domingo, 1 de abril de 2018

A FUMAÇA QUE AFASTAVA TEMPORAIS.


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A vida é mesmo feita de registros. Seguidamente algum fato do presente nos remete ao passado. Somos mochileiros repletos de lembranças e administradores de incontáveis saudades. Uma palavra, um detalhe ou um pensamento são suficientes para embarcar num voo, tendo como destino o ontem. De fato, há dias em que somos habitantes mais do ontem do que do hoje. A Semana Santa, por exemplo, é rica de simbologia que traz à mente imagens de uma infância que desconhece distância. Enquanto via as pessoas com ramos de oliveira, fiz um breve intervalo para redesenhar e atualizar uma cena que jamais esquecerei. Os ramos de oliveira eram guardados com respeito, assim como muitos ainda o fazem em nossos dias. Quando se levantava um temporal, minha madrinha pegava o antigo ferro de passar roupas, enchia de brasas, colocava à janela e queimava um ramo de oliveira. A fumaça, cujo o cheiro ainda posso sentir em minha imaginação, se perdia em meio ao vendaval. Um misto de fé e proteção invadia nossos corações. Ela nos ensinou que aquela fumaça afastava os temporais.

Os anos se passaram. O ferro de passar roupa continua lá, mesmo que tenha sido substituído por outro mais prático e mais leve. O advento do botijão de gás praticamente substituiu as brasas do fogão a lenha. Porém, aquela cena jamais conhecerá o envelhecimento. Não era superstição, mas o vento, muitas vezes, se acalmava e o temporal não fazia estragos. A mística fumaça do ramo de oliveira, acreditávamos, subia aos céus ou trazia o céu para mais perto da terra. Alguns rituais foram perdidos, com o passar dos anos e com a despedida das gerações que nos antecederam. Os cabelos se apressam em ficar brancos, mas o coração continua acreditando que há uma contínua proteção, que alimenta a confiança e que nos aproxima da transcendência. Fico feliz só em ver uma árvore de oliveira, assim como tenho uma profunda sensação de paz ao visualizar um ramo bento, em algum lugar da residência.

O mundo virtual, com ferramentas interessantes e úteis, tem diminuído o espaço das coisas simples. Ninguém deve ficar somente com a fé que cultivou na infância. O conhecimento está ao alcance de todos, através de muitos meios. Porém, não convém abandonar as humildes experiências espirituais, que proporcionaram tanto alento, em tempos de parcos recursos. Sempre sugiro, para quem tem espaço e condições, que não deixe de plantar um pé de oliveira. Tenho consciência que o ferro à brasa já não faz parte do mundo doméstico. Porém, todos nós, de um jeito ou de outro, esperamos que os céus nos escutem, que a proteção seja na medida certa e que os ‘temporais existenciais’ não façam muitos estragos. Uma outra ‘fumaça’ pode continuar alcançando as nuvens: a fumaça da oração, da esperança, da fé e do mais genuíno amor. Já guardei o ramo bento deste ano. Não está longe dos olhos. É emocionante saber que a humilde infância continua inspirando e provocando paz e serenidade.

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