sexta-feira, 6 de abril de 2018

TEMPERANDO A VIDA.

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Ninguém podia sobrar um grão de arroz no prato. O que era servido tinha que ser comido. Nada de fartura, mas tudo muito natural. A simplicidade estava no vestir, no morar e na alimentação. Naquele tempo, todos os dias tinha feijão. Hoje, o feijão praticamente tem dia marcado: segunda-feira. O cardápio do domingo já supõe uns incrementos para a refeição do dia seguinte. Tem mães que até cozinham um pouco a mais de feijão, para deixar nos potes congelados para os filhos. Umas folhas de louro agregavam e ainda agregam aroma e sabor especial ao prato predileto dos brasileiros. Na infância, a feijoada à mesa era simplesmente festejada. Não havia necessidade de acréscimos, nem de muitos contornos. Se tinha feijão no almoço, na janta teria sopa de feijão. Essa era a lógica, principalmente nos dias de temperaturas mais amenas. Cresci nesse ambiente, sem muitas exigências, regidos pelo manual da simplicidade. Aos domingos, a pipoca adoçada com melado de cana era saudada efusivamente. Não havia refrigerante, mas não faltava suco natural ou um pouco de vinho numa jarra d’água, claro com algumas colheres de açúcar. Tudo era festa, pois o pouco se transformava em muito.

Os anos foram passando. A sofisticação tornou-se tentação. A insatisfação roubou o espaço destinado à gratidão. Há mesas com banquetes diários, mas com poucas palavras e, às vezes, com vozes que se erguem prejudicando a digestão. Outros temperos estão ao alcance das mãos, graças à industrialização. Dificilmente se encontra residências com galhos de louros pendurados próximos ao fogão. Os condimentos chegam a ser importados. O excedente da refeição dominical nem sempre é aproveitado para a feijoada, que deixou de ter dia fixo no cardápio semanal. Será difícil voltar ao ontem. Nem seria interessante retornar a um tempo que já passou. O que não deveria ter ficado no esquecimento eram os valores que davam à vida um toque especial. A família era unida, não havia ruídos, a mesa era sagrada, mesmo com toalha cheia de remendos. O aroma da paz era percebido à distância. Os problemas eram administrados através da disciplina.

O feijão continua presente na refeição da nossa residência. O sabor fraterno é uma marca indelével, os encontros ao redor da mesa motivam diálogos, histórias de outros tempos, experiências particulares. Cada qual tem em sua bagagem existencial registros, sonhos, frustrações, cenas coloridas, afetos e desafetos intercalados. A vida, com seus versículos e capítulos, serve de enredo para curtas e também longas metragens. Se não tiver expectadores, sem problema. Viver é estar subindo e descendo do palco, onde a necessidade de aplausos é dispensada, pois as melhores cenas, consequentemente geradoras de imagens e de lembranças, são guardadas carinhosamente no santuário sagrado, que é a interioridade de cada um. Pequenos detalhes, uma palavra, um galho de louro, um prato de feijão: em questão de segundos, o pensamento visita o passado e os melhores momentos encostam no hoje, proporcionando leveza e alegria por uma história construída entre desafios, sacrifícios e muito sabor. Tomara que todos tenham sempre feijão à mesa e muitas lembranças no coração.

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