quarta-feira, 9 de julho de 2014

PODEM VOLTAR AS DITADURAS?

Todos os ditadores - de Hitler a Médici, de Batista a Stalin, de Franco a Somoza - passam à história como figuras execráveis, cujos nomes, estigmatizados, se associam às vitimas de seus governos tirânicos. Aliás, Tirano era o comandante da guarda do rei Herodes. Seu nome tornou-se sinônimo de crueldade por se atribuir a ele a execução da ordem real de decapitar, em Belém, todos os bebês, entre os quais estaria Jesus se José e Maria não tivessem fugido com ele para o Egito.
A América Latina carrega em sua história longos períodos de supressão do regime democrático. No século XX, o Brasil conheceu dois: sob o governo Vargas (1937-1945) e sob o regime militar (1964-1985), sem falar dos que governaram sob Estado de Sítio. O paradoxo é que todas as ditaduras latino-americanas foram suscitadas, financiadas e armadas pelo governo dos EUA. Fala-se que nos EUA nunca houve golpe de Estado porque não há, em Washington, embaixada americana...
O recente golpe em Honduras, que resultou na deposição do presidente Zelaya, democrática e constitucionalmente eleito, coloca o governo Obama frente à hora da verdade. Ao receber a notícia, Hillary Clinton, secretária de Estado, vacilou. Talvez tivesse manifestado apoio aos golpistas se o presidente Obama não houvesse reagido em defesa de Zelaya. Ainda assim, os EUA não suspenderam ajuda financeira e militar às Forças Armadas hondurenhas, que sustentam o ditador de plantão.
A política externa da Casa Branca trafega sobre o fio da navalha. Sabe que Zelaya está mais próximo de Chávez que dos falcões usamericanos que ainda comandam a CIA. Esta agência não foi devidamente saneada por Obama. E, agora, tenta justificar o golpe sob o pretexto, infundado, de que o presidente da Venezuela estaria prestes a remeter comandos militares a Honduras para derrubar os golpistas e devolver o mandato ao presidente Zelaya.
A América Latina conheceu significativos avanços políticos nas últimas duas décadas. Após destronar as ditaduras militares e rechaçar presidentes neoliberais - Collor no Brasil, Menem na Argentina, Fujimori no Peru, Caldera na Venezuela - demonstra preferência eleitoral por candidatos oriundos de movimentos sociais, dispostos a disputar o espaço das esferas de poder com os tradicionais grupos oligárquicos.
É verdade que o uso do cachimbo entorta a boca. Alguns mandatários, em nome da governabilidade, não têm escrúpulos em fazer concessões a velhos caciques políticos notoriamente corruptos, representantes de feudos eleitorais marcados pela mais extrema pobreza.
Quando um líder político de origem progressista se deixa cooptar pela oligarquia conservadora o que está em jogo, de fato, não é a propalada governabilidade. É a empregabilidade. Perder eleição significa o desemprego de milhares de correligionários que ocupam a máquina do Estado. Seria, para muitos, atroz sofrimento perder o cargo e, com ele, as mordomias materiais e simbólicas.
Todos sabemos que, hoje, no centro da vida política se sobressai a questão ética. A maioria dos políticos teme a transparência. Por isso, muitos agem por baixo dos panos, promulgam decretos secretos, cumpliciam-se em maracutaias, tratam como de somenos importância o fato de o deputado do castelo usar verba pública em benefício próprio, ou um senador incluir sua árvore genealógica na folha de pagamento custeada pelo contribuinte.
Se não se estancar essa deletéria convivência e conivência de lideranças outrora progressistas com velhos e corruptos caciques, não se evitarão a descrença na democracia, a deterioração das instituições políticas, a perda do senso histórico na administração pública. O que constitui excelente caldo de cultura para favorecer o retorno de ditadores salvadores da pátria.

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