quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A VICE-REPÚBLICA

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A vida não estava fácil para os republicanos em 1889. Apesar da forte oposição que faziam, eles só tinham conseguido eleger dois deputados no final de agosto daquele ano. Era um resultado ainda pior que os obtidos nas legislaturas anteriores: respectivamente, três e dois deputados. A insatisfação militar, entretanto, crescia, pois as questões ligadas à Campanha do Paraguai ainda não tinham sido resolvidas.

O caso vinha-se arrastando desde 1883, quando o Tenente-coronel Antônio de Sena Madureira declarou-se publicamente contrário à proposta de contribuição dos militares para o seu montepio. No ano seguinte, Sena Madureira convidou o jangadeiro cearense Francisco José do Nascimento para visitar o seu quartel no Rio de Janeiro. O convidado era um abolicionista declarado, o que levou à transferência de Sena Madureira para o Rio Grande do Sul, província comandada na época por Deodoro da Fonseca.

A punição a Sena Madureira gerou comentários e esses levaram o Ministro da Guerra a proibir que os militares fizessem declarações à imprensa. Deodoro da Fonseca não gostou da decisão e por causa dessa insubordinação foi enviado de volta para o Rio de Janeiro. Sena Madureira desligou-se do exército e Deodoro da Fonseca foi exonerado. Os estudantes da Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio, reagiram, declarando seu apoio a Deodoro. Diante da pressão, Dom Pedro II recuou da decisão.

Enquanto isso, os republicanos percebiam que não conseguiriam maioria parlamentar pelo voto. Tentaram, então, obter o apoio militar para reverter o quadro. Em um livro publicado após ser cassado e expulso do país, o Visconde de Ouro Preto, chefe de Gabinete de Dom Pedro II, explica como se deu a campanha:

“Nos dois últimos meses do ministério a que tive a honra de presidir, todo o esforço da oposição consistiu em convencer o exército de que lhe era hostil o governo, alimentando o intuito de abatê-lo. Dois jornais, principalmente, tomaram a si a tarefa ingrata de promover uma sedição militar, calamidade de que o Brasil fora preservado durante mais de meio século. Eram o Diário de Noticias e o País, dirigidos pelos atuais ministros da fazenda e dos negócios estrangeiros do governo provisório. Não cessavam as duas gazetas de, por odiosos pretextos, concitar os brios do exército e da armada, exagerando e adulterando fatos comezinhos da administração pública, como depois se verá, inventando outros sem a menor plausibilidade sequer, atribuindo imaginárias ofensas às duas classes, não só às deliberações do governo, mais justas e acertadas, senão também aos seus planos de futuro” (Visconde de Ouro Preto, Advento da Ditadura Militar no Brasil, F. Pichon: Paris, 1891).

Como sabemos, o plano funcionou. Os republicanos derrubaram a monarquia e Deodoro, então símbolo das hostilidades ao exército, tornou-se o primeiro Presidente. Mas a instabilidade permanecia a mesma: militares que reivindicavam, mesmo sem motivação monárquica, eram acusados de fidelidade ao Imperador. Lideranças do antigo governo foram expulsas do país e a imprensa foi censurada. O novo governo buscava estabilidade por meio de centenas de medidas, entre as quais a preparação de uma nova Constituição, que estabeleceria as normas para o funcionamento do Estado.

Em 1891, promulgada a Constituição, foram eleitos Deodoro da Fonseca como Presidente e Floriano Peixoto como Vice. Governavam juntos, mas pertenciam a correntes políticas opostas. Deodoro fora confirmado no cargo por temor que desse um golpe. O fato efetivamente se verificou após alguns meses de mandato constitucional, quando o Congresso aprovou medidas reduzindo o poder presidencial. A contraofensiva não se fez esperar: o seu Vice assumiu o comando, com o apoio dos republicanos, depois de um setor militar aliado a Floriano Peixoto ameaçar bombardear o Rio de Janeiro caso Deodoro não renunciasse.

Floriano inaugurou a galeria dos vices que fazem do nosso país uma Vice-República, um projeto incompleto, porque originado de um processo forçado, de usurpação do espaço sem o consenso da nação. Essa história fala de nós, simulacro de povo, aglomerado de grupos em luta: uns pela dominação, outros pela sobrevivência. Uns pela destruição da educação, da cidadania, dos meios de subsistência, da cultura, a fim de se manterem no poder. Outros pela comida, pelo teto, pelo trabalho, pela dignidade, a fim de se manterem vivos.

Entre esses grupos evidencia-se um vazio: o das ideias, transformadas em letra-morta, em slogan, em propaganda enganosa. E nós nos enganamos, porque a nós, os deserdados, falta história, falta cultura, falta educação, falta dinheiro, falta filosofia, falta política para fazer escolhas justas. Numa Vice-República, é triste constatar, somos vice-cidadãos.


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