terça-feira, 31 de dezembro de 2024

ANO NOVO NOVA VIDA,

 





Neste ano que se inicia, deixarei meu corpo flutuar em alturas abissais. Acariciarei uma por uma de minhas rugas, desvelarei histórias, apreenderei, na ponta dos dedos, meu perfil interior.

Não recorrerei ao bisturi das falsas impressões. Nem ao espectro da magreza anoréxica. O tempo prosseguirá massageando meus músculos até torná-los flácidos como as delicadezas do espírito.

Suspenderei todas as flexões, exceto as que aprendo na academia dos místicos. Beberei do próprio poço e abrirei o coração para o anjo da faxina atirar pela janela da compaixão iras, invejas e amarguras.

Pisarei sem sapatos o calor da terra viva. Bailarino ambiental, dançarei abraçado a Gaia ao som ardente de canções primevas. Dela receberei o pão, a ela darei a paz.

Acesas as estrelas, contemplarei na penumbra do mistério esse corpo glorioso que nos funde, eu e Gaia, num único sacramento divino. Seu trigo brotará como alimento para todas as bocas, suas uvas farão correr rios inebriantes de saciedade.

Na mesa cósmica, ofertarei as primícias de meus sonhos. De mãos vazias, acolherei o corpo do Senhor no cálice de minhas carências. Dobrarei os joelhos ao mistério da vida e contemplarei o rosto divino na face daqueles que nunca souberam que cosmo e cosmético são gregas palavras, e deitam raízes na mesma beleza.

Proclamarei o silêncio como ato de profunda subversão. Desconectado do mundo, banirei da alma todos os ruídos que me inquietam e, vazio de mim mesmo, serei plenificado por Aquele que me envolve por dentro e por fora, por cima e por baixo.

Suspenderei da mente a profusão de imagens e represarei no olvido o turbilhão de ideias. Privarei de sentido as palavras. Absorvido pelo silêncio, apurarei os ouvidos para escutar a brisa de Elias e os olhos para admirar o que extasiou Simeão.

Não mais farei de meu corpo mero adereço estranho ao espírito. Serei uma só unidade, onda e partícula, verso e reverso, anima e animus.

Recolherei pelas esquinas todos os corpos indesejados para lavá-los no sangue de Cristo, antes que se soltem de seus casulos para alçar o voo das borboletas.

Curarei da cegueira os que se miram no olhar alheio e besuntarei de cremes bíblicos o rosto de todos que se julgam feios, até que neles transpareça o esplendor da semelhança divina.

Arrancarei do chão de ferro os pés congelados da dessolidariedade e farei vir vento forte aos que temem o peso das próprias asas. Ao alçarem o topo do mundo, verão que todos somos um só corpo e um só espírito.

Farei do meu corpo hóstia viva; do sangue, vinho de alegria. Ébrio de efusões e graças, enlaçarei num amplexo cósmico todos os corpos e, no salão dourado da Via Láctea, valsaremos até que a música sideral tenha esgotado a sinfonia escatológica.

Na concretude da fé, anunciarei aos quatro ventos a certeza de ressurreição então, o que é terno tornar-se-á, nos limites da vida, eterno quando a morte nos transvivenciar.

 

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

NATAL

 


Neste Natal, não quero o Papai Noel das promoções comerciais, das ceias pantagruélicas, dos presentes caros embrulhados em afetos raros. Quero o Menino nascido esperança em um pasto de Belém, e Maria a cantar que os abastados serão despedidos de mãos vazias e os pobres, saciados de bens.

Não quero o Papai Noel do celofane brilhante das cestas de produtos importados e das garrafas nas quais os néscios afogam tristezas rotuladas de alegrias. Quero o Menino palestino em busca de uma terra onde nascer e viver, o Menino judeu arauto da paz aos homens e mulheres de boa vontade, o Menino poupado da estupidez das guerras.

Neste Natal, dispenso abraços protocolares e sorrisos sob medida, sentimentos retóricos e emoções que encobrem a aridez do coração. Quero o amor sem dor, a oração só louvor, a fé comungada com sabor de justiça. Não quero presentes dos ausentes, a litúrgica reverência às mercadorias, a romaria pagã aos templos consumistas. Quero o pão na boca da criança faminta, o acolhimento aos refugiados, a paz aos espíritos atribulados, o gozo de contemplar o Invisível.

Neste Natal, não quero troca de produtos entre mãos que não se abrem em solidariedade, compaixão e carinho despudorado. Quero o Menino solto no mais íntimo de mim mesmo, a semear ternura em todos os canteiros em que as pedras sufocam as flores. Quero o silêncio indevassável do mistério, o canto harmônico da natureza, a mão que se estende para que o outro se erga, a fraternura de amigos abençoados pela cumplicidade perene.

Neste Natal, não me interessam as oscilações dos índices financeiros, as promessas viciadas dos políticos, os cartões impressos a granel, cheios de colorido e vazios de originalidade. Quero as evocações mais ternas: o cheiro do café coado pela avó, o som do sino da matriz, o rádio Philco exalando sabonete Eucalol, enquanto a babá me via brincar no quintal.

Não quero as amarguras familiares que se guardam como poeira nas dobras da alma, as invejas que me alienam de mim mesmo, as ambições que me tornam tristes como as galinhas, que têm asas e não voam. Quero os joelhos dobrados no átrio da igreja, a cabeça curvada ao Transcendente, a perplexidade de José diante da gravidez inusitada de Maria.

