sexta-feira, 5 de outubro de 2018

BATE CORAÇÃO, BATE, BATE...


Resultado de imagem para bate coração


O poeta Arnaldo Antunes compôs uma canção de ritmo opressivo, conteúdo incômodo e instigante chamada "O pulso". A letra é um passeio pelo cadastro CID (Classificação Internacional de Doenças).

Depois de listar uma coleção de moléstias que assolam a espécie humana o refrão repete em tom de constatação e surpresa: "o pulso ainda pulsa, o pulso ainda pulsa...".
Louvado seja o poeta, capaz de "nos dizer" com sua arte. Por ela, minha frágil esperança política encontra brechas e meios de sair do coma profundo em que se encontrava desde a foto do Lula abraçando o Maluf e a indicação de Aécio Neves como candidato do PSDB à presidência da república.
Sou de uma geração marcada por mudanças radicais no cenário político. Eu tinha v9inte e dois anos quando aconteceu o golpe de 64, ou seja, entrei na adolescência e vivi minha juventude sob a bota do regime militar. no início dos anos 1970, convivi com a ala mais ativa do movimento estudantil naqueles tempos de chumbo. Com eles senti, pela primeira vez, o cheiro do gás lacrimogêneo, durante um protesto contra o fechamento da creche estudantil. "Memória de um tempo em que lutar por seu direito é um defeito que mata, cantou o Gonzaguinha em "Legião dos Esquecidos".
Sobrevivemos e, em 1984 lá estava eu, na praça, participando do primeiro grande movimento cívico/popular da minha geração, depois de anos de censura e repressão; o Movimento pelas Diretas Já. Um espetáculo inesquecível. Eu, nas primeiras filas, com meu garoto de quatro anos nos ombros, emocionado, ao lado de milhares de pessoas que assistiam e aplaudiam os discursos vindos do palanque onde se realizava o comício.
Nossa reivindicação, meu sonho? Votar para presidente da república. Os meus jovens amigos, hoje, devem achar meio ridículo. É que eles votam aos 16 anos. Eu, naquela época, já tinha 47 e não sabia o que era isso.
Perdemos as Diretas Já, mas ganhamos um novo rumo na História.
Resumo dos próximos capítulos: Collor, Impeachment, Itamar, FHC I, FHC II, Lula...
Lula lá; a esperança venceu o medo e, com ele, a minha geração chegava ao poder.
Vieram, então, Lula I, Lula II, o mensalão, Dilma... a decepção...
Não sou um alienado ou um analfabeto político. Sei do jogo que se trava por trás da cena. Sei dos interesses, dos rabos presos da mídia que só conta a parte da história que interessa aos que tem saudades do poder. Sei dos avanços econômicos e sociais que os governos Lula e Dilma promoveram, principalmente para uma massa popular que sempre foi usada, manipulada e depois, esquecida. Sei que é muito difícil para a classe média, da qual sou parte, entender o alcance de um Fome Zero, de um Bolsa Família, ou da diferença de 20 centavos no preço da passagem de ônibus. Nós não sabemos o que é fome. Nós não sabemos o que é enfrentar um busão vermelho, lotado.
Sei de tudo isso, mas as contradições éticas, os escândalos de corrupção, os mensalões e mensalinhos, a foto com o Maluf, as contradições sem explicação, a frustração de tantos sonhos levaram-me ao desencanto. Minha cidadania entrou em coma profundo...
Mesmo considerando os já citados avanços econômicos e sociais do governo do PT, considero que o custo ético passou da conta. Descrente da forma como a política é exercitada no nosso país, decidi não votar mais para presidente, convencido que estou de que nesse nosso sistema de "parlamentarismo chantagista", onde o presidente (ou presidenta) é apenas o gestor de conchavos, favores e tramoias partidárias, quem manda, mesmo, são os deputados do baixo clero e os caciques dos partidos que, apropriadamente são assim chamados porque repartem entre si o butim, os despojos da chamada "coisa pública".
E para agravar o quadro, a opção oferecida pela oposição é Aécio Neves, um Fernando Collor das Gerais...
Mas, eis que ouço, às margens nem tão plácidas, de um povo puto-da-vida um brado preocupante: "3,20 NÃO!!!".
O brado assusta o poder e as elites se perguntam: mas por causa de 20 centavos?
Socorre-me Chico Buarque: "e qualquer desatenção, faça não, pode ser a gota d'água...
Respiro e penso: mesmo com tantos males e moléstias cívicas e éticas a nos assolar, com o país sob intervenção da Fifa, nesse verdadeiro estado de sítio apelidado de Copa das Confederações, as manifestações que vem se alastrando pelo Brasil e pelo mundo sussurram aos meus cansados e desanimados ouvidos: o pulso ainda pulsa...
Nos jovens que ocupam as ruas e corações da minha cidade e da minha gente, classe média misturada à periferia, nerds e punks, pichadores e grafiteiros, braços dados, ou não, o pulso ainda pulsa...
Ainda há muito joio no meio do trigo. Aliás, há mais joio que trigo. Mas, eis a novidade; depois de anos de marasmo, há promessa de trigo, de colheita, ainda que tardia.
Busco alento na poesia encarnada de outro profeta/poeta dos meus tempos, do nosso tempo:

"Houve um tempo em que nossa geração imaginou que as mudanças que queríamos, e pelas quais lutávamos, aconteceriam ainda dentro do nosso tempo histórico. Hoje vejo que não. Hoje sei que dificilmente farei parte do tempo da colheita, mas não abro mão de morrer semente..." (Frei Betto)

Ainda falta muito, mas nos jovens que se manifestam nas ruas e praças, rebeldes, visionários, o pulso dos sonhos de outras e tantas gerações, ainda pulsa...

Nenhum comentário:

Postar um comentário