terça-feira, 28 de março de 2017

A IMPORTÂNCIA DO SABER ESCUTAR

Já não é possível, e correto, dizer que temos um corpo e que os sentidos são instrumentos do corpo. Na verdade, apropriado é dizer que somos corpo e os cinco sentidos são antenas avançadas do corpo que captam e se comunicam com o mundo exterior. Os sentidos são as aberturas do corpo para o mundo. Através dos sentidos o corpo inteiro saboreia, o corpo tateia, cheira, vê e ouve.

O que de fato impressiona é como a evolução da matéria cega, surda, muda e opaca pode ter dado esse verdadeiro salto revolucionário, nos munindo de sentidos perfeitamente ajustados ao corpo. Ninguém sabe. Mas sabemos o quanto de apropriado é o nosso sistema vivo e animado, por dento e por fora, cujos sentidos são a justa medida. É claro que, às vezes, seria bom não tocar, não cheirar, não ver, não degustar e não ouvir certas coisas que vem do mundo exterior. Mas, fora as exceções, como é divino o nosso corpo e suas aberturas para o mundo. E das aberturas, o que dizer do ouvido?

Primeiro uma distinção básica. Uma coisa é ouvir, outra é escutar. Comumente ouvimos os sons que nos rodeiam, mas raramente escutamos e prestamos acurada atenção, dispondo-nos ao silêncio interior para nos entregarmos totalmente ao portador da sonoridade.

Ouvir é um imperativo, uma faculdade automática do corpo. Escutar, por sua vez, é uma arte e, como tal, requer educação, sensibilidade e, decisão. É possível não ouvir, tapando o ouvido, por exemplo e, por isso, o próprio ouvir pode ser uma decisão, mas o escutar é absolutamente uma decisão. Se não quisermos, mesmo ouvindo muito bem, não prestamos atenção, não escutamos.

Nesse caso poderíamos dizer que escutar verdadeiramente é ouvir com o coração. E em tempos em que muito se ouve e pouco se escuta, o ato de escutar é o que há de mais humanizador. Saber escutar é redentor para quem fala, pois na fala se dá o milagre da libertação de quem fala, e acontece a salvação para quem escuta, porque é pela palavra que o outro se revela a nós e nos tira do narcisismo e da solidão. Quem não sabe escutar vive preso às amarras do eu. Quem não fala, por ninguém o escutar, vive preso atado a fantasmas que só se dissolvem pela fala...

Em segundo lugar, apenas uma breve observação de ordem anatómica conectada a uma simbologia. Somos uma boca e duas orelhas. Porque somos assim e não com uma orelha apenas, pouco importa. O que importa é que o fato da natureza de dispormos de duas orelhas, pode indicar simbolicamente que sempre devemos ouvir e, sobretudo, escutar o outro lado. As fofocas, as injúrias, as calúnias, as difamações, os maldizeres fazem estrago em quem fala, mas também em quem escuta se um ouvido não abrir as portas para deixar sair o que o outro ouvido escutou. Há uma arte e sabedoria no escutar e no guardar o que se escuta, assim como há uma arte e sabedoria em saber esquecer

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