terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

A ESPERANÇA DEVE CEDER LUGAR À AMBIÇÃO

Há patologias psíquicas que desestruturam o indivíduo ao esgarçarem de tal modo seus nexos emocionais e racionais a ponto de fazê-lo perder o senso de identidade. Uma delas é a perda de memória, como acontece com quem padece do mal de Alzheimer.

Uma pessoa destituída de consciência de quem ela é e ignora o próprio nome, suas raízes e seu histórico, praticamente retrocede ao estado vegetativo. Elevada essa síndrome à potência coletiva, o resultado é a perda de identidade de povos inteiros.

A visão histórica criou as condições para a descoberta da evolução genética, as teorias de Darwin e a filosofia de Marx. Já não sou apenas um indivíduo nascido em uma determinada família. Sou cidadão de uma cidade, de uma nação, parte de um povo, cujas raízes históricas estão impregnadas em minha sensibilidade, memória, cultura e religião, e na arte e na culinária que aprecio.

Ao adquirir senso histórico, o homem moderno imprimiu à sua vida um sentido imanente – mudar o que deve ser mudado, investigar os fenômenos da natureza (ciência), aprimorar as ferramentas de trabalho e os utensílios úteis à vida (tecnologia), refletir criticamente sobre todas as questões (filosofia). Essa emancipação da razão humana permitiu que fossem desvendados o que, até então, era tido como mito ou mistério.

A modernidade derrubou monarquias e engendrou revoluções que mudaram a face do mundo: inglesa, francesa, americana, russa, chinesa e cubana. Do mundo feudal restaram poucos resquícios. E, no entanto, malgrado tantos avanços civilizatórios, o Céu não desceu à Terra. A revolução moderna e o senso histórico foram sabotados pelo capitalismo.

O neoliberalismo proclamou pela boca de Francis Fukuyama: “A história acabou.” Leia-se: já não cabe nenhuma esperança de que, no futuro, o capitalismo será superado por outro modo de produção e consumo. As tentativas socialistas resultaram em fracasso.

Para o sistema, entretanto, não basta proclamar o fim da história. É preciso desmobilizar todas as forças capazes de ter olhos críticos para o presente e esperançosos para o futuro. Urge apagar de vez o horizonte da utopia. Destituir os seres humanos de qualquer senso histórico.

Trata-se, agora, de aplicar ao conjunto da sociedade o que as enfermidades causam naqueles que perdem a própria identidade. Daí a afirmação de Margareth Thatcher: “A sociedade se resume ao Estado e à família.” Com esse simples suspiro ela pretendeu anular todas as instituições que mediatizam a relação da família com o Estado: associações, sindicatos, partidos etc. Suprimido o senso histórico, está esgarçado o tecido social.

Essa estratégia neoliberal de atomização das grandes narrativas visa a evitar que as novas gerações promovam mudanças sociais. A esperança deve ceder lugar à ambição. A solidariedade à competitividade. A política à antipolítica. E o desejo deve ter, como alvo, apenas o que o mercado oferece.

Triste horizonte nos oferece o sistema que prioriza o capital e não os direitos humanos.

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