domingo, 23 de março de 2025

TERRA FERIDA.

 


   Uma  das preocupações centrais hoje na geopolítica é como enfrentar o aquecimento global. Tudo indica que entramos numa nova era geológica a era da mudança climática generalizada, causada pelo aquecimento crescente do planeta. Cientistas da área confessam que não temos condições de fazer retroceder este processo. Cabe-nos advertir a chegada dos eventos extremos e minorar seus efeitos danosos.

         No esforço de evitar que o aquecimento ultrapasse 1,5ºC o que já ocorreu, organiza-se um esforço gigantesco de descarbonização do processo produtivo. Ocorre que este esforço não produziu até hoje, não obstante as inúmeras sessões de COP, nenhum resultado significativo. E não vai produzi-lo nunca enquanto não se coloca a verdadeira questão:

Qual é o tipo de relação que as sociedades mundiais (salvaguardados os povos originários que surfam sobre outra onda) estabelecem para com a natureza? É uma relação de sinergia, de cuidado e respeito ou de simples e pura exploração? É esta que domina já há séculos. Aqui reside o verdadeiro problema.

As feridas no corpo da Mãe Terra provocadas pela voracidade produtivista são tratadas com band-aids e esparatrapos. Não se busca a cura da ferida mas apenas seu escamoteamento pela aplicação de band-aids ou medidas meramente paliativas.

         O sistema atual capitalista se fundana relação de exploração do bens e serviços da Terra, no pressuposto inconsciente, de que eles são ilimitados e que por isso podem levar avante um projeto de crescimento ilimitado.  Este se mede pelo nível de riqueza de uma nação, concretizada pelo Produto Interno Bruto(PIB). Ai do país que não apresentar um superavit e um PIB sustentado. Corre o riso de recessão com os efeitos nefastos conhecidos.

         Caso o sistema mudasse a relação para com a natureza no sentido de respeitar seus ritmos, sua capacidade de regeneração e co-evolução no processo geral cosmogênico deveriam mudar os comportamentos, as técnicas, renunciar os níveis de acumulação. E não o fazem. Os mantras do sistema imperante nunca mudaram: acumulação ilimitada, individualista, com forte competição e  exploração ao máximo das riquezas naturais.

         Ocorre que estas riquezas naturais não só são limitadas, mas sua capacidade de suporte (a Sobrecarga da Terra)foi superada, pois já agora o consumo da espécie especialmente o consumismo suntuoso das classes endinheiradas está exigindo mais de uma Terra e meia (1,7).E só temos esta Terra.

         Enquanto não se mudar de paradigma na relação para com a natureza, enquanto não se passar da exploração para a sinergia e cooperação e a busca da justa medida, em vão serão todos os encontros mundiais visando impor limites ao aquecimento global com tudo o ele inclui (falta de água potável, desertificação, migração de populações inteiras, devastação da biodiversidade, conflitos e guerras e outras ameaças à vida).

         A pandemia do Coronavírus foi a oportunidade de repensarmos uma nova relação para com a natureza. Poucos se perguntaram de onde veio o vírus? Veio do desmatamento e destruição do habitat deste de outros vírus. Passada crise, voltamos ao mundo anterior com mais voracidade ainda, sem ter aprendido nada do sinal que a Mãe Terra nos enviou. O mesmo está ocorrendo agora com as grandes enchentes, as queimadas, os tornados, as secas. Todos são sinais que a Terra viva nos envia e que nos cabe decifrar. E não fazemos o devido esforço de decifração que nos exigiria mudanças substanciais. Por isso os eventos extremos continuam e aumentarão pondo em risco milhares de vidas e no limite a nossa própria existência sobre esta planeta.

         Por isso rejeitamos falsas soluções dos band-aids e esparatrapos sobre o corpo da Mãe Terra, aplicados especialmente apor queles que não largam o osso como as grandes corporações de energia fóssil e do carvão,  presentes em todas as COPs e fazendo ingente pressão para que nada se mude realmente.

Eles carregam um aguilhão nos pés do qual não conseguem mais se libertar. Por isso são condenados a continuar com sua lógica de acumulação, pondo em risco o futuro da vida.                       

Mas, nas grandes dizimações do passado a vida sempre sobreviveu.  E esperamos que ainda continue sobre a Terra.

sexta-feira, 14 de março de 2025

GENTILEZA GERA GENTILEZA



 Vivemos tempos de violência e de brutalidade generalizadas nas 

relações pessoais, sociais e internacionais, potencializadas pelas 

novas formas de comunicação digital. Parece que a desumanidade se 

naturalizou se tomarmos como referência os crimes contra a 

humanidade e o verdadeiro genocídio, a céu aberto, como estão 

ocorrendo na Faixa de Gaza no conflito entre o Hamas e o governo de Israel. 