Neste Natal, não irei às ruas febris dos mercadores de bens finitos, não disfarçarei em algodão a neve que se amontoa em meus dessentimentos, nem prenderei falsas sinetas no frontispício de minha indiferença. Quero o segredar dos anjos, a alegria desdentada de um pobre reconhecido em seu direito, a euforia imaculada de um bebê acolhido em braços amados. Não viajarei para longe de mim mesmo. Mergulharei no mais profundo de mim, lá onde as palavras se calam e a voz de Deus se faz ouvir como apelo e desafio.

Neste Natal, não entupirei o meu verão de castanhas e nozes, panetones e carnes gordas. Porei sobre a mesa Deus fatiado em pão, a entornar vinho em cálices alados, e convidarei à festa os famintos de bem-aventuranças. Não rezarei pela bíblia dos que professam o medo, nem acenderei velas aos guardiões do Inferno. Não serei o alpinista de cobiças desmedidas, nem o coveiro de utopias libertárias. Desfraldarei sobre o telhado a bandeira de sonhos inconfessos e semearei estrelas no jardim de meus encantos, lá onde cultivo essa doce paixão que me faz sofrer de saudades do que é terno.

Neste Natal, não aceitarei os brindes de mãos que não se tocam, nem irei às ceias dos que se devoram. Não comerei do bolo que empanturra corações e mentes, nem deixarei que a aurora do Menino me surpreenda empanzinado de sono.

Sairei na noite feliz guiado pela estrela dos magos, dançarei aleluias entre as sendas da Via Láctea e, pela manhã, injetarei poesia em cada raio de sol para que todos acordem inebriados como se fossem borboletas livres do casulo

 

 

 


quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

UTOPIA.

 


Quero apresentar a utopia radical de Robert Müller, por 40 anos alto funcionário da ONU e primeiro reitor Universidade da Paz fundada pela ONU em Costa Rica. Ela nos remete à utopia bíblica do “novo céu e da nova Terra”. Projetou um Novo Gênesis (cf. O nascimento de uma civilização global, Aquarius, São Paulo 1993 p,170-171):

“E Deus viu que todas as nações da Terra, negras e brancas, pobres e ricas, do Norte e do Sul, do Oriente e do Ocidente, de todos os credos, enviavam seus emissários a um grande edifício de cristal às margens do rio do Sol Nascente, na ilha de Manhattan, para juntos estudarem, juntos pensarem e juntos cuidarem do mundo e de todos os seus povos. E Deus disse:" Isso é bom". E esse foi o primeiro dia da Nova Era da Terra.

       E Deus viu que os soldados da paz separavam os combatentes de nações em guerra, que as diferenças eram resolvidas pela negociação e pela razão e não pelas armas, e que os líderes das nações encontravam-se, trocavam ideias e uniam seus corações, suas mentes, suas almas e suas forças para o benefício de toda a humanidade.  E Deus disse:" Isso é bom." E esse foi o segundo dia do Planeta da Paz.

E Deus viu que os seres humanos amavam a totalidade da Criação, as estrelas e o sol, o dia e a noite, o ar e os oceanos, a terra e as águas, os peixes e as aves, as flores e as plantas e todos os seus irmãos e irmãs humanos. E Deus disse:" Isso é bom." E esse foi o terceiro dia do Planeta da Felicidade.

E Deus viu que os seres humanos eliminavam a fome, a doença, a ignorância e o sofrimento em todo o globo, proporcionando a cada pessoa humana uma vida decente, consciente e feliz, reduzindo a avidez, a força e a riqueza de uns poucos. E Deus disse:" Isto é bom." E esse foi o quarto dia do Planeta da Justiça.

E Deus viu que os seres humanos viviam em harmonia com seu planeta e em paz com os outros, gerenciando seus recursos com sabedoria, evitando o desperdício, refreando os excessos, substituindo o ódio pelo amor, a avidez pelo contentamento, a arrogância pela humildade, a divisão pela cooperação e a suspeita pela compreensão. E Deus disse:" Isso é bom."E esse foi o quinto dia do Planeta de Ouro.

E Deus viu que as nações destruíam  suas armas, suas bombas, seus mísseis, seus navios e aviões de guerra, desativando suas bases e desmobilizando seus exércitos, mantendo apenas policiais da paz para proteger os bons dos maus e os normais dos insanos.  E Deus disse:" Isso é bom". E esse foi o sexto dia do Planeta da Razão.

E Deus viu que os seres humanos restauravam Deus e a pessoa humana como o Alfa e o Ômega, reduzindo instituições, crenças, políticas, governos e todas as entidades humanas a simples servidores de Deus e dos povos. E Deus os viu adotar como lei suprema:" Amarás ao Deus do Universo com todo o teu coração, com toda  tua alma, com toda atua mente e com todas as tuas forças. Amarás teu belo e miraculoso planeta e o tratarás com infinito cuidado. Amarás teus irmãos e irmãs humanos como amas a ti mesmo. Não há mandamentos maiores que estes. E Deus disse:" Isso é bom." E esse foi o sétimo dia do Planeta de Deus".

       Não estou seguro de que este sonho de Robert Muller seja, por ora, viável com o tipo de seres humanos que nos tornamos. Mas reinventando o ser humano – esse é o nosso desafio caso queiramos sobreviver – este sonho poderá tornar-se realidade. Pois, nunca nos cansamos de sonhar de que um dia poderemos vivenciar essa promissora utopia viável: A minha pátria é a Terra.

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

ATÉ QUANDO?

 



Por que chegamos à atual situação ameaçadora que pode pôr em risco o futuro da vida humana e da natureza?

