quarta-feira, 8 de agosto de 2018

ASSIM CAMINHA O PESSOAL

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Voltei a caminhar!

Agora, de segunda a sexta, logo de manhãzinha, pego a estrada e vou fazer minha caminhada. Na contramão do meu caminho, motoristas nervosos, raivosos, descendo para o Centro para encarar mais um dia de trabalho.

O simples ato de caminhar, mais que uma exigência do meu cardiologista, é um privilégio, apesar da tristeza de ver o esgoto poluindo e o lixo esparramado enfeiando a cidade.

Mas, se a vida já me deu régua e compasso, sigo no meu passo.

Caminho, dentro e fora de mim, em busca de sinais de ressurreição. É a vida pedindo passagem.

Contemplativo na ação e ativo na contemplação, acelero os passos e fico atento aos companheiros de caminhada. Passam por mim, indo e vindo, e capturo no ar o que dizem. São fragmentos apenas, frases truncadas, palavras partidas pela respiração entrecortada, sentimentos voláteis, fugidios, que vão se desintegrando ao ritmo desencontrado de pés que vão e vem.

Recolho as palavras em migalhas, vou juntando, fazendo uma espécie de reciclagem dessa sucata verbal, reaproveitando o que posso, completando as lacunas com meus próprios sentimentos e ideias.

É um exercício interessante...

Dois senhores, grisalhos como eu, deixam no ar a frase quase acabada: "tanta gente boa morrendo e eles aí...".

É verdade, penso eu pensando em Brasília. Politicamente incorreto, concluo o pensamento: “Só mesmo um terremoto de dez graus na escala Ricther, com epicentro na Praça dos Três Poderes para dar um jeito naqueles...”.

Duas mocinhas passam num trote rápido, interrompendo minha indignação cívica. Uma delas fala alto, para superar o som dos onipresentes fones de ouvido: “se ele não aparecer hoje, já era...”

Apresso o passo, como se fosse eu o ameaçado de excomunhão. Quem será o pobre coitado? Saberá que está na corda bamba, que seu atraso ou ausência podem lhe custar, sei lá, o coração (ou algo mais) de uma das mocinhas? Outras duas mulheres, essas de meia idade, passam ligeiras: “minha sogra quer ser cremada e que joguem as cinzas no mar. A gente joga ela no rio Uruguai mesmo, garanto que uma poeirinha chega em Balneário Camboriú...”.E a gargalhada passa rápida, como elas.

Ah, o poder dessas mulheres modernas...!

O local da caminhada é democrático e lá vem, em passos miúdos e sem pressa, uma senhorinha idosa que leva pela coleira uma cadelinha, parece que mais idosa ainda. Passam num silêncio que diz muito. Os olhinhos carinhosos de ambas derramam ternura humana e animal sobre a companheira de caminhada.

Só quem tem cachorro sabe o quanto a solidão humana pode ser preenchida pelo bichinho por quem tenho, também eu, muita ternura.

Dois homens, um mais jovem, um mais maduro, ambos fortes e atléticos, trotam em marcha acelerada, assustando a velhinha e sua companheira de caminhada. O mais jovem diz, bufando: “o meu Deus é diferente. Ele é bom. Não fica se vingando de ninguém”.

“Não é vingança, diz o outro, é justiça...”.

E se vão, deixando pelo meio a aula de Teologia.


Lembro de minha mãe: “Tudo que sinto, esbarra em Deus”...

O pensamento voa e me faz esquecer, por instantes, a paisagem humana à minha volta. Meu olhar se estende ao cenário que me rodeia. Contemplo, para além da poluição, a luz do dia plenamente amanhecido.

Um bando de biguás estende as asas ao sol, para secá-las. Um deles emerge, próximo à margem de um açude, trazendo no bico um lambari que é logo engolido.

Outros bichos, antes selvagens, entraram definitivamente para a categoria de fauna urbaníssima. Bem-te-vis, rolinhas, os próprios biguás, as garças brancas, magras e elegantes como top models, os quero-queros, que adoram futebol...

Pessoas, bichos, açude, sol, asfalto, canto de pássaros, buzinas raivosas, um revoar de garças, o congestionamento do trânsito...

Como das palavras, recolho de tudo, fragmentos de ressurreição.

A vida me convida a cuidar dessa minha, nossa casa, tão comum...

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