segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

ALGUNS GOLES A MAIS.



 Feitas as contas, foram muito mais do que dez mil. Éramos amigos e não foi falta de avisar. Nunca ficava num copo ou numa lata. Um dia, fraternalmente, já que ele era pessoa de agradável trato, provei-lhe que tinha ingerido quase dois litros de cerveja no curto espaço de duas horas. Se fosse água, não teria ingerido a mesma quantidade.
A discussão foi boa. Acusou-me de patrulheiro e de catastrofista. Argumentei que os goles a mais saturariam seu cérebro e que antes dos 60 anos ele teria perdido o controle de seus impulsos: seria um alcoólatra. Naquela tarde ele brigou comigo e me brindou com o famoso palavrão que ofende mãe e filho.
Correu o tempo, e nós com ele, um para cada lado. Tornei a ver sua filha, agora casada e perguntei por ele. Com os olhos marejados me disse que eu tinha razão. As cervejinhas que ele sempre diminuía no nome, mas não na quantidade, os golinhos de caipirinha, as tacinhas de vinho juntaram-se em conspiração contra aquele cérebro. O pai estava só. A mãe morrera, e ele bebia todas, a toda hora, por toda e qualquer razão. Mas ainda insistia que não tinha o vício.
Propus-me visitá-lo. Ele deu a entender que estava ocupado e que não poderia me receber. Soube, pela filha, que ele faz isso com todos os amigos de ontem. Cortou os laços e agora acusa os amigos de o haverem abandonado. O único amigo de ontem que ele jamais abandonou foi o copo e a única amiga que ele acolhe com prazer é a cervejinha.
Tenho desenvolvido, com quem me leva a sério, a teoria do copo a mais, da lata a mais e do gole a mais. Sem disciplina hercúlea, como pedrinhas de um dique eles represam o futuro da pessoa, porque se juntam e se compactam. Obstruem qualquer saída e, a depender da quantidade de pequenos goles amontoados, em menos de 30 anos a vida deixa de escoar por aquele coração desmotivado. Terá olhos apenas para o bar ou para a geladeira.
Mas tente dizer isso a quem ultrapassou a quantia. Dirá que só ele sabe se passou dos limites. Mesmo assim não se omita! Fale! Correrá o risco de perder o amigo, mas sua consciência doerá bem menos quando, lá na frente, porventura o encontrar cambaleando e incapaz de construir uma frase!...
Nada do que se ingere além da conta faz bem; nem água. Mas nunca vi alguém propenso ao alcoolismo que admitisse isto! É o tipo de conversão que precisa vir antes e não depois da queda!

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