Há várias interpretações da situação funesta da atualidade. Não tenho a pretensão de ter uma resposta suficiente. Mas levanto uma hipótese, fruto de toda uma vida de estudo e de reflexão. Estimo que a nossa situação remonta lá atrás, há dois milhões de anos,quando surgiu o homo habilis, o ser humano que inventou instrumentos de intervenção nos ciclos da natureza. Até aí sua relação era de interação, sintonizando-se com os ritmos naturais e tomando o que sua mão alcançava. Agora, com o homo habilis ou faber começa a intervenção na natureza: a caça de animais e a derrubada de matas para um cultivo rudimentar.Depois de milhares de anos, levou avante a intervenção até chegar há 10-12 mil anos, no neolítico, com a agressão da natureza. Interferiu-se no curso dos rios, inaugurando a agricultura de irrigação e o manejo de inteiras regiões que implicava  mudanças nas relações com a natureza e já depredando-a.  Por fim, a partir da era do industrialismo e do modo moderno e contemporâneo de produção pela técnica, pela automação, pela robótica e pela inteligência artificial levou a um processo de destruição da natureza. Projetamos uma nova era geológica, a do antropoceno e seus derivados, o necroceno e o piroceno. Aí comparece o ser humano como o Satã da Terra.Transformou o jardim do Éden num matadouro,como denunciou o biólogo E.Wilson.Não se comportou como o anjo cuidador de todo o criado.

Esse processo histórico-social ganhou sua justificação teórica pelos pais fundadores da modernidade com Galileo Galilei, Descartes, Newton, Francis Bacon e outros. Para eles, o ser humano é “mestre e dono” da natureza. Não se sentia parte dela, mas estava fora e acima dela. A Terra até então tida como Magna Mater que tudo nos dá, passou a ser considerada como uma coisa inerte (res extensa), sem propósito, no máximo, um baú de recursos entregues ao uso e ao bel prazer do ser humano. O eixo orientador deste modo de ver o mundo  é a vontade de poder, como dominação do outro, dos povos, de suas terras (colonização), da classe operária, da natureza, da vida até o mínimo gene, da matéria até o pequeníssimo topquark. A serviço da dominação foi criada a ciência, não apenas como justo conhecimento teórico de como as coisas se estruturam mas como instrumento de dominação e de novos inventos.Ela foi logo apropriada pela vontade de poder,convertendo-a numa operação técnica para a transformação do mundo circundante. Com ela se moveu uma verdadeira guerra contra a Terra, sem chance de vencê-la, arrancando tudo dela em função do sonho de um crescimento ilimitado de bens materiais. Atacou-se a Terra em todos os níveis, tendo como consequência a devastação de praticamente os principais biomas, sem medir os efeitos colaterais. É o império da razão instrumental-analítica e tecnocrática. Não podemos deixar de apreciar os imensos benefícios que trouxe para a vida humana. Mas ao mesmo tempo criou o princípio de autodestruição com armas letais que podem liquidar toda a vida. A razão ficou irracional e enlouquecida.

Hoje chegamos ao ponto-limite de a Terra  se mostrar gravemente enferma. Como é um Super-Organismo vivo, Gaia, reage mando-nos eventos extremos: secas severas e nevascas rigorosas, uma vasta gama de vírus e bactérias, algumas letais, além de tufões, tornados, enchentes e terremotos.  Não estamos indo ao encontro do aquecimento global. Estamos já dentro dele. A ciência chegou atrasada, apenas pode alertar para a chegada de desastres e minorar seus efeitos danosos. Efetivamente, esta mudança climática ameaça perigosamente a vida de crianças e de idosos e põe sob grave risco o futuro do sistema-vida.

Acresce um dado nada desprezível. O despotismo da razão – o racionalismo – recalcou o que há demais humano em nós: nossa capacidade de sentir, de amar, de cuidar, de viver a dimensão dos valores como a amizade, a empatia, a compaixão, em fim, o mundo das excelências. Tudo isso era visto como empecilho para o olhar objetivo das ciências. Separou-se mente e coração, a razão intelectual e a razão sensível. Tal ruptura ocasionou profunda distorção dos comportamentos, ocasionando insensibilidade face ao drama dos milhões e milhões de pobres e miseráveis e a falta de cuidado para com a natureza e suas “bondades” como dizem os povos andinos.

Se quiséssemos resumir numa pequena fórmula a crise civilizacional diria: ela perdeu a justa medida, valor, presente em todas as tradições éticas da humanidade. Tudo é des-medido, o assalto à natureza, o uso da violência nas relações pessoais e sociais, as guerras sem qualquer medida de contenção, o predomínio des-medido da competição ao preço da cooperação, o consumo des-medido ao lado da fome canina de milhões, sem qualquer senso de solidariedade e de humanidade.

A seguir este projeto de civilização,calcado sobre o poder-dominação e somente sobre a razão instrumental e sem coração hoje mundializado, iremos fatalmente ao encontro de uma tragédia ecológico-social  a ponto de fazer o planeta Terra inabitável para nós e para os organismos vivos. Seria o nosso fim depois de milhões de anos sobre esse belo e ridente planeta. Não soubemos cuidá-lo para ser a Casa Comum de todos os humanos, a natureza incluída.

Mas como o processo da gênese do cosmos e da Terra não é linear, mas dá saltos para cima e para frente, pode ocorrer o inesperado. Face a um grande impacto ou catástrofe, pode torna viável uma transformação fundamental. Levaria a mudar a consciência coletiva da humanidade. Como disse o poeta alemão Hölderin (+1843):”Ai onde mora o perigo,cresce também o que o salva”. Esse salvamento significaria a mudança necessária de paradigma civilizatório e assim garantindo  o nosso futuro. Isso poderia representar a utopia possível e viável para a atual situação. Oxalá!

terça-feira, 5 de novembro de 2024

UTOPIAS

 


Hoje vivemos tempos distópicos, carentes de inspirações utópicas. As grandes utopias do passado não cumpriram suas promessas: do iluminismo, dar instrução a todo mundo; do capitalismo, todos podem se tornar ricos; do socialismo, igualdade entre todos; do comunismo,uma sociedade sem classes; da pós-modernidade, não há narrativas universais, cada um escolhe a sua. O fato é que nenhuma sociedade, isso os antropólogos e sociólogos nos garantem, vive sem ter uma utopia, quer dizer, uma ideia forte, um sonho inspirador que dê sentido à vida das pessoas,  à sociedade e à história.

