”O que nos aguarda não é o florescimento do outono, nos aguarda uma noite polar, gélida, sombria e árdua (Le Savant et le Politique, Paris 1990, p. 194). Ele cunhou a expressão forte que atinge o coração do capitalismo: ele esta encerrado numa”jaula de ferro que ele mesmo não consegue romper e, por isso, nos pode levar a uma grande catástrofe (cf.a pertinente análise de M.Löwy, La jaula de hierro:
O outro testemunho nos vem de um dos maiores historiadores do século XX, Eric Hobsbawn (1917-2012) em seu conhecido livro-síntese “A Era dos Extremos”(1994). Concluindo suas reflexões pondera:
“O futuro não pode ser a continuação do passado...Nosso mundo corre o risco de explosão e implosão...Não sabemos para onde estamos indo. Contudo uma coisa é clara. Se a humanidade quer ter um futuro que vale a pena, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio sobre esta base, vamos fracassar. E o preço do fracasso ou seja, a alternativa para a mudança da sociedade é a escuridão”(p.562). Não estamos operando nenhuma mudança paradigmática da sociedade. Para onde vamos?
Convenhamos: tais juízos de pessoas altamente responsáveis devem ser ouvidas. Com acerto asseverou Papa Francisco em sua encíclica dirigida a toda a humanidade e não só aos cristãos, Sobre o cuidado da Casa Comum (2015):”As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia. Às próximas gerações, poderemos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo...nosso estilo de vida atual, por ser insustentável, pode desembocar em catástrofes”(n.161). Na encíclica Fratelli tutti (2020) radicaliza sua advertência ao afirmar: ”estamos todos no mesmo barco; ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”(n.34). E não há um barco paralelo para o qual pular e nos salvar.
Neste contexto sinistro foram elaborados, entre outros menores, três documentos que procuram, no meio da obscuridade, nos infundir uma luz de esperança: a Carta da Terra (2000), as encíclicas do Papa Francisco Sobre o cuidado da Casa Comum (2015) e a outra Fratelli tutti (2020).
A Carta da Terra, fruto de uma ampla consulta mundial, sobre valores e princípios, capazes de nos garantir a vida no futuro, afirma com esperança:” Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos podemos forjar soluções includentes (Preâmbulo d).E aponta caminhos e meios de salvamento. A encíclica Sobre o cuidado da Casa Comum o Papa nos lembra que somos Terra (n.2), com o imperativo ético de ouvir simultaneamente o grito da Terra e o grito do pobre (n.49); nossa obrigação é comprometermo-nos na preservação e na regeneração do planeta, pois “tudo está relacionado e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos como irmãos e irmãs numa peregrinação maravilhosa que nos une também com terna afeição ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à Mãe Terra”(n,92). Nossa missão é guardar e cuidar desta herança sagrada, hoje ameaçada.
Na encíclica Fratelli tutti confronta dois paradigmas, o do dominus (dono) com o do frater (irmão/irmã). Pelo dominus, o ser humano, se entende fora e acima da natureza, como senhor e dono dela; usando o poder da tecno-ciência tornou mais confortável a vida, mas ao mesmo tempo, levou à atual crise devastadora dos ecossistemas e ao princípio de autodestruição com armas, capazes de liquidar a vida na Terra. A este paradigma o Papa apresenta na encíclica Fratelli tutti, o da fraternidade universal: com todos os seres da natureza, criados pela Mãe Terra e entre nós seres humanos, irmãos e irmãs junto com os da natureza e no meio dela, cuidando-a e garantido sua regeneração e perpetuidade em benefício das presentes e futuras gerações. Essa fraternidade universal se constrói de forma sustentável a partir do território (bio- regionalismo), portanto, debaixo para cima, garantindo algo novo e alternativo ao sistema dominante que, a partir de cima, impõe uma dupla injustiça, contra a natureza devastando-a e contra os seres humanos, relegando-os em sua grande maioria na pobreza e na miséria.
Isso garante um lugar para a esperança? É o que cremos e esperamos. Mas o fato doloroso é que, como dizia Hegel (1770-1831), aprendemos da história que não aprendemos nada da história, mas aprendemos tudo do sofrimento. Prefiro a sabedoria do africano Santo Agostinho (354-430): a vida nos dá duas lições: uma severa, do sofrimento e outra agraciada, do amor que nos leva fazer atos criativos e inusitados. Provavelmente iremos aprender do sofrimento que virá, mas muito mais do amor que “move o céu e todas as estrelas”(Dante Alignieri) e nossos corações. A esperança não nos defraudará, nos rometeu São Paulo (Rom 5,5).