segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

A ESPERANÇA NOS LANÇOU

 



O que nos aguarda não é o florescimento do outono, nos aguarda uma noite polar, gélida, sombria e árdua (Le Savant et le Politique, Paris 1990, p. 194). Ele cunhou a expressão forte que atinge o coração do capitalismo: ele esta encerrado numa”jaula de ferro que ele mesmo não consegue romper e, por isso, nos pode levar a uma grande catástrofe (cf.a pertinente análise de M.Löwy, La jaula de hierro: 

O outro testemunho nos vem de um dos maiores historiadores do século XX, Eric Hobsbawn (1917-2012) em seu conhecido livro-síntese “A Era dos Extremos”(1994). Concluindo suas reflexões pondera:

O futuro não pode ser a continuação do passado...Nosso mundo corre o risco de explosão e implosão...Não sabemos para onde estamos indo. Contudo uma coisa é clara. Se a humanidade quer ter um futuro que vale a pena, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio sobre esta base, vamos fracassar. E o preço do fracasso ou seja, a alternativa para a mudança da sociedade é a escuridão”(p.562). Não estamos operando nenhuma mudança paradigmática da sociedade. Para onde vamos?

Convenhamos: tais juízos de pessoas altamente responsáveis devem ser ouvidas. Com acerto asseverou Papa Francisco em sua encíclica dirigida a toda a humanidade e não só aos cristãos, Sobre o cuidado  da Casa Comum (2015):”As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia. Às próximas gerações, poderemos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo...nosso estilo de vida atual, por ser insustentável, pode desembocar em catástrofes”(n.161). Na encíclica Fratelli tutti (2020) radicaliza sua advertência ao afirmar: ”estamos todos no mesmo barco; ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”(n.34). E não há um barco paralelo para o qual pular e nos salvar.

Neste contexto sinistro foram elaborados, entre outros menores, três documentos que procuram, no meio da obscuridade, nos infundir uma luz de esperança: a Carta da Terra (2000), as encíclicas do Papa Francisco Sobre o cuidado da Casa Comum (2015) e a outra Fratelli tutti  (2020).

Carta da Terra, fruto de uma ampla consulta mundial, sobre valores e princípios, capazes de nos garantir a vida no futuro, afirma com esperança:” Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos podemos forjar soluções includentes (Preâmbulo d).E aponta caminhos e meios de salvamento. A encíclica Sobre o cuidado da Casa Comum o Papa nos lembra que somos Terra (n.2), com o imperativo ético de ouvir simultaneamente o grito da Terra e o grito do pobre (n.49); nossa obrigação é  comprometermo-nos na preservação e na regeneração do planeta, pois “tudo está relacionado e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos como irmãos e irmãs numa peregrinação maravilhosa que nos une também com terna afeição ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à Mãe Terra”(n,92). Nossa missão é guardar e cuidar desta herança sagrada, hoje ameaçada.

Na encíclica Fratelli tutti confronta dois paradigmas, o do dominus (dono) com o do frater (irmão/irmã). Pelo dominus, o ser humano, se entende fora e acima da natureza, como senhor e dono dela; usando o poder da tecno-ciência tornou mais confortável a vida, mas ao mesmo tempo, levou à atual crise devastadora dos ecossistemas e ao princípio de autodestruição com armas, capazes de liquidar a vida na Terra. A este paradigma o Papa apresenta na encíclica Fratelli tutti,  o da fraternidade universal: com todos os seres da natureza, criados pela Mãe Terra e entre nós seres humanos, irmãos e irmãs junto com  os da natureza e no meio dela, cuidando-a e garantido sua regeneração e perpetuidade em benefício das presentes e futuras gerações. Essa fraternidade universal se constrói de forma sustentável a partir do território (bio- regionalismo), portanto, debaixo para cima, garantindo algo novo e alternativo ao sistema dominante que, a partir de cima, impõe uma dupla injustiça, contra a natureza devastando-a e contra os seres humanos, relegando-os em sua grande maioria na pobreza e na miséria.

Isso garante um lugar para a esperança? É o que cremos e esperamos. Mas o fato doloroso é que, como dizia Hegel (1770-1831), aprendemos da história que não aprendemos nada da história, mas aprendemos tudo do sofrimento. Prefiro a sabedoria do africano Santo Agostinho (354-430): a vida nos dá duas lições: uma severa, do sofrimento e outra agraciada, do amor que nos leva fazer atos criativos e inusitados. Provavelmente iremos aprender do sofrimento que virá, mas muito mais do amor que “move o céu e todas as estrelas”(Dante Alignieri) e nossos corações. A esperança não nos defraudará, nos rometeu São Paulo (Rom 5,5).