Bem dizia o escritor irlandês Oscar Wilde:”Um mapa do mundo que não inclua a utopia não é digno de ser espiado, pois ignora o único território em que a humanidade sempre atraca, partindo em seguida, para uma terra ainda melhor”.

Mas o sonho utópico nunca morre, pois é da essência do ser humano, o princípio esprança (Ernst Bloch) de estar sempre a caminho. É completo mas imperfeito, pois busca sempre melhorar sua humanidade. Tem muito de verdade a utopia de Pierre Teilhard de Chardin ainda nos idos de 1930, a irrupção lá na frente, da noosfera na qual coração e mente da humanidade chegariam a uma feliz convergência. Também a utopia que circula nas bases:”a alma não tem fronteira, nenhuma vida é estrangeira”. Ou aquela que até a TV fez circular:”minha pátria é a Terra”, utopia verdadeira.Quero apresentar a utopia radical de Robert Müller, por 40 anos alto funcionário da ONU e primeiro reitor Universidade da Paz fundada pela ONU em Costa Rica.Ela nos remete à utopia bíblica do “novo céu e da nova Terra”. Projetou um Novo Gênesis (cf. O nascimento de uma civilização global, Aquarius, São Paulo 1993 p,170-171):

“E Deus viu que todas as nações da Terra, negras e brancas, pobres e ricas, do Norte e do Sul, do Oriente e do Ocidente, de todos os credos, enviavam seus emissários a um grande edifício de cristal às margens do rio do Sol Nascente, na ilha de Manhattan, para juntos estudarem, juntos pensarem e juntos cuidarem do mundo e de todos os seus povos.E Deus disse:" Isso é bom". E esse foi o primeiro dia da Nova Era da Terra.

       E Deus viu que os soldados da paz separavam os combatentes de nações em guerra, que as diferenças eram resolvidas pela negociação e pela razão e não pelas armas, e que os líderes das nações encontravam-se, trocavam ideias e uniam seus corações, suas mentes, suas almas e suas forças para o benefício de toda a humanidade.  E Deus disse:" Isso é bom."E esse foi o segundo dia do Planeta da Paz.

E Deus viu que os seres humanos amavam a totalidade da Criação, as estrelas e o sol, o dia e a noite, o ar e os oceanos, a terra e as águas, os peixes e as aves, as flores e as plantas e todos os seus irmãos e irmãs humanos.E Deus disse:"Isso é bom."E esse foi o terceiro dia do Planeta da Felicidade.

E Deus viu que os seres humanos eliminavam a fome, a doença, a ignorância e o sofrimento em todo o globo, proporcionando a cada pessoa humana uma vida decente, consciente e feliz, reduzindo a avidez, a força e a riqueza de uns poucos. E Deus disse:"Isto é bom."E esse foi o quarto dia do Planeta da Justiça.

E Deus viu que os seres humanos viviam em harmonia com seu planeta e em paz com os outros, gerenciando seus recursos com sabedoria, evitando o desperdício, refreando os excessos, substituindo o ódio pelo amor, a avidez pelo contentamento, a arrogância pela humildade, a divisão pela cooperação e a suspeita pela compreensão. E Deus disse:" Isso é bom."E esse foi o quinto dia do Planeta de Ouro.

E Deus viu que as nações destruíam  suas armas, suas bombas, seus mísseis, seus navios e aviões de guerra, desativando suas bases e desmobilizando seus exércitos, mantendo apenas policiais da paz para proteger os bons dos maus e os normais dos insanos.  E Deus disse:" Isso é bom". E esse foi o sexto dia do Planeta da Razão.

E Deus viu que os seres humanos restauravam Deus e a pessoa humana como o Alfa e o Ômega, reduzindo instituições, crenças, políticas, governos e todas as entidades humanas a simples servidores de Deus e dos povos. E Deus os viu adotar como lei suprema:"Amarás ao Deus do Universo com todo o teu coração, com toda  tua alma, com toda atua mente e com todas as tuas forças. Amarás teu belo e miraculoso planeta e o tratarás com infinito cuidado. Amarás teus irmãos e irmãs humanos como amas a ti mesmo. Não há mandamentos maiores que estes. E Deus disse:" Isso é bom." E esse foi o sétimo dia do Planeta de Deus".

       Não estou seguro de que este sonho de Robert Muller seja, por ora, viável com o tipo de seres humanos que nos tornamos. Mas reinventando o ser humano – esse é o nosso desafio caso queiramos sobreviver – este sonho poderá tornar-se realidade. Pois, nunca nos cansamos de sonhar de que um dia poderemos vivenciar essa promissora utopia viável: A minha pátria é a Terra.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

É A NOSSA ESPERANÇA.

 



Edward Wilson, grande biólogo, atesta em seu instigante livro O futuro da vida (2002): “O homem até hoje tem desempenhado o papel de  assassino planetário…a ética da conservação, na forma de tabu, totemismo ou ciência, quase sempre chegou tarde demais.