Já quase não aparecem mais nos jornais e nas várias mídias. Não é novidade: a vida pouco conta (Live no matter).

 As atitudes o presidente Donald Trump dos USA  inaugura tempos de brutalização e de arrogância, difundidos por todo o mundo.  Já se disse com razão: ele se comporta como um escoteiro às avessas. O escoteiro se propunha fazer uma boa ação cada dia. Trump faz cada dia uma nova má ação contra o mundo. Não apenas coloca a América “em primeiro lugar” mas a “só a América é que conta”. Parece que o mundo deve se submeter a seus devaneios de poder ilimitado, inclusive de matar todo mundo.

É neste contexto desolador que me vem à mente o Profeta Gentileza. Por ocasião do incêndio do Circo Norte-americano em Niterói no dia 17 de novembro de 1961, no qual 500 pessoas foram vitimadas, ele teve como que uma experiência espiritual. Pedro da Trino, esse era seu nome, deveria deixar seu trabalho de caminhoneiro e toda a sua família e dirigir-se ao local do sinistro para consolar as pessoas. Aplainou o lugar transformando-o num jardim florido. Por quatro anos consolou a todos que iam ao local chorar de seus mortos dizendo-lhes: “o corpo está morto mas o espírito deles está em Deus”.

Decorridos  quatro anos, passou a vestir-se com uma bata branca cheia de apliques, com um bastão, um longo estandarte com suas mensagens, encimado por flores para lembrar o jardim do Eden. Percorreu o pais, o nordeste e o norte, pregando suma mensagem: ”Gentileza gera Gentileza”. Por fim fixou-se no Rio percorrendo a cidade com seu evangelho da gentileza, como um Dom Quixote bizarro mas que conquistou a simpatia de muitos, cantado por músicos e artistas, até morrer em 1996 em Mirandópolis, São Paulo. Foram 35 anos de coerente missão profética. Esta figura nos sugere algumas reflexões.

     Como todo profeta, Gentileza denuncia e anuncia. Denuncia este mundo, regido “pelo capeta capital que vende tudo e destrói tudo”. Vê no circo destruido uma metáfora do circo-mundo que também será destruído. Mas anuncia a “gentileza que é o remédio para todos os males”. Deus é “Gentileza porque é Beleza, Perfeição, Bondade, Riqueza, a Natureza, nosso Pai Criador”.

Um refrão sempre volta, especialmente nas 56 pilastras com inscrições na entrada da rodoviária Novo Rio no Caju: “Gentileza gera gentileza, amor”. Na Eco 92 a cúpula dos povos para tratar de desenvolvimento e ecologia, gritava aos chefes de Estado: “Gentileza gera Gentileza”. Convidava a todos a serem gentis e agradecidos. Na verdade, anuncia um antídoto à brutalidade de nosso sistema de relações. É precursor, sob a linguagem popular e religiosa, de um novo paradigma civilizatório urgente em toda a humanidade, baseado não na cobiça do enriquecimento mas no espírito de gentileza e de fineza. Isso nos faz lembrar Blaise Pascal (1623-1662), grande matemático e pensador que nos fragmentos 511,512 de seus Pensées distinguia o “espírito de geometria” do “espírito de fineza”. O primeiro, ”espírito de geometria”(esprit de géomtrie) próprio da modernidade nascente, se concentra no cálculo e no interesse enquanto o segundo, “espírito de fineza”(esprit de finesse) e de sensibilidade humana caracteriza as relações gratuitas e desinteressadas entre as pessoas. Previa que o primeiro iria predominar na história, o que de fato ocorreu.

Hoje temos que resgatar, contra a barbárie, a grosseria e a estupidez dominantes, o valor da gentileza, da sensibilidade para com o outro, do respeito às diferenças e a benquerença geral. Pascal via no espírito de fineza a qualidade do honnête homme” do “homem de bem”. Hoje o “homem de bem” são pessoas que se proclamam “patriotas” mas  se utilizam da mentira, da calúnia e da difusão de desinformação para realizar seu projeto de poder autoritário e velhista. Para esses vale mais que a outros o “evangelho da gentileza”.

Cremos sim, com o Profeta Gentileza que a “gentileza”, como proclamava, “é o remédio para todos os males: Gentileza gera Gentileza" Pois sob a palavra “Gentileza” se esconde o que há de mais fino e nobre no ser humano,a Gentileza tão ausente e tão necessária para os dias maus que vivemos.