domingo, 28 de janeiro de 2018

PRESÉPIOS & QUESTÕES.

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O Natal já passou. A Festa de Reis também. Os presépios foram desarmados e as imagens natalinas retornaram às caixas que as guardarão silenciosamente até o próximo dezembro. Na Liturgia Cristã, já entramos no Tempo Comum. Mas permitam-me uma pequena reflexão tardia sobre o Natal. Mais propriamente, a reflexão é sobre presépios.

Todos sabemos que a tradição do presépio foi popularizada no Ocidente por São Francisco de Assis. No ano de 1223, o Pobrezinho de Assis, fascinado pelo mistério do Deus que se faz humano tão belamente narrado nos Evangelhos de Mateus e Lucas, decidiu reviver fato tão maravilhoso. Numa gruta, na vilazinha de Greccio, relembrou a cena do nascimento criando um presépio vivo. Tomás de Celano, um dos primeiros biógrafos de Francisco de Assis, assim descreve o primeiro presépio: “A manjedoura que o Santo fez era cheia de feno e foram colocados perto dela um boi e um burro. Acima da manjedoura foi improvisado um altar e nesse cenário ocorreu a missa da meia-noite, na qual o próprio Santo (...) cantou solenemente o Evangelho juntamente com o povo simples e pronunciou um comovente sermão sobre o nascimento do menino Jesus”.

Para os que estamos acostumados com a tradição dos presépios, a cena pode parecer banal. Mas não o era para os homens e as mulheres, especialmente os que se afirmavam cristãos naqueles tempos medievais em que a Igreja se constituía como o grupo social mais rico e poderoso. Nesse contexto, a mise en scène de Francisco era provocativa: uma missa improvisada, celebrada num lugar não consagrado, com o Evangelho lido e interpretado por um leigo. E mais: num mundo em que Deus era representado como O Altíssimo, Francisco o coloca num presépio, ou seja, numa estrebaria, rodeado por bois e por burros... E todos os que fomos criados no campo sabemos das cores e dos odores de uma estrebaria.

Tomás de Celano, assim como os outros biógrafos de Francisco, não relatam as reações dos presentes naquela noite de dezembro de 1223 na Gruta de Greccio. Evadem a questão dizendo que aquele evento foi lembrado por muito tempo e se perpetuou como um símbolo da proposta genial do Santo de Assis.

Mas, hoje, quase mil anos depois, ouso imaginar que a criação de Francisco tenha provocado escândalo semelhante ao do Presépio da Diversidade criado pelo artista plástico paulista Luciano de Almeida. Nele, o artista coloca, junto com as tradicionais figuras da cena, uma prostituta, um casal homossexual, um portador de HIV, um cadeirante, um casal de idosos e vários meninos de rua. Mesmo tendo sido anteriormente exposto em São Paulo, na Alemanha e na Itália, tal montagem provocou grande celeuma nas redes sociais quando, no final de 2017, fez parte de uma exposição de presépios no convento franciscano do Rio de Janeiro. Grupos fundamentalistas cristãos e movimentos sociais ultraconservadores clamaram contra a presença na cena natalina de um casal homossexual. A pressão foi tanto que frei Roger Brunório, curador da exposição, teve que retirar o presépio da exposição antes que algo de mais grave acontecesse.

Enquanto isso, vários sites da “grande imprensa” tradicional brasileira anunciavam “presépios de cãezinhos” como “a coisa mais fofa que você verá neste Natal”. Várias imagens ilustravam as chamadas para os “novos presépios”. Nelas, no lugar de Maria, José, os Magos e Pastores, cães e cadelas devidamente ornados com trajes orientais. E, no meio da cena, no lugar do Menino Jesus, um cãozinho deitado num berço de seda. E o mais surpreendente: nenhuma crítica a tais representações por parte dos cristãos e católicos fundamentalistas e dos grupos conservadores de direita que se pretendem defensores da moral e dos bons costumes!

Três presépios e várias perguntas: a quem os moralistas defendem? Será que Francisco de Assis se sentiria representado pelos presépios que hoje são feitos nas Igrejas, praças públicas, lojas e shopping centers? Ou, se estivesse por aqui hoje, não procuraria uma outra Greccio para reinventar a tradição de Natal? Talvez as favelas, os viadutos, as zonas de prostituição fossem o único lugar onde ele encontraria gente disposta a acreditar que Deus se fez humano e está presente em cada pessoa marginalizada. Inclusive nos casais homossexuais expulsos do presépio pelos puritanos e moralistas. Bem dizia Jesus: “As prostitutas e os publicanos vos precederão no Reino dos Céus”. A prova disso está no próprio presépio: prostitutas e publicanos ali nos precederam.

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