sábado, 27 de julho de 2019

DE REPENTE


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O movimento popular que tomou as ruas do Brasil nos últimos dias foi uma surpresa para todo mundo. Nenhum especialista, comentarista ou analista político sequer chegou perto de prever qualquer coisa em relação ao rastilho de pólvora que, de repente, não mais que de repente, levou à explosão de uma revolta popular, até então restrita a conversas de boteco, comentários e curtições nas redes sociais.
Tal mobilização, além da surpresa, trouxe muitas novidades. Algumas bem-vindas, saudáveis e necessárias, outras preocupantes. No quesito "bem-vindas", coloco a participação popular ampla, geral, irrestrita e espontânea. O povo, nas ruas, se recusou à manipulação de quem quer que fosse. Àqueles que cobravam do movimento um foco, uma bandeira, uma organização, as ruas responderam, dizendo:


"A bandeira somos nós! O foco é questionar o desprezo geral das chamadas "autoridades" em relação àqueles que as elegem e sustentam: o povo, o cidadão, o contribuinte. Pagamos uma das mais altas cargas de impostos do mundo e recebemos, em troca, serviços públicos que traduzem um total desrespeito pela população!".

Dito isto, outras novidades surgiram: jovens, até então recolhidos ao mundo virtual das redes sociais, de repente, não mais que de repente, "saíram do Facebook", como diziam alguns cartazes e palavras de ordem nas passeatas e foram às ruas depois de mais de vinte anos. A última vez tinha sido em 1992, quando os cara-pintadas ajudaram a defenestrar Fernando Collor da presidência. Desde então, a não ser por alguns grupos restritos, espasmódicos; professores, funcionários públicos, categorias em greve; as ruas eram apenas espaço reservado a congestionamentos.


De repente, não mais que de repente, uma multidão animada, bem-humorada, crítica e contundente ocupou as ruas sob um slogan geral, curto grosso e irrestrito: BASTA!
Mas, junto, veio também o susto e a preocupação com os atos de vandalismo, a violência, os saques, a baderna explícita e sem controle, amplamente divulgados pela mídia, o que faz pensar o meu livre pensar.

Governos, autoridades dos três poderes, quando querem "se dizer" aos cidadãos contribuintes, têm à disposição o talento subserviente da publicidade, dos comerciais pagos por nós, onde tudo é um mar de rosas; ruas de trânsito lépido e fagueiro, postos de saúde com médicos e atendentes solícitos e sorridentes, equipamentos de última geração à disposição de saudáveis pacientes, escolas solares, com alunos e professores felizes da vida...
Em crônica recente, aqui publicada antes das manifestações, eu dizia: "quero me mudar para os comerciais do governo!" Lá, todos vivem felizes para sempre. As ruas vieram dizer que a vida não é um conto de fadas. A vida é FODA! Para uns, mais que para outros...
Famílias e jovens de classe média, que tiveram acesso a uma boa escola (particular), que se valem dos Planos de Saúde quando precisam (que, mesmo sendo um caos, não chegam perto do inferno do SUS), que vão e vêm de carro do trabalho, da escola, que têm acesso a lazer, ou seja, pessoas que têm uma vida, digamos, civilizada, são capazes de "se dizer" de forma civilizada.
Mas... quem é, no dia a dia, brutalizado, agredido, desrespeitado, "se diz" com brutalidade, agressão e desrespeito. Devolve o que sempre recebeu. Quem é tratado como gado no transporte público, como resto, nas escolas sem estrutura, como lixo nos postos de saúde, "diz de sua revolta" detonando e vandalizando os símbolos daquilo que lhes foi negado desde sempre: concessionárias de automóveis, bancos, lanchonetes de luxo.
Não defendo nem justifico a violência e o vandalismo. Ao contrário, lamento profundamente, até porque esse tipo de ação só serve para desviar o foco das verdadeiras, legítimas e pacíficas intenções do Movimento. Lamento, mas compreendo.
Além do mais, em meio a tudo isso, não podemos esquecer que há, também embutido, o oportunismo de bandidos comuns que se aproveitam de um cenário de caos, no qual a polícia parece mais perdida que todos os atores da cena, para fazer o que sempre fizeram: "bandidar".
E nossa polícia, mal paga e mal treinada para lidar com o crime organizado, onde bandido é bandido e cidadão é cidadão, se vê incapaz de enfrentar o crime "desorganizado", a baderna onde tudo e todos se confundem em meio à neblina das bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e sprays de pimenta...
Resumo da ópera: o presidente Jair e seus pares, quando querem se dizer, podem convocar uma rede nacional de emissoras de Rádio e TV, em horário nobre, para difundir suas justificativas, promessas e ideias. O povo tem as ruas. Essa é a grande novidade. O povo redescobriu as ruas. "Ou para a corrupção ou paramos o Brasil!", dizem os novos cara-pintadas.
O desafio é não deixar a onda se diluir e se perder na praia. O horizonte é logo ali, em 2022. Tem Eleição. Tem um País a reconstruir. De repente, não mais que de repente...

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