Vale ainda citar  um nome de grande respeitabilidade James Lovelock, o formulador da hipótese/teoria da Terra como Super-organísmo vivo, Gaia, com um título que diz tudo: A vingança de Gaia (2006). Em sua passagem pelo Brasil declarou à Veja:” até o fim do século 80% da população humana desaparecerá. Os 20% restantes vão viver no Ártico e em alguns poucos oásis em outros continentes, onde as temperaturas forem mais baixas e houver um pouco de chuva…quase todo o território brasileiro será demasiadamente quente e seco para ser habitado ” (Paginas Amarelas de 25 de outubro de 2006).

Bem ponderou o maior pensador do século XX Martin Heidegger, num texto publicado 15 anos após sua morte, consciente do risco planetário: ”Só um Deus nos pode salvar”(Nur noch ein Gott kann uns retten).

Não basta esperar em Deus, pois ele não é um tapa-buraco face às irresponsabilidades humanas, mas sim, cuidar do ser humano enlouquecido, pôr limites a uma razão que virou irracional a ponto de forjar meios de se autodestruir. Confiamos que face à esta catástrofe, haja um mínimo de sabedoria e de contenção nos tomadores de decisões.

Depois que matamos o Filho de Deus que se fez homem, nada é impossível. Mas Deus, não os detentores de armas de destruição em massa é o senhor da história e do destino humano. Ele pode das ruínas criar um novo céu e uma nova Terra, habitada por seres humanos transfigurados, cuidadores e amigos de toda vida. É a nossa fé e esperança.

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

CADÊ A NOSSA DEMOCRACIA?

 


É imprescindível que a população pense com seriedade sobre a historicidade da democracia brasileira, na medida em que candidatos assustadores figuram na liderança a cargos municipais importantes que impactarão a vida dos brasileiros. Estas figuras grotescas não apresentam propostas que beneficiem as condições materiais de existência, sobretudo, da população desvalida. Para permanecerem no poder eles aliam-se à parte podre da elite econômica, cumprindo religiosamente seus interesses.

Os contrastes das más administrações são evidentes nas cidades. As diferenças da qualidade de vida entre os bairros nobres e os da periferia são abissais. Durante suas campanhas, os vulgos outsiders tentam encantar os pobres com promessas que nunca serão realizadas, fingem arregaçar as mangas pelos marginalizados. No entanto, a situação se repete a cada gestão. O curioso é que conseguem enganar os excluídos, sempre presas fáceis a cada novo pleito.

Vivemos em sobressaltos, desde o período da redemocratização do país, como o que recentemente presenciamos no resgate de práticas fora da curva do Estado de Direito, ocorridas no fim do governo passado e que culminaram na tentativa do golpe do dia 8 de janeiro de 2023.

As lembranças da ditadura militar ainda são cultuadas. Milhares de pessoas convencidas pelos extremistas de direita marcharam em direção aos três poderes da República para alvejarem a liberdade. Após mais de trinta anos dos tempos de chumbo praticados pelo governo militar, o país e sua frágil democracia sofre constantes ataques. É desnudado o radicalismo como opção, o fascismo como alternativa.

Por essas razões e por outras não mencionadas neste simples texto, volto a perguntar por onde anda a nossa democracia com todos os episódios antidemocráticos recorrentes, com candidaturas fascistas e seus desejos de poder e de domínio. Pobre povo pobre. Resta-nos desejar que no dia da votação possamos ver essa nuvem insana se afastar dos eleitores.

Termino esse texto prestando uma breve homenagem a uma admirável socióloga e jornalista que nos deixou precocemente nesta semana. Nathalia Urban foi uma incansável lutadora por um mundo livre de opressões de qualquer natureza e justo para todos, por uma América Latina de veias abertas para a democracia. Sua luta nunca terá sido em vão, pois sua práxis humanizadora estará sempre viva em nossa memória. Na sua breve existência ela fez a diferença e inspirou a todos que conheceram seu nobre e significativo trabalho. Nathalia Urban Presente!

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

FELICIDADE.


 A felicidade é um dos bens mais ansiados pelo ser humano. Mas não pode ser comprada nem no mercado, nem bolsa, nem nos bancos. Apesar disso, ao redor dela se criou toda uma indústria que vem sob o nome de auto-ajuda. Com cacos de ciência e de psicologia  se procura  oferecer uma fórmula infalível para alcançar “a vida que você sempre sonhou”.

Confrontada, entretanto, com o curso irrefragável das coisas, ela se mostra insustentável e falaciosa. Curiosamente, a maioria dos que buscam a felicidade intui que não pode encontra-la na ciência pura ou nalgum centro tecnológico. Vai  a um pai ou mãe de santo ou a um centro espírita ou freqüenta um grupo carismático, consulta um guru ou lê o horóscopo ou estuda o I-Ching da felicidade. 

Tem consciência de que a produção da felicidade não está  na razão analítica e calculatória mas na razão sensível e na inteligência emocional e cordial. Isso porque a felicidade deve vir de dentro, do coração e da sensibilidade.      

Para dizer logo, sem outras mediações, não se pode ir direto à felicidade. Quem o faz, é quase sempre iludido. Bem dizia um poeta popular: “Entre o sonho e a realidade é bem diverso o matiz/ Quem sonha felicidade é quase sempre infeliz” A felicidade resulta de algo anterior: da essência do ser humano e  de um sentido de justa medida em tudo.

A essência  do ser humano reside na capacidade de relações. Ele é um rizoma de relações, cujas raízes apontam para todas as direções. Só se realiza quando ativa continuamente sua panrelacionalidade, com o universo, com a natureza, com a sociedade, com as pessoas, com o seu próprio coração e com Deus.

Essa relação com o diferente lhe permite a troca, o enriquecimento e a transformação. Deste jogo de relações, nasce a felicidade ou a infelicidade na proporção da qualidade destes relacionamentos. Fora da relação não há felicidade possível.

