domingo, 8 de fevereiro de 2015

ENTRE O MAIS E O MENOS.

No livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, Machado de Assis descreve um quase desastre: “empacou o jumento em que vinha montado; fustiguei-o, ele deu três corcovos, depois mais três, enfim mais um, que me sacudiu fora da sela com tal desastre que o pé esquerdo me ficou preso no estribo...” O animal ia disparar e, no fim da corrida, certamente sobrariam ferimentos graves ou mesmo a morte. Um homem do povo, com algum perigo, conseguiu pegar a rédea e deteve o animal, possibilitando que seu dono escapasse sem qualquer ferimento.
Passado o susto, sentiu necessidade de recompensar o benfeitor e decidiu dar a ele três das cinco moedas de ouro que carregava consigo. Quando o seu salvador devolveu-lhe as rédeas do animal, a decisão era dar-lhe duas moedas de ouro, que em seguida baixou para uma. Tomou o alforje onde estavam as moedas e ai encontrou um cruzado de prata, que acabou dando ao seu salvador. Despediu-se um tanto constrangido e, pouco depois, ao colocar a mão no bolso, encontrou algumas moedinhas de cobre e refletiu: estes vinténs eu devia ter dado ao que me salvou ... e seguiu o caminho com remorsos pelo seu esbanjamento.
É possível analisar uma vida humana na dialética entre o máximo e o mínimo. Há pessoas que se contentam com o mínimo quando se trata de seus deveres e o máximo quando estão em jogo seus direitos. E acabam criando uma lógica que justifica isso. O escritor Paulo Coelho lembra a capacidade que temos para justificar nossas opções: quando tomamos uma decisão, aparentemente, todas as forças do mundo se unem para nos dar razão.
Os partidários do mínimo estão em toda parte e em todas classes sociais: funcionários públicos, professores, alunos, sacerdotes, pais, balconistas... Fazem – quando fazem – o mínimo estabelecido. Sempre têm alguma justificativa: não compete a mim, terminou o horário, passe outro dia, vou ver o que é possível fazer, vou passar a meu assessor...
O evangelista João nos descreve significativo pormenor no banquete de Betânia: Maria levou quase meio litro de nardo, um perfume muito caro, e ungiu os pés e os cabelos de Jesus. “A casa inteira encheu-se de perfume”, garante o evangelista. Ela não assumiu o mínimo – algumas gotas -, mas abriu o vidro e derramou todo o perfume em seu gesto de ternura ao Salvador. Ela assumiu a medida do próprio Jesus que deu com generosidade seu sangue e sua vida pela humanidade. Mas há uma dimensão em que o mínimo é mais importante que o máximo: pouco basta para viver e nada é suficiente para a ganância. Hoje vivemos a filosofia do consumismo que nos induz a consumir o máximo. Precisaríamos de tão pouco e desejamos tudo. A pessoa mais rica é aquela que se contenta com pouco, a pessoa mais pobre é aquela que tudo possui e ainda deseja mais.

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