quinta-feira, 18 de maio de 2017

CINDERÉLAS DA VIDA REAL

Nem todas as cinderelas vivem esse tipo de drama depois de aceitarem a proposta de casamento de um príncipe encantado. Nem todas ficam desesperadas por não poderem falar a sua língua nativa com os filhos. Mas para trinta por cento, pelos mais variados motivos, o conto de fadas termina mal.
 Na Itália a média de divórcios fica em torno de 30% e a maioria deles ocorre após 15 anos de casamento. Os casamentos mistos, em que um dos cônjuges é estrangeiro, são cerca de 10% do total. Também nesses casos, a média de divórcio é semelhante, levemente inferior à média geral. Metade dos italianos que casa com um estrangeiro possui um cônjuge vindo do Leste europeu. Nesse panorama, o número de casamentos entre brasileiros e italianos é ínfimo, mesmo assim não estamos isentos de estereótipos.
 As pessoas costumam comentar, por exemplo, que temos muitas coisas em comum: falamos uma língua neolatina, pertencemos a uma cultura latina, somos expansivos como os povos do Mediterrâneo. O problema é justamente este: o estereótipo. As pessoas entram naquela empolgação das “coisas em comum”, das “semelhanças”, e entram numa espécie de bloco carnavalesco, cada um com a sua fantasia. Ela, cinderela; ele, príncipe encantado: não se casam com uma pessoa, mas com uma ideia.
 Depois que acaba o conto de fadas, vem a vida real. Que língua vamos falar em casa? Que comida vamos oferecer aos hóspedes? A que horas vamos comer? Quem vai servir os pratos? Parece bobagem, mas como dizem os italianos: “o diabo está nos detalhes”. E esses detalhes, dia após dia, ou se tornam parte da rotina, ou se tornam parte da ruptura.
 Eu, por exemplo, fiquei estarrecida com um costume que nunca cultivei na minha família – porque não tenho nenhuma origem italiana!: Na Itália, a dona de casa serve os pratos de todos os convidados, só então senta à mesa e as pessoas começam a comer. Já no Brasil, colocamos as travessas na mesa e salve-se quem puder, não é? À primeira vista, este gesto me pareceu uma submissão inadmissível, uma coisa servil, medieval. Só com o tempo passei a ver como uma cortesia, apreciada pelos hóspedes e sinal de gentileza da anfitriã. Quer dizer, em princípio achei que estava fadada a ser a gata borralheira do lar, mas dá para fazer a mesma coisa e ser princesa hospitaleira. O importante é que a atitude esteja clara para todos, que o significado seja compreendido.
 Bem, a gente pode dar um conselho, mas o percurso de transformação é individual. Exige esforço, clareza e compreensão por parte do Outro. As pessoas se amam juntas e brigam juntas. Também podem fazer as pazes juntas. Nesse processo, tudo é recíproco, proporcional e de responsabilidade de ambos. Mas uma coisa é certa: nada é óbvio, nada é apenas um detalhe. Somos sempre e necessariamente diferentes e é na diversidade que apostamos quando convivemos com os outros: só assim o encanto continua, depois que a carruagem volta a ser abóbora e vira ingrediente para a sopa.

Gislaine Marins

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