segunda-feira, 14 de maio de 2018

UMA DÚVIDA, OU MELHOR, DUAS.


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Como diz a Gislaine Marina: Ultimamente a minha obsessão tem sido a de não cair na tentação das certezas fáceis, a de não amar os lugares como se fossem meus, a de não me iludir com testes genéticos que possam prender a minha alma errante. Perdi os meus passos por uma Porto Alegre que não existe mais: que eu nunca possa achar que Roma é minha. Se isso acontecer, terei de dar lugar para novos bárbaros.

Não sei de onde venho. Rui Barbosa apagou a vergonha da escravidão, eliminando os arquivos que poderiam contar essa história. Escrivães abrasileiraram os sobrenomes estrangeiros, tropicalizaram a pobreza europeia desembarcada do outro lado do oceano. A antroponímia ficou estropiada genuinamente. Os índios não têm sobrenome. Somos todos Silva ou da Silva, às vezes as duas coisas na mesma família. As preposições não têm heráldica abaixo do equador. Ou somos dos Santos, dos Anjos, de Deus. Minha bisavó dizia que não era de ninguém, não queria nome cristão que contasse de uma posse escravocrata, sem floreios genealógicos. Herdei a sua falta de hipocrisia. Dela recebi a ausência, o silêncio e a coragem de caminhar sem balizas. A carência ensina a dar saltos, quem não prende raízes flutua, inventa, cria.

Tenho a tendência osmótica para a empatia, encontrar as mínguas de mim nos outros, deixar-me preencher por sorrisos. O que não é meu me completa. Sinto-me à vontade com perguntas, minha curiosidade infantil usa saltos altos. É assim que me equilibro e por vezes caio, esfolando os joelhos na minha finitude. Caminhar por entre as dúvidas é a minha arte.

E quanto menos sei, quanto mais incertezas me informam, mais dignifico a vida que tateio. Não tenho vocação para a resignação, mas para a esperança. Não aceito prognósticos, desconfio das probabilidades. Dou crédito a quem deveria, por bom senso, ser objeto de escárnio. Tenho amor pelos palhaços e pelos idealistas. Um palhaço faz rir quando cai, o idealista quando falha. Eu admiro os que se levantam depois do tombo e os que resistem à queda.

A esperança é o dom de quem sabe que nada dura, mas tudo pode ser feito. É o destino de quem não sabe até onde vai a estrada. É a certidão dos que não receberam herança e títulos de nobreza. É a paga dos que não têm riqueza. É uma espécie ternura para com os coices que a realidade nos reserva a cada dia. É um privilégio que resulta da soma das nossas carestias, é um vetor que aponta para o infinito, porque não prende, não rotula, não caracteriza. A esperança nos eleva para lugares nos quais ninguém mais acredita. Este lugar se chama utopia e é daí que saem as coisas mais surpreendentes do mundo: a arte, o sonho, o amor, a luta para mudar o mundo. Vou contar uma coisa: a esperança não morre porque é o oposto de qualquer ideia sensata, com os pés no chão. Não afunda, não apodrece. A esperança não se agarra e não se deixa apanhar. A esperança vaga, se esconde e reaparece de improviso, é incontrolável. Não digamos ao Brasil que estamos cheios de esperançosos entre nós. Façamos uma bela surpresa.

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