sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

SÓ A LITERATURA CONTA MENTIRAS

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Tomo a liberdade de reivindicar: a mentira é nossa. A literatura pega um fato real e transforma em mentira. Faz até mais: inventa mentiras do nada. O que mais irrita um escritor é perguntar se a sua história é verdadeira. É mentira! É pura mentira!

São mentiras que servem para a gente pensar no que acontece de verdade. Servem só para pensar. Não servem para confundir uma coisa com a outra. Por isso, são mentiras perigosas: porque fazem pensar e confundem, mesmo não servindo para isso. Quanto mais perigosas são as mentiras literárias, mais os escritores se deleitam. E os leitores penam, mas é na pena da dor que não sentiram que crescem e aprendem a tirar suas próprias conclusões. Um texto perigosamente mentiroso jamais entrega os seus segredos facilmente, não é bengala de leitor preguiçoso, não se transforma em auto-ajuda.

Reivindico a verdade dessas mentiras. O resto é falsificação. Ou podem chamar de falsidades diversamente verdadeiras. Notícias difamatórias? São uma verdade. Elas revelam os seus fins malévolos, geralmente por meio de argumentações inconsistentes, falta de informações, insinuações, conclusões obtidas a partir de falsas premissas. Comentários na internet? Verdade pura. Quem agride, insulta, ofende, ameaça e não debate, não escuta, não lê, está apenas mostrando a mais pura verdade sobre a sua pobreza intelectual. Juízo moral? Uma verdade sublime. Ninguém como um hipócrita é capaz de ser tão fiel a si mesmo em suas externações. Quando abre a boca, o universo recebe uma lição sobre a anatomia do preconceito, a sua estrutura íntima, os subterfúgios mais eficazes para desviar a atenção do tema.

O mundo anda realmente estranho. Quanto mais buscamos a verdade, mais encontramos a mentira no nosso caminho. Pior: encontramos verdades que fingem ser mentiras, usam os seus instrumentos e não podem alcançar o status de arte, ficando no patamar da informação ruim. Apenas isso. As pessoas leem mentiras pensando que estão diante da verdade e acabam por ficar sem uma e sem outra.

Esses são apenas alguns motivos pelos quais prefiro confiar em mentirosos declarados. Prefiro os escritores e os poetas. Eles são especialistas em mentiras e não enganam ninguém, não escondem os seus propósitos. Basta analisar um texto literário para perceber a sintaxe, os deslocamentos de sentido, a escolha lexical cuidadosa a fim de que ninguém se sinta ludibriado ou para que possa cair deliberadamente nas deliciosas trapaças que os textos criam.

Estou farto dos que usam os recursos literários com o pretexto de contar uma verdade, mentindo e enganando sobre a eventual verdade dos fatos. Eles deveriam entregar-se à mentira de uma vez por todas, sem receios, sem escrúpulos. Isso não é garantia de que um dia se tornem escritores, mas ao menos nos pouparia do constrangimento cotidiano de ler, desmascarar e penosamente desmontar as mentiras que tentam transformar em verdade.

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