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

LEMOS POUCO, QUASE NADA,

 


Ler, ver, crer, ser, ter. Verbos monossilábicos da segunda conjugação. Termos estranhos, pois análise sintática e classificação gramatical devem ser temas apenas constantes em manuais antigos e provas de concursos públicos. O aprendizado moderno supõe amplitude, generalidade, contemporaneidade, interdisciplinaridade. Mas parece que querem nadar na superfície de um campo do conhecimento que é bem profundo. Todos boiam, fazendo um trocadilho. O saber consolidado fica longe de tais estratégias.

Lemos pouco. E não é literatura de formação social e política. Não lemos nem livros de autoajuda e religiosos. Ruy Castro fez crônica boa com os números que revelaram a tragédia brasileira, mostrando que menos da metade de nossa população leu algum livro no ano passado e apenas 27% dos brasileiros havia lido um livro inteiro em 2024, ou nos meses que antecederam a pesquisa. É alarmante, não se podendo apenas imputar a baixa leitura à troca pelos dispositivos eletrônicos, pois parte das telas que pipocam pode conter algum livro. Páginas viradas, páginas passadas a limpo, nada disso vivenciamos em profusão. Não lemos, nada somos. Doemos pelo que não sabemos. Mas as fake news de Nikolas Ferreira e comparsas são vistas e aceitas por milhares de pessoas ou de robôs, pode-se escolher. Sem, ao menos, procurar algum contraponto ou explicação para corroborar o que é divulgado. O ruim não é somente o que falta, mas pelo que foi substituído. Da lista inicial de verbos assim classificados, o suposto empreendedorismo individual do capitalismo passivo (aquele que preconiza que mais-valia é bem de produção, já que ninguém leu para saber) reforça o ter ante o ser. O púlpito leva ao crer antes de ver a realidade. Assim, o ler passa a ser inexistente. Em breve, será um verbo defectivo, conjugado apenas no pretérito.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

SOU O 'É" QUE SEMPRE "É".

 







A vida é inteira mas incompleta. É inteira porque dentro dela estão juntos o  real e o potencial. Mas é incompleta porque o potencial ainda não se fez real. Como o potencial  não conhece limites a vida sente um vazio que nunca consegue preenchê-lo totalmente. Por isso nunca se faz completa para sempre. Permanece na ante sala de sua própria realização.

É neste contexto que surge o tempo. O tempo é a tardança do potencial que quer irromper a partir de de dentro e deixar de ser potencial para ser real. Essa tardança poderíamos chamar de tempo. Seria a nossa abertura esperançosa, capaz de acolher o que poderá vir. O potencial realizado nos permite passar  de incompletos para inteiros sem, contudo, fazer-nos plenamente inteiros. O vazio continua. É a nossa condição de finitos habitados por um Infinito. Quem o preencherá?

Não pode ser o  passado porque já não existe e  passou. Não pode ser o futuro  porque ainda não existe, pois  ainda não veio. Só resta o presente.Mas o presente não pode ser apreendido, aprisionado e apropriado. No que tentamos prendê-lo ele já virou passado.

Mas ele pode ser vivido. Quando é intenso nem percebemos que passou. Parece que o tempo não existiu. É o tempo denso e intenso de dois ardentemente apaixonados. É o tempo chamado kairós, diferente do  kronos, sempre igual como o tempo do relógio.

É possível fazer uma representação do presente? Sim, é com a eternidade, porque somente ela é um é. Cada presente tem algo do eterno, porque só ele é. Um dia foi e um dia será. Mas somente ele é  um é. Por isso o “é” do tempo representa a presença possível da eternidade. A nós cabe vivê-lo na maior intensidade possível, pois logo se esvai para o passado.

De todos os modos constatamos que estamos imersos na eternidade do é. Não se trata de uma quantidade congelada do tempo. É uma qualidade nova, que nunca para, sempre vem e passa: provem do futuro e logo passa por nós em direção do  passado. É a pura presença inagarrável do é.

Para nós que estamos no tempo, cabe viver esse “é” como se fosse o primeiro e o último. Desta forma nós participamos, fugazmente da eternidade do é. E nos eternizando, participamos  Daquele que sempre é  sem passado nem futuro.

Esse é  vem sob mil nomes: Tao, Shiva, Alá, Olorum, Javé. Este, Javé, se revelou como “sou Aquele que sou”, melhor dito: “Sou o é que sempre é”.

Quem sabe se um dos sentidos, entre outros, de nosso existir no tempo não  seja participar desse é? E no dizer do místico São João da Cruz, por um momento, “ser Deus, por participação”. E aqui vale o nobre silêncio porque já não cabem mais palavras.