terça-feira, 16 de abril de 2019

QUEM NÃO ESTIVER EM PECADO ATIRE A PRIMEIRA PEDRA

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Os fariseus e doutores da Lei trazem até Jesus uma mulher flagrada em adultério. Diferentemente do que se diz em muitos sermões, não se trata de uma prostituta, mas de uma mulher, casada, que traiu seu marido com outro homem. O detalhe da acusação é que os homens que trazem a mulher até Jesus viram, com os próprios olhos, a mulher adulterando. Por consequência, viram também o homem com o qual a mulher estava a adulterar. E, assim como prenderam a mulher e a levaram até Jesus, poderiam também ter apreendido o adúltero e tê-lo trazido até Jesus para ser apedrejado. Mas não! Eles trazem só a mulher... E a Lei de Moisés, no capítulo 20 do Livro do Levítico, mandava que o homem fosse apedrejado junto com a mulher. Dentro da mentalidade patriarcal e machista, era o homem o sujeito principal do adultério e ele deveria ser apedrejado por primeiro. A mulher devia ser apedrejada junto com ele. Mas por que apedrejar a mulher pelo simples fato de ter sido vítima do adultério?

Jesus desmascara essa prática quando, depois de rabiscar sobre a areia num suspense sem fim para a mulher e para seus algozes, afirma calmamente: “quem não estiver em pecado, atire a primeira pedra”. Certamente passou pela cabeça dos presentes os muitos adultérios que cada um deles tinha praticado e que mereciam a morte antes mesmo da lapidação daquela mulher jogada ao chão no meio do círculo de mãos levantadas e armadas com 80 pedras. Ao assassinar aquela mulher – e Jesus com sua fala calma lhes aponta isso – eles não queriam primeiramente fazer justiça à mulher flagrada em adultério, mas apagar a memória viva de seus próprios adultérios. A vítima é perigosa porque lembra ao assassino de seu crime. É preciso eliminá-la porque sua presença fala por si mesma e é uma acusação contra os crimes daqueles que se pretendem inocentes.

Pergunto-me na noite do Quinto Domingo de Quaresma: qual a razão que levou a um grupo de militares a assassinar, com 80 tiros, um pai de família que se dirigia, junto com sua esposa, seu sogro e seu filho, para um chá de bebê na favela de Guadalupe. Foi apenas um engano, como alegado imediatamente pelas autoridades? Um tiro por engano, até poderia ser. Dois ou três, ainda vai... Mas 80 tiros por engano? E ainda debochar da esposa que pede para que ajudem o marido que está a morrer? O que fazia com que esse homem se tornasse um possível suspeito para a polícia? Simples: ele era preto e estava num carro que não condizia com seu “lugar social”.

No mesmo domingo, na mesma cidade do Rio de Janeiro, um jovem de 17 anos foi morto, a tiros, pelas costas, por policiais militares. E, se abrirmos os jornais e as páginas da internet, veremos isso a cada dia. E veremos mais: comandantes das polícias, governadores e até o Ministro da Justiça propondo a legalização e a despenalização dos assassinatos cometidos por policiais, mesmo quando os mortos são inocentes e em circunstâncias que não justificam tal violência. Tal “lei do abate” é apresentada como uma forma de defender os policiais e suas vidas. Se tal argumento tivesse base real, o Brasil não seria o país onde mais a polícia mata e onde mais policiais são mortos em serviço. Se a polícia matar os supostos bandidos fosse uma real solução, não haveria mais crimes no Brasil e nenhum policial mais seria morto. Infelizmente, no entanto, a realidade nos mostra que as coisas não são assim.

Fica então a pergunta: a quem interessa tantas vítimas da violência, seja entre a população, seja entre os policiais? Seguindo a lógica da fala de Jesus, surge poderosa a suspeita de que a eliminação das vítimas – homens pretos das favelas e policiais na sua maioria também pretos - interessa apenas aos que produzem as vítimas: a pequena parcela da sociedade – os 5% que detém renda equivalente à soma dos outros 95% - que, para manter seus privilégios e requintes, precisa produzir milhões de empobrecidos e marginalizados e, para defender-se deles, necessita a força das armas e da polícia.

É nesse contexto que a pergunta de Jesus é dirigida a cada um de nós: quem não participa ou não é conivente com essa situação de injustiça e violência da sociedade brasileira, que dê o primeiro tiro.

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