Mas isso não basta. Importa viver um sentido profundo  de justa medida no quadro da concreta condição humana. Esta é feita de realizações e de frustrações, de violência e de carinho,  de monotonia do cotidiano e de emergências surpreendentes,  de saúde, de doença e, por fim, de morte.

 ”Se não dá para trazer o céu para terra, pelo menos podemos aproximar o céu da terra”. Eis a singela e possível felicidade que podemos penosamente conquistar como filhos e filhas de Adão e Eva decaídos.

Em todos os caos, o caminho mais seguro é: alguém será tanto mais feliz quanto mais fizer outros felizes e cultivar indignação e compaixão contra as perversidades que ocorrem em nosso país e no mundo e nos esforçarmos em ser amáveis com todos, cuidadosos para com a natureza, solidários para com os desamparados, humildemente sermos amigos do Criador de todas e em fim colocar o amor no centro de nossas vidas mortais.

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

A HISTÓRIA AJUDA A COMPRENDER O PRESENTE.

 




Nenhum grande impasse se apresenta em sua feição completa no início das hostilidades. Semelham um quebra cabeça, que se vai montando peça por peça, até sua configuração plena. A invasão da Sérvia pelo Império Austro-Húngaro, em julho de 1914, é consignada como o ato inaugural do primeiro grande conflito do século. Mas o cenário daquela altura havia sido antecipado, para quem quis vê-la, por uma significativa política de acordos militares, como a Tríplice Aliança (Áustria-Hungria, Alemanha e Itália) e a Tríplice Entente (França, Rússia e Reino Unido), que começam a tomar corpo nos finais do século XIX, para adquirir sua compleição final em 1907. Não se pode falar em surpresas. Nesse tempo, as forças de direita (então como agora) estimulam o nacionalismo --gênero de que a xenofobia é sua doença mais perniciosa--, enquanto exacerba-se a disputa por colônias e cresce a rapina de recursos naturais e a disputa de mercados em todo o mundo (uma inevitabilidade do desenvolvimento capitalista), alimentando o militarismo, a alma mãe das guerras, no qual se sustenta.

De igual modo, a Segunda Guerra Mundial não se apresentou como um raio em céu azul, e muito se afirma como resposta incontornável às condições leoninas que os vencedores decretaram contra os vencidos quando da assinatura incondicional do Tratado de Versalles: a imposição à Alemanha de impagáveis indenizações financeiras, confisco de parte do território e limitações ao seu aparato militar. Às represálias dos vencedores, soma-se, com peso incomparável, a crise de 1930. Mas a hecatombe social alemã remonta a pelo menos 1923, quando se abraçam hiperinflação, desemprego massivo e recessão. Por sinal, registra-se em novembro desse ano a primeira tentativa de tomada do poder, por Hitler e pelo Partido Nazista: o frustrado “putsch da Cervejaria” de Munique, como seria registrado pela história. O objeto da fúria era a Republica de Weimar, espremida entre o fim da primeira guerra e a abdicação de Guilherme II, e a ascensão de Hitler. O interlúdio democrático, desgraçadamente, colecionaria um rol de frustrações palmilhando as sendas que serão percorridas pelo projeto totalitário, que em poucos anos manchará o mapa europeu e se espalhará pelo mundo.

A ascensão dos regimes totalitários foi, naquela altura, como parece ser ainda agora, ignorada em suas consequências, embora os sinais de mau tempo fossem assinalados sem parcimônia, um após o outro. A história nos lembra a Itália fascista invadindo e anexando a Etiópia em 1935, quando, do outro lado do mundo, o Japão, em 1931, dera asas ao expansionismo territorial (a pedra de toque do militarismo alemão) com a invasão da Mandchuria, peça preparatória da invasão da China em 1937. Da mesma forma, o acirramento racista contra emigrantes, em toda a Europa, e mais precisamente, hoje, nos EUA (atingindo igualmente afrodescendentes e latinos) e na Europa de um modo geral e particularmente na França e na Inglaterra. Nada de novo. Na Alemanha, as perseguições aos judeus, comunistas e ciganos e aos intelectuais progressistas, antecedem e preparam a tomada do poder: as organizações paramilitares do Partido Nazista, como os Camisas Pardas, datam de 1920.

A historiografia, em sua unanimidade, guarda a invasão da Polônia (1939) pela Alemanha como o ponto de partida da II Guerra Mundial. Para isso passa batida pela remilitarização da Renânia em 1936 e a anexação da Áustria em 1938. E, sobretudo, ignora a essência do nazifascismo, e os desdobramentos das reclamações por “espaço vital”.

Todo grande conflito se anuncia mediante tensões políticas que se desenvolvem em um crescendo como ondas que propagam segundo os ventos soprados pelas estratégias geopolíticas. Ademais, esses conflitos revelam uma tessitura lógica que vejo na antessala das duas guerras, como igualmente o identifico na crônica dos dias presentes. Varia o modus faciendi, mas o significado e o desdobramento das tensões se repetem, como se repete nossa desatenção.

Vencida a segunda grande guerra, dividido o mundo nos termos da Conferência de Ialta (1945), seguiu-se a “Guerra Fria”, assim nomeado o conflito político, militar e ideológico entre o Ocidente, liderado pelos EUA, e a URSS, cabeça do que se identificara como “Leste Europeu”. Os dois polos se guerreiam mediante confrontos levados a cabo por procuradores. Trata-se de história conhecida, como capítulo de uma novela sediça. A URSS se espalha no mundo, principalmente emprestando força política e militar às guerras de libertação nacional que tomam conta principalmente da África e da Ásia. As grandes potências ordenariam a política de confrontos fora de seus territórios. Nessa quadra, quase tudo é permitido, contanto que seja evitado o embate direto. E assim chegamos a uma lista de centenas de conflitos, insurgências, invasões, revoluções civis, lutas de liberação nacional e golpes de Estado que percorre o planeta e não poupa a América Latina. O Brasil jamais se esquecerá do 1º de abril de 1964, e do papel nele exercido pelos EUA.

