quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

DEUS ENVELHECE?

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Há perguntas instigantes e desafiadores ao pensamento. Uma delas é essa que dá título ao texto. É pretensão querer saber o que se passa no mundo do além, no mundo onde os sentidos não alcançam e nossa razão se retira em silêncio. Contudo, é possível dizer algo que faça sentido a essa pergunta desde a perspectiva da fé e da revelação bíblicas.

É senso comum dizer que Deus é autor de tudo, anterior a tudo, ao tempo e ao espaço e que, portanto, não está submetido à decadência ou a mudanças típicas de todo ente empírico, sobretudo, à velhice e morte. Quem poderá contestar essa ideia? Admitir o envelhecimento e a morte de Deus seria subverter a ideia mesma de Deus que porta em si os qualificativos de eternidade, imortalidade e imutabilidade. Mas, e se mudarmos a direção e perguntarmos: a ideia e imagem que construímos de Deus, envelhecem e morrem? Ai a pergunta fará todo sentido e não haverá heresia alguma em afirmar que sim. É o que nos atesta a evolução bíblica da ideia de Deus muito bem expressa no livro “As etapas pré-cristãs da descoberta de Deus” (Juan Luis Segundo, Vozes, 1968).

Luis Segundo esposa uma concepção evolutiva da descoberta de Deus que se dá em cinco fases e se configura em cinco imagens de Deus.

A primeira imagem é do Deus poderoso, terrível, e temível. Um Deus para ser temido, mais do que para ser amado. Um Deus que exige sacrifícios, rituais de purificação e intermediários que administrem a relação ritual com Deus, para lhe aplacar a ira ou para lhe conseguir favores. É a infância da fé no Deus único e que, apesar de ser uma imagem de Deus superada no interior da evolução bíblica, ainda continua a fazer estrago na vida de muitos homens e mulheres de fé e na religiosidade popular.

A segunda imagem de Deus bíblico é o Deus da Aliança, o Deus de um povo, no caso, os Hebreus. É a descoberta de um Deus próximo, que quer o bem do seu povo e o quer livre da escravidão que o diminui e o explora. É um Deus fiel, ciumento, que não admite outros deuses e condena a idolatria e os ritualismos vazios e mágicos. É o Deus da relação mediada pelo coletivo, pelo pertencimento a um grupo, a um povo, à comunidade que justifica uma postura de os de “dentro” e os de “fora”, nós, os “bons” e, eles, os “maus”. Uma imagem evoluída em relação à primeira, mas ainda insuficiente, pelas armadilhas típicas dos deuses nacionalistas e particularistas.

A terceira imagem é o Deus da criação. Nessa fase Deus evolui para um Deus universal, transcendente e Senhor do céu e da terra e tudo o que ela encerra. É o Deus metafísico, o Deus abstrato, o Deus “de tudo e de todos”. O Deus criador e transcendente é uma evolução da ideia de Deus e uma evolução de auto compreensão humana de que somos uma família, um irmão dos outros, pois somos filhos de um único e mesmo Deus. A sua transcendência absoluta, contudo, o torna um ser da razão, mais do que um ser do coração e da experiência do mundo da vida.

A quarta imagem de Deus avança um passo e afirma que Deus é criador de tudo, todavia, não do mal, pois ele é bom e tudo o que ele cria é bom e destinado ao bem. Ao humano cabe, também, ser bom e justo e se afastar do mal e das injustiças, dos apegos egoísticos e dos poderes desse mundo, próprio dos insensatos. É o Deus moral, como dizia Nietzsche.

E, finalmente, a quinta imagem de Deus é o Deus de Jesus Cristo. É o Deus, não mais da justiça e da moral, mas do amor e da misericórdia, como, exaustivamente, nos recorda o Papa Francisco. O Deus do amor e da misericórdia é o Deus mais adulto e evoluído em direção à verdadeira face de Deus e à verdadeira e melhor relação que podemos ter com o outro e com o Outro, que damos o nome de Deus. Amar e ser amado, na liberdade, é o que de mais alto podemos almejar de nós mesmos e o que de melhor podemos almejar e dizer de Deus.

O deus mercado, o deus da retribuição, o deus distante e afastado do mundo, o deus poderoso e milagreiro, o deus do medo e da moral é um deus envelhecido que precisa morrer para ressuscitar em nós, nesse natal, o Deus de Jesus Cristo: o Deus amor!

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