terça-feira, 14 de julho de 2015

OS SONHOS PERDIDOS SÃO OS MELHORES

Então vamos falar dos sonhos. Não dos sonhos realizados, mas dos sonhos perdidos. Sonhos perdidos. Acho essa expressão sublime. Poética, lírica, poderosa. Os sonhos que me interessam são os perdidos. Não resisto à tentação de interromper a mim mesmo e falar de um quadro inspirado num outro de Edward Hopper, o grande retratista da solidão americana. O quadro se chama Boulevard of Broken Dreams. Rua dos Sonhos Perdidos. Não troco dez Monas Lisas por aquele pequeno grande quadro.
A minha tese a respeito de sonhos é: eles não existem para ser realizados. Existem apenas para ser sonhados e, depois, perdidos. O sonho realizado morre. O sonho perdido se eterniza. Contemplem, por favor, o quadro que ilustra este texto e digam se não estou certo. Os sonhos perdidos reunidos naquela lanchonete são para sempre. Nem os meteoros destruidores do filme Armageddon seriam capazes de obliterar a Rua dos Sonhos Perdidos.
E então eu olho para mim mesmo e para meus sonhos. Meu primeiro sonho sério amoroso foi, como uma vez contei, com Constanza. Outro dia, ao mexer em velhos livros, encontrei uma dedicatória de Constanza. Era um livro francamente horrível. Um tratado de semiótica. Não o li na época e jamais o lerei. Mas vou guardá-lo até o fim de meus dias, como um pequeno troféu, pela dedicatória. “Espero que você goste. Mas, tratando-se de Fabio Hernandez, nunca se sabe”.
A dedicatória me devolveu à memória o rosto jovem de Constanza. E depois a reconstruiu, como um escultor meticuloso, como naquela noite de sábado em que a beijei pela primeira vez. O vestidinho azul. A camisa amarela por baixo dele. O ar ingenuamente sexy de bandeirante. E sobre os olhos mais verdes que as águas do Caribe eu prefiro nem falar.
Tive então o impulso de ir ao condomínio de prédios onde, lá para trás, se realizou o baile em que demos nosso primeiro beijo. Desci do carro e me sentei num banco diante do condomínio. Fiquei apenas olhando, e olhando, e olhando. Na verdade eu não estava ali. Eu estava a muitos anos de distância dali. Uma jovem se aproximou e perguntou, gentil e preocupada, se estava tudo bem. “Sim”, respondi. “Foi só um… sonho”. Ela não pareceu convencida. “Tem certeza de que está tudo bem?” Fiz que sim com a cabeça. Um dia ela também retornaria a seus sonhos perdidos.
E agora me ocorrem meus sonnhos literários. Aos 20 anos eu sonhava escrever romances. Muitos romances. Romances como os de Dostoiévski, Jorge Amado e Fitzgerald, meus preferidos naqueles dias. Todos eles tinham lançado seu primeiro romance na casa dos 20 anos. Acho que Jorge Amado até antes. Mas a vida me transformou não num romancista sério, mas num escritor barato. Vejo agora mesmo diante de meus olhos uma estante imaginária com os romances importantes que jamais escrevi.
Um dia, alguns anos atrás, falei dessa minha frustração com Tio Fabio, um homem sábio do interior. Ele não disse nada. No dia seguinte, me entregou seu exemplar desgastado de tanto ser usado de Os Maias, de Eça de Queirós. Eu ainda não o tinha lido. Ao lê-lo entendi por que Tio Fabio me dera o romance. O final fala exatamente dos sonhos perdidos. Dois amigos conversam pelas ruas de Lisboa sobre seus sonhos destruídos. Um deles, Ega, como eu, nunca escreveu o romance que toda Lisboa tanto esperara. Entendi enfim terminada a leitura, que sem sonhos perdidos não haveria a grande arte de Os Maias, ou de Hopper, ou de tantos outros gênios. Não haveria aquela formidável tocha que se alimenta da dor para produzir romances, poemas, canções, quadro, filmes que iluminam e aquecem a humanidade. E então eu soube que a maior miséria de todas é não ter uma coleção de lindos sonhos perdidos.














Publicado anteriormente no DCM

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