O quadro de nossos dias não é diverso, se considerarmos que no posto antes ocupado pela URSS se encontra a China.

A transição da guerra por meios tradicionais para eventual duelo nuclear assustava a todos, com a hipótese do apocalipse. Esse é o quadro até o suicídio da URSS e o fim do que se chamava “socialismo real”. Cessa a “Guerra Fria” e se instala a hegemonia política e militar dos EUA. O fim do unilateralismo, porém, dar-se-ia, já nos tempos presentes, com a ascensão da Eurásia, liderada pela China, com seu espantoso desenvolvimento econômico, tecnológico e, consequentemente, industrial e militar. As contingências geopolíticas fazem da Rússia capitalista, em guerra sem fim previsível, uma aliada de primeira linha, levando consigo o maior arsenal de ogivas nucleares do mundo. O unilateralismo cede ao multilateralismo (ao lado da China emergem novos atores, caso que é o da Índia), e uma vez mais se coloca para o mundo, como se colocara lá atrás na primeira linha das duas guerras mundiais, uma nova disputa de boco pela hegemonia. Voltamos a conviver com tensões, desta feita ainda mais graves do que as anunciadoras dos dois conflitos mundiais do século passado. Os confrontos, diretos ou operados por procuração, se instalam em todos os continentes, e a crise do capitalismo financeiro monopolista (um indicador são os atuais temores de recessão nos EUA, a longa recessão japonesa e o crash da bolsa de Tóquio) deve reacender-se em tempos próximos, convivendo com uma era de guerras jamais conhecida no passado recente, guerras só aparentemente localizadas, pois, ao fim e ao cabo, cruzam interesses que dizem respeito às potências em duelo. Não é possível ignorar o cenário de guerra, nem a linguagem belicista da OTAN e da Comunidade Europeia. Depois da África, do Oriente e da Ásia, com sparrings escolhidos e que servem para manter os marines em forma, a guerra chega à Europa, com a invasão levada a cabo pela Rússia contra o território da Ucrânia (por seu turno defendida com armas da OTAN e recursos financeiros e equipamentos dos EUA e da comunidade europeia) e promete incendiar o Oriente Médio. Mais do que pura loucura, há muito de consciência política e estratégia no genocídio dos palestinos pelo Estado sionista de Israel e suas provocações ao Irã e seus bombardeios no Líbano. Trata-se de esforço por alastrar o cenário da guerra, que, por outras formas, encetam os EUA e a Comunidade Europeia.

Associada às formas clássicas da guerra, sempre vigentes, ingressamos, o mundo como vítima, em uma nova modalidade de combate, insidioso, definido como guerra híbrida, que o professor Manuel Domingos Neto define como “o confronto em que um vasto leque de operações não necessariamente letais ganham precedência sobre os procedimentos militares convencionais”. Essas operações compreendem, entre outras medidas, embargos comerciais e tecnológicos, e a inafastável batalha político-ideológica. Entram em cena, como expedientes de guerra, ataques cibernéticos, ações dirigidas de hackers, desinformação, guerra econômica, etc. No governo de Barack Obama, o telefone da presidente Dilma Rousseff foi grampeado, e invadidos por espiões cibernéticos os computadores da Petrobrás. E não estávamos e não estamos em guerra com o império.

Como a guerra é anunciada por sinais aparentemente isolados entre si, a boa cautela nos aconselha tentar decifrar a esfinge.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

INCOPETÊNCIA & MALDADE.

 


O que está acontecendo com a Argentina é uma mistura de incompetência e maldade. O presidente é personagem que está inserido dentro do fascismo.

O exagero, a aparência grotesca que chega ser jocosa, o uso da mentira e da violência como método são próprias da extrema direita, do fascismo. Javier Milei mente desbragadamente desde as eleições, o seu visual preza pela violência, bem como o seu pobre repertório vocálico, não há semana em que ele e seus pares não causem espanto com alguma nova medida ou elucubração alucinante. O conjunto de cenários planejado e executado por ele é seu staff tem a intenção de ludibriar para ganhar votos e chegar ao poder. Agora, há seis meses sentado na cadeira presidencial e com a caneta em mãos, ele está fazendo o que se esperava dele, matando o povo de fome.
 

Por mais que essa caricatura monstruosa chame a atenção e, em certos momentos, cause confusão, é fundamental manter os olhos focados na vida da população mais pobre da Argentina. Lembro: a classe burguesa está com Milei.

Todo o mundo tem de saber que as ações de Milei estão transformando a população argentina, obviamente a classe trabalhadora, em famélicos. Uma de suas principais medidas econômicas foi a de negar alimentos as famílias mais carentes. Toneladas de suprimentos estocadas em diversas regiões do país foram negadas pelo governo.  

