segunda-feira, 6 de julho de 2015

PESTE SOCIAL

Quem não conhece a exploração, o tratamento degradante e desumano de patrões e chefes nas relações de trabalho? Nas relações entre marido e mulher, entre pais e filhos? Quem não sabe de pessoas destruídas psicologicamente pela violência no trabalho? Muitas vezes se deprimem, chegam ao suicídio. 
Pessoas que no dia a dia, no vai vem da casa para o trabalho, do trabalho para casa, vivem tomadas por sofrimento pesaroso, provocado por açoites verbais, humilhações e desqualificações de "feitores" travestidos de coordenadores. 
Quem ainda não viu aquela secretária, aquela assessora, aos prantos nos banheiros dos lugares onde trabalham por terem sido ofendidas, agredidas verbalmente, zombadas, por "seu superior". 
Ninguém tem o direito de faltar com o respeito, humilhar, gritar com quem quer que seja no ambiente de trabalho, usando a posição de chefe ou patrão. A violência nas relações
de trabalho não é algo novo, é latente, faz parte da formação cultural da sociedade brasileira.
 Os exemplos da violência no trabalho são muitos: 
"Eu levo esse pessoal no chicote!" Ouvi isso de uma coordenadora de assessoria de imprensa de importante órgão estatal, referindo-se ao modo como ela coordenava a equipe de jornalistas sob sua responsabilidade. 
Na Câmara dos Deputados, um ex-deputado federal humilhar publicamente um assessor que queria falar-lhe algo urgente, simplesmente porque não admitiu ser interrompido na roda de conversas sobre amenidades, com seus iguais. 
O deputado enxotou o rapaz de forma tão violenta que nem a um cachorro, nos dias de hoje, se admite tal tratamento. Constrangido, o assessor, ao sair, relatou a pessoas que assistiram a cena, outros casos absurdos de violência verbal e tratamento degradante que a equipe vinha sofrendo no gabinete do parlamentar. Nenhuma das vítimas denunciou a violência sofrida, por medo de perseguição. 
Os autoritários, que costumeiramente mantém conduta abusiva contra pessoas, inventaram uma caixinha chamada "isso é do humano" onde depositam suas agressões. Uma forma, talvez, de justificar para si próprio e para o outro seu autoritarismo. E onde são depositadas as atitudes "desumanas"? 
Quem trata o outro de forma degradante não respeita diferenças, características pessoais, danos psíquicos ocorridos por toda a vida, que fizeram as pessoas como elas são. Aproveita-se, de forma perversa, das fraquezas, das vulnerabilidades das pessoas, para manipular, subjugar, submeter a seus desígnios, à alimentação de suas misérias pessoais, pusilanimidades, obsessões, carreirismos, por que não dizer, para submeter a seus "feitores interiores", tão perversos e presente na cultura brasileira. 
O trabalho, numa sociedade capitalista colonial como a brasileira, não costuma ser o resultado da convergência de talentos, habilidades e prazer de realização, mas uma necessidade de sobrevivência, que mais parece, de certo modo, uma representação do calvário de Cristo: uma cruz, o trabalhador como mártir a carregá-la, sob açoites verbais e atitudes opressoras, a crucificação, coroação, para no final ganhar o reino dos céus, no final de cada mês. Com direito a Madalenas (para enxugar o suor e as lágrimas no caminho), e torrões de açúcar (elogios manipuladores e prêmios). 
O sistema atinge níveis inimagináveis de aceleração, imposta por novas máquinas e maquinetas (computadores, celulares e afins), que transformam os usuários em verdadeiras peças complementares, processadores de conteúdos, provocando mais alienação, hiperatividade, síndromes de baixa autoestima por não conseguirem manter-se no ritmo das maquinetas, e, consequentemente, sofrimento, depressão, como atesta estudos acadêmicos sobre a cultura urbana. 
Quem não corresponde a esse estado de aceleração e alienação são estigmatizados, segregados, colocados à margem da produção e consumo, como se fossem seres exóticos. Para amenizar o sofrimento, igrejas e farmácias crescem de forma assustadora com a oferta de seus sedativos. 
Como se esse sofrimento social não bastasse, as forças empresariais, aristocráticas, investem contra direitos sociais dos trabalhadores já consolidados, como, por exemplo, entre outros, a terceirização do trabalho, a fim de obter mais lucros, mais acumulação de capital. Com isso, mais opressão, mais exploração e violência no trabalho.
 Um dos maiores problemas para conter a escalada da violência no trabalho é a falta de legislação específica, que possa tipificar o crime. Existem vários projetos de lei no Congresso Nacional nesse sentido, mas são barrados pelos lobbies empresariais, que impedem a aprovação. 
A Convenção nº 155/1981, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, prevê, no âmbito da saúde, o bem estar físico e mental, como direito, no ambiente do trabalho, mas não se consegue avançar na aprovação de leis no Congresso. 
Enquanto a legislação não vem, o governo devia promover campanhas nos meios de comunicação focando a violência no trabalho, pelo menos como problema de saúde pública e afirmação da cidadania, para amenizar o sofrimento de imensa parcela da população trabalhadora. 
A Secretaria de Direitos Humanos, da Presidência da República, em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego, editou uma cartilha voltada para a contenção da violência gerencial no serviço público, mas ainda é muito pouco. 
No mesmo sentido, poderiam ser criadas delegacias especializadas para acolher vítimas da violência patronal e gerencial, que vivem a situação de "pacto de silêncio", assim como as delegacias de proteção à mulher, de proteção à criança e ao adolescente, contra a discriminação racial e a homoafetiva, enfim, esse problema ganha proporções inimagináveis como uma das raízes da violência social generalizada e precisa ser enfrentado. 
A pressão e a violência no trabalho, evidentemente, estouram nos lares. As crianças são as vítimas mais atingidas. E assim se prolifera a peste moral na sociedade.

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