversível da vida.

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