domingo, 17 de setembro de 2017

POR QUE CENSURAR A ARTE?

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Arte blasfema?

Terroristas do Estado Islâmico destruindo o patrimônio artístico milenar da cidade de Palmira é uma profanação. Gilberto Gil cantando “Pai, afasta de mim esse cálice” é arte.

O ataque à biblioteca de Tombuctu é uma profanação. O parricídio cometido por Édipo no início da sua tragédia é arte.

Martelar a Pietà de Michelangelo é uma profanação. O artista tirando a roupa na frente de um quadro é arte.

Ronda na frente das igrejas para intimidar padres que defendem os imigrantes é uma profanação. A peça teatral na qual a mãe mata os próprios filhos para se vingar do marido é arte.

A profanação é o gesto real praticado com o objetivo de destruir algo que representa uma religião ou que, na visão de terroristas, ultraja a sua concepção de religião. A arte de Palmira ofende fundamentalistas, os manuscritos de Tombuctu representam uma agressão cultural para eles, a Pietà provoca extremistas, a defesa dos imigrantes irrita os fascistas.

Diante de uma profanação sentimos indignação, raiva, impotência ou outras emoções. Mas não podemos experimentar a catarse. A catarse é um sentimento de horror que se experimenta apenas diante de uma obra artística. A arte permite que o fruidor se coloque na pele da personagem representada, narrada ou retratada. A arte é uma mediação simbólica, que se coloca entre o fruidor e a realidade que ela interpreta por seus meios específicos. A arte jamais é a realidade, apenas a sua representação. Por isso, a arte não pode ser blasfema.

Há tragédias que me chocaram profundamente: em Tiestes, de Sêneca, Atreu mata os sobrinhos e serve-os durante o banquete para o próprio irmão, Tiestes, que acaba por cometer um ato de canibalismo involuntário. É arte. Mas isso não significa que não choque a sensibilidade de quem entra em contato com o objeto artístico.

É extremamente perigoso confundir profanação e arte. Sobrepor a violência da vida à violência representada na arte, dizer que estão no mesmo patamar, é um erro. Uma facada nunca será um quadro ilustrando uma facada. A dor da vítima nunca será equiparável à dor representada. Mas a dor apresentada por uma obra de arte nos faz pensar na dor que não sentimos, como diz Fernando Pessoa, na sua Autopsicografia. Sem a arte, restam-nos os sentimentos que já mencionei, mas não a dimensão recriadora que nos permite repensar a vida, mesmo que não tenhamos tido experiência real dos fatos. Censurar a arte é, paradoxalmente, dar espaço à profanação, ao gesto concreto. Censurar a arte é impedir a educação da sensibilidade, é retirar a oportunidade de refletir sobre o nosso estar no mundo.

Por que censurar a arte?

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