domingo, 12 de fevereiro de 2017

A CORAGEM DE DAR TUDO

O poeta Rabindranath Tagore, numa história inesquecível, narra o encontro de um mendigo com o rei. Andando pelas empoeiradas estradas da Índia, o velho mendigo batia de porta em porta, pedindo qualquer coisa. Pouca coisa recebia, até mesmo porque a miséria era muito grande. A tarde ia adiantada e ele apenas conseguira alguns punhados de trigo. A paisagem animou-se quando, no horizonte, apareceu uma imponente carruagem. Puxada por cavalos garbosos, ela conduzia o próprio rei.

E a carruagem parou bem à sua frente. Hoje é o meu dia de sorte, pensou o mendigo, imaginando sonantes moedas de ouro que poderia receber do rei. Descendo da carruagem, o rei estendeu sua mão, pedindo alguma coisa. Confuso, olhou para o fundo de seu bornal e tirou alguns grãos de trigo e depositou-os nas mãos reais. O rei agradeceu, voltou à carruagem e desapareceu nas curvas do caminho. O mendigo continuou sua penosa caminhada sem nada entender. Antes de deitar, após ter comido um pedaço duro de pão e tomado um pouco de água, o mendigo despejou as poucas esmolas do dia. E, surpreso, notou que entre os de trigo luziam alguns grãos de ouro. Eram os grãos que ele dera ao rei. Tardiamente arrependido, lamentou-se: porque não tive a coragem de dar tudo!

No rosto do mendigo, o rosto da humanidade inteira. Desalentada, faminta, andava sem rumo pelas estradas do mundo. Foi neste horizonte que, um dia, surgiu a carruagem real. Mas esta nada tinha de real, nada tinha de majestade e poder.

Numa noite luminosa, o filho de Deus armou sua tenda em nosso meio, afirma São João, no prólogo de seu Evangelho. Ele não veio para ser servido, mas para servir. Ele abriu suas mãos para receber um pouco de nossa pequenez. Ele não quis impressionar-nos com sua grandeza, mas irmanou-se em nossa pobreza. É isto o que celebramos em mais este Natal.

Contrariamente a uma humanidade egoísta e mesquinha, Deus Pai nos deu seu Filho único. Ele nos deu tudo. Mais ainda: iluminou nossos horizontes, santificou nossas dores, trouxe-nos a possibilidade infinita de sermos felizes. Seu reinado eterno tem a marca da humildade, do cotidiano e do amor. Jesus abriu nossos olhos a uma grandeza desconhecida por nós mesmos. Ele se fez homem para que nós pudéssemos ser deuses, sintetiza Santo Agostinho.

Essa é a história que há mais de dois mil anos é contada no Natal; essa é a história que Francisco de Assis visibilizou na campina italiana de Gréccio; essa a história que merece ser vivida a cada dia do ano. Porque Ele nasceu, não mais existem razões para temer. Continuamos pobres, continuamos pecadores, mas pobres pecadores amados por Deus. E se não somos mais felizes é porque, ainda hoje, não temos a coragem de dar tudo.

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