quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O MOMENTO CERTO.


Ela se chamava Gabriela e preparava-se para a festa dos quinze anos. Feições simples, simpática, fazia tudo com intensidade. Líder na escola, invariavelmente, recebia as melhores notas, sobrava tempo para integrar a equipe de liturgia da comunidade e, semanalmente, dedicava uma tarde para animar o grupo do lar dos idosos. Na tarde de sábado ensaiava a encenação natalina. A ela cabia desempenhar o papel de Maria, a Maria do Sim, mãe de Jesus. Ao retornar para casa, um motorista embriagado causou-lhe a morte. Em seu túmulo foi escrita uma frase, que resume sua vida: Ela fez tudo o que podia, quando podia.
No portal do tempo, o ano de 2014, cansado, afunda no oceano do passado, enquanto desponta cheio de cores e promessas o Novo Ano. É um momento propício para uma meditação sobre o papel do tempo. Já o genial Agostinho de Hipona, no século IV, ficava perplexo diante do tempo, algo que todos sabem o que é, mas que ninguém consegue definir. Os romanos tinham uma divindade protetora do tempo, chamada Occasio, isto é, a Ocasião Oportuna, o momento certo. No futebol, numa orquestra, numa solenidade, existe sempre o momento certo. Não antes, nem depois. Há um tempo certo para a fruta madura. Antes é verde, depois apodrece.
Os gregos também se debruçaram sobre o tempo e acharam melhor dar-lhe duas dimensões. Cronos é o tempo comum. É o tempo do calendário, da cronologia. Já o Kairós é o tempo de Deus. É a passagem de Deus pela nossa vida e que suscita tempos especiais, mágicos, densos de vida. São esses momentos que fazem a diferença na cronologia de nossa vida.
Na impossibilidade de engessar o tempo, para melhor situá-lo, nós o cortamos em fatias: minutos, horas, dias, meses, anos e séculos. Também tentamos percebê-lo através de três dimensões: passado, presente e futuro. Ou ainda: ontem, hoje e amanhã. Mesmo assim, não sabemos comportar-nos diante desses três estágios. Preocupamo-nos com o ontem e amanhã e descuidamos o hoje. O passado é definitivo e imutável, o futuro é desconhecido. Na realidade, sobra apenas o momento presente. Isso sugere que o tempo é um presente de Deus.
O já citado Agostinho deu-se conta que ele jogava para o futuro suas decisões, que implicavam mudança de vida: “Amanhã, sempre amanhã, por que não hoje?” O raciocínio está correto. Deus oferece sempre, e a todos, o perdão, mas não garante a ninguém o dia de amanhã. O tempo de Deus – kairós – é hoje. O passado deve ser entregue à misericórdia, o futuro à providência. Peregrinos, terminais, sem previsão de chegada, temos em mãos a preciosa moeda do presente. É com ela que podemos construir a eternidade. O tempo pode ser definido com espaço do amor do Pai.

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