domingo, 18 de fevereiro de 2018

O MEDO VENCEU A ESPERANÇA

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“O Brasil é um país curioso, é um país extremamente sem vergonha, não tem a chamada vergonha na cara”.

Antonio Callado, jornalista, romancista, biógrafo e dramaturgo (1917-1997), em entrevista à Folha, poucos dias antes de sua morte.

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Quem escreve esta coluna hoje não é o jornalista, mas o cidadão brasileiro montado no burrico do Paulo Caruso aí acima.

É um cidadão de quase 70 anos, pai de duas filhas e cinco netos, que está preocupado com o futuro de sua família.

Vamos esquecer por alguns momentos neste domingo o Fla-Flu político-partidário que dividiu a Nação nas eleições de 2014.

Quero e preciso falar das minhas angústias.

Qualquer que seja o resultado da eleição presidencial de 2018 sabemos que o país continuará rachado ao meio.

Atribuir isso a um lado ou outro não resolverá nossos problemas nem fará cessar nossas aflições.

De nada adianta fulanizar a responsabilidade pela maior crise da nossa história recente.

Nenhum dos nomes até agora incluídos na lista de candidatos tem condições de unir novamente este povo em torno de um projeto comum.

Esta é a grande encruzilhada à nossa frente, apenas três décadas após a redemocratização do país.

Nossa jovem e frágil democracia está ameaçada.

Já nem sei o que dizer aos netos que me perguntam o que vai acontecer com o Brasil.

Nós que sempre fomos movidos a esperança em dias melhores, mesmo nas noites mais escuras da ditadura, já não conseguimos enxergar uma luz no fim do túnel.

Em 2002, quando parte da minha geração chegou ao poder vestimos uma camiseta em que se lia:

“A esperança venceu o medo”.

Agora, neste começo de 2018, tão pouco tempo depois, sou obrigado a reconhecer que o medo venceu a esperança.

Não me refiro ao medo imposto pela violência da bandidagem, mas ao medo do futuro, pela absoluta falta de perspectivas de mudança no cenário.

Esperança e medo são os dois sentimentos mais fortes manipulados em eleições desde sempre.

Em 2018, já está claro que o medo vai dominar a campanha eleitoral.

É isto que está por trás da intervenção militar no Rio de Janeiro e da criação extemporânea de um Ministério da Segurança Pública.

São operações do marketing do desespero deste governo e de setores da mídia carioca, em que o combate à criminalidade é apenas uma forma de disseminar o medo para colher votos e assustar ainda mais o eleitorado.

Nos últimos anos, voltamos às piores lembranças do passado, comprometemos o presente e deixamos as novas gerações sem futuro.

Como explicar isso a uma criança?

Eleição sempre foi um momento de renovação de esperanças, de acreditar num futuro melhor, mas este ano nem tenho vontade de sair de casa para votar.

A maioria das pessoas com quem converso, de todas as latitudes políticas, me diz a mesma coisa.

A oito meses da abertura das urnas, quase ninguém tem candidato.

É terrível constatar isso partindo de gente que lutou pelo fim da ditadura e pela volta das eleições diretas para presidente da República, nem faz tanto tempo assim.

Em 1989, na primeira eleição direta da minha geração, neste mesmo período do ano, os eleitores já brigavam por seus candidatos, enfeitavam carros e casas com propaganda, os postes eram tomados por cartazes, não se falava de outra coisa, era uma festa.

Agora, reina o mais absoluto silêncio nas ruas, não há sinais, fora da imprensa e das redes sociais, de que em breve seremos chamados a decidir o nosso destino.

A cada dia aumenta a desesperança, a sensação de que não tem mais jeito, o país não deu certo nem nunca vai dar, como Antonio Callado desabafou aos repórteres Matinas Suzuki Jr. e Maurício Stycer, no final de janeiro de 1997, poucos dias antes de sua morte.

Tenho pensado muito ultimamente nesta entrevista do grande brasileiro Antonio Callado. Ao final, na semana em que completou 80 anos, faz uma triste constatação:

“Perdi completamente o interesse em operações políticas no Brasil. Não acredito que elas venham. Não vejo como podemos sair daqui, agora. Acho o mundo muito esculhambado no momento. Não vejo esperança… Não tenho a menor esperança de ver coisas diferentes na minha frente. Lutei muito é verdade… E não deu em nada”.

Isso foi vinte anos atrás. O que ele diria hoje?

Em tempo: não deixem de ler a comovente reportagem de Eliane Brum “Vidas barradas em Belo Monte” publicada pelo jornal inglês “The Guardian” e reproduzida no UOL neste domingo. Ali está um retrato pronto e acabado do Brasil de 2018 onde o medo venceu a esperança.

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