sábado, 17 de junho de 2017

A BICILETA HONESTA



Hoje, vindo para o trabalho, fui ultrapassada por uma bicicleta na qual estava colado um adesivo com a palavra “honesta”. É comum cruzar por bicicletas com placa, como se fossem uma moto, mas no lugar das letras e números a gente lê “NO OIL”. Uau! Ótimo para os honestos, que não poluem o mundo como os motociclistas e os automobilistas, essas pessoas inconscientes. Saibam, honestos: vocês são insuportáveis.

Não que ser honesto ou ecológico seja ruim: insuportável é a vaidade, é esse carteiraço dos que acham que já perceberam tudo o que os simples mortais não entenderam ainda.

Detesto os veganos: expliquem a dor das plantas ao serem reduzidas a papa no liquidificador. Porque a questão é séria, os cientistas já descobriram que as plantas possuem uma linguagem de comunicação, só que ainda não conseguiram decifrá-la. São seres vivos, caros veganos. Que dor! Mastiguem as folhas de alface com carinho.

Odeio os que me mandam bom dia, informando que a Nossa Senhora passou pelo meu celular. Se a Compadecida precisasse de porta-voz, vocês acham realmente que seriam escolhidos para a função? Deixem disso, mandem um abraço apertado, que é mais humano e caloroso.

Não aguento os felizes de profissão. Com um monte de gente morrendo de fome, sendo assassinada, perdendo o emprego, sendo vítima de tráfico de seres humanos, abandonando a escola, como pode existir gente que só tem tempo para sorrisos numa vida feita de pixel e like?

Amo os imperfeitos, gente de carne, osso e coração. Gente que pede desculpa, gente que se arrepende do voto que deu, gente que tem coragem de recomeçar depois de um fracasso, gente que sabe aprender, gente que se esforça para perdoar. Escolho os amigos pelos defeitos que têm e que posso suportar, porque gostar das qualidades é fichinha: todo mundo tem um ponto forte. Difícil é gostar das pessoas apesar das suas mancadas.

Enquanto eu pensava nisso, a ciclista que tinha me ultrapassado ganhou velocidade. Abram alas para a bicicleta honesta! Também fiquei para trás de uma amiga que reconheci pelo cabelo e pela sandália, mas ela pedalava com mais força do que eu. Não consegui alcançá-la para dizer: oi, olha eu aqui! Fiquei para trás de outras duas ciclistas que arrancaram a mil quando abriu o sinal. Imagino que além das que estavam à minha frente, havia também gente que vinha atrás. Não virei o rosto, não ousei nenhuma manobra arriscada para não perder a concentração. Conheço os meus pontos fracos e tenho consciência disso: eu tento ser melhor, mais rápida no pedal, mais honesta, menos carnívora, mais confiante, menos melancólica, mas sei que tenho que conviver com os meus defeitos. Não vão sumir enquanto eu for gente. Então, preciso cuidar deles com carinho para que não me façam mal. E para que não machuquem muito os outros.
O autor

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