sexta-feira, 4 de setembro de 2020

O ESTADO: NEM PEQUENO NEM GRANDE.

200 perguntas sobre a doença e o impacto na sua vida - Infográficos -  Estadão

A pandemia, com seu enorme custo social e de vidas, poderá produzir algumas consequências positivas — se a sociedade brasileira for capaz de se apropriar dos novos impulsos que ela gerou.

As fake news entraram em refluxo. Não que elas tenham deixado de ser disseminadas, mas perderam terreno. À falta de “comunistas”, feministas, e políticos brasileiros para culpar, os propagadores de fake news divulgaram teorias conspiratórias, como a que diz que o vírus foi produzido na China, (utilizando uma declaração de um prêmio Nobel japonês, desmentida pelo próprio, e desconhecendo as conclusões da CIA e da Organização Mundial da Saúde a respeito da origem do vírus). Rapidamente descobriram que os brasileiros não estavam preocupados com conflitos geopolíticos importados, e sim em saber como o vírus afetava suas vidas. Voltaram então a demonizar velhos conhecidos — incluindo agora na lista Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta — mas perderam parte do impulso, que certamente ressurgirá com o fim da pandemia. Esperemos que tenha aumentado a imunidade da população em relação as notícias falsas.

O jornalismo profissional ressurgiu com força. Um fenômeno aparentemente paradoxal é que pessoas que criticam os meios de comunicação tradicional, quando devem conferir notícias que afetam suas vidas, checam a veracidade na imprensa na qual “não acreditam”. Em tempos de pandemia, a imprensa passou a ser incontornável. Se há algo a lamentar, é que o silêncio do Presidente e de seu atual Ministro da Saúde sobre o andar da pandemia, em particular depois que o governo deixou de transmitir números totais de contágios e mortes (da qual teve que voltar atrás por decisão do STF), levou os jornalistas a enfatizar o que o governo quis esconder, a expansão da doença, com pouca informação e análises diárias mais meticulosas das tendência da em cidades e microrregiões. Quando o governo falha em informar, o jornalismo cumpre o importante papel de alertar a população para os riscos que está correndo. Mas isso não exime a imprensa do esforço de uma cobertura mais detalhada.

O ataque às instituições acadêmicas e cientificas recuou. No início do atual governo, tivemos que conviver com uma investida sistemática contra o mundo acadêmico, falsamente apresentado como constituído por “parasitas” cujo único objetivo seria difundir ideias perigosas para a moral pública. Graças à pandemia a maioria da população descobriu que o Brasil possui centros de excelência cientifica nas mais diversas áreas, dos quais nós devemos orgulhar, e que as respostas devem ser procuradas na ciência, personificada em profissionais da medicina e em remédios e eventual vacina que venha a ser produzida. Esperemos que os centro universitários e de pesquisa recuperem suas verbas, e passem a ser apoiados e não perseguidos.

O mesmo vale para alguns líderes religiosos que continuaram divulgando explicações sobrenaturais sobre o surgimento da pandemia e prometendo curas milagrosas para o novo coronavírus. Essa é uma postura que ainda vê a ciência e a religião como incompatíveis, e considera Deus uma entidade paternal autoritária que castiga o povo, a partir de uma leitura primária da Bíblia. (Afinal, se a pandemia responde a um designo divino e ela resultar num fator central para a derrota eventual de Donald Trump, será que Deus enviou o coronavírus com este objetivo?) O terraplanismo continuará, mas a valorização do conhecimento científico foi revitalizado.

A ignorância do conhecimento científico tem um preço político. A negação de dados e informações “inconvenientes”, o desrespeito por aqueles que possuem um conhecimento consolidado nas suas áreas (seja de relações internacionais, da educação ou da saúde), a divulgação sistemática de mentiras, são expedientes que podem ser eficazes para abocanhar apoio eleitoral e chegar ao poder. Com o tempo, porém, a sociedade termina descobrindo seus efeitos nocivos — infelizmente, muitas vezes depois de sofrer danos enormes.

Vemos, finalmente, que o Estado não deve ser nem pequeno nem grande: deve responder de forma eficiente às necessidades da população. O debate sobre um “Estado mínimo” vs. um “Estado grande” se mostrou, como não poderia deixar de ser, uma falácia. Não existe uma sociedade moderna viável sem um estado capaz de assegurar o bem-estar básico da população, promover o progresso da ciência e da tecnologia, coordenar e regular as mais diversas atividades e suavizar o impacto econômico e social das flutuações do ciclo e das transformações econômicas. Situações de crise realçam estas funções, que estão sempre presentes. Há políticas neoliberais, não um Estado neoliberal, que seria tão distópico quanto uma sociedade sem mercado.

No lugar de atacar o Estado, o que se trata é de melhorá-lo.

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