Não é necessário deter preocupação com o encontro protofascista, neste final de semana, em Florianópolis. Jair Bolsonaro representa passado nefasto do Brasil.  Javier Milei, portanto, está próximo de alguém que irá para lata de lixo da história. Tal destino, aliás, deve ser também o do presidente da Argentina.


segunda-feira, 10 de junho de 2024

QUE A ELEIÇÃO SEJA UM ADEQUADO ATO DE CIDADANIA


 

Uma “política melhor” – a que está a serviço do bem comum, de modo a reverter as configurações lamentáveis de um contexto político que dificulta o caminho para um mundo mais fraterno. É evidente que a prática política, incluindo a partidária, não pode ser pautada por diletantismos ou por paixões similares às que envolvem disputas esportivas. Menos ainda deve servir de trampolim para se alcançar metas cartoriais e garantir interesses de oligarquias, em detrimento do bem de todos. Por isso mesmo, espera-se que, com a conclusão do processo eleitoral, seja iniciado novo ciclo no exercício da cidadania, relacionado ao acompanhamento mais severo e criterioso dos processos executivos e legislativos de cada município.

Trata-se de desafio enorme, pois há uma equivocada compreensão, enraizada na cultura, que enjaula o exercício da cidadania. O cidadão tem o direito e o dever de acompanhar atentamente os eleitos, exigindo de seus representantes desempenhos almejados e inadiáveis. Mas, em geral, o exercício da cidadania limita-se ao voto, prescindindo-se do acompanhamento de mandatos. Abre-se mão de uma essencialidade na democracia: a tarefa cidadã de fiscalizar, de informar-se e de opinar sobre a política.

Essa lacuna no exercício da cidadania é prejuízo inestimável. A eleição de um prefeito e de vereadores representa voto de confiança à luz de critérios que balizam a escolha efetivada nas urnas. Porém, os eleitos não podem conduzir seus mandatos sem acompanhamento e fiscalização, livres para fazer o que julgam ser conveniente. Sem adequado acompanhamento, representantes do povo podem se achar no direito de oferecer migalhas à população, permanecendo-se distantes de uma gestão competente, moderna e pautada pelos parâmetros de um desenvolvimento integral.

A indiferença habitualmente reinante quanto ao que prefeitos e vereadores fazem precisa ser vencida. Para isso, é imprescindível a participação cidadã, orientada para o bem civilizatório da sociedade. Obviamente, essa participação não pode ser isolada ou ocorrer de modo individual. Demanda-se envolvimento de todos, para que seja cada vez mais difícil às máquinas administrativas e legislativas priorizarem apenas interesses particulares. Sem a participação dos cidadãos no acompanhamento e na fiscalização de mandatos, haverá sempre o risco de gestões incapazes de promover o desenvolvimento demandado, principalmente, pelos mais pobres. Serão perdidas as oportunidades oferecidas por este terceiro milênio, com seus avanços tecnológicos e civilizacionais.

A instituição dos conselhos municipais, a prática do orçamento participativo e as diferentes interpelações apresentadas por variados segmentos da sociedade – religiosos, civis e culturais – precisam cada vez mais se consolidar, tornando-se plataforma crítica para a avaliação de processos, elaboração de políticas públicas, de debates sobre variados temas. O diálogo e os debates enriquecem a política com a participação cidadã. E para alimentar essa participação, é preciso romper com a prática de se contentar com o mínimo. A sociedade deve ser exigente, redobrando a atenção aos procedimentos, práticas e condutas de seus gestores, que cada vez mais são desafiados a tomar decisões respeitando princípios de uma ecologia integral.

As urgentes mudanças necessárias a este tempo não virão sem o envolvimento crescente de cada parcela da sociedade, partindo da compreensão de que os eleitos são servidores públicos com a missão de promover o bem comum. Aqui, torna-se importante retomar uma preciosa admoestação do Papa Francisco: “A consistência de tudo isto poderá ser bem pouca, se perdermos a capacidade de reconhecer a necessidade de uma mudança nos corações humanos, nos hábitos e estilos de vida. É o que acontece quando a propaganda política, os meios e os criadores de opinião pública persistem em fomentar uma cultura individualista e ingênua à vista de interesses econômicos desenfreados e da organização das sociedades a serviço daqueles que já têm demasiado poder”.

A sociedade civil, a partir de adequada participação cidadã, particularmente no acompanhamento e fiscalização dos políticos eleitos, precisa se mobilizar, para que o serviço público seja capaz de contribuir com as mudanças necessárias a este momento. Somente assim as eleições se consolidam em adequado ato de cidadania.

terça-feira, 4 de junho de 2024

NÃO PRIVATIZEM AS PRAIAS.

 




Queridos amigos e amigas,
Está em discussão no Senado uma Proposta de Emenda à Constituição para privatizar as praias brasileiras. Se aprovada, futuros proprietários dos terrenos poderão fechar o acesso ao mar, a indústria imobiliária poderá degradar áreas de biodiversidade e desequilibrar ecossistemas costeiros, além de expulsar comunidades inteiras de seus territórios.

Mas nós podemos parar essa loucura.

A proposta está sendo discutida em uma das comissões, mas se a sociedade fizer barulho o suficiente, podemos impedir que ela sequer vá a votação. Assine a petição e vamos entregá-la ao presidente do Senado - e fazer uma campanha imensa na imprensa dos currais eleitorais de senadores-chave para que seus eleitores os cobrem a abandonar essa proposta absurda.
A quem interessa privatizar as praias paradisíacas brasileiras? Com certeza não é ao trabalhador de baixa renda que tem como único lazer a praia gratuita que a natureza nos presenteou. Ou as pessoas de classe média que tem suas contas apertadas e não poderiam pagar taxas absurdas para curtir um final de semana ao mar.

Na prática, a PEC 3/2022 flexibiliza a legislação ambiental pois abre alas para a ocupação desordenada de manguezais, restingas e falésias - deixando-os mais vulneráveis a eventos climáticos extremos. É um absurdo discutir uma proposta que afeta áreas fundamentais de proteção ecológica enquanto uma tragédia ambiental ainda se desenrola no Rio Grande do Sul. 

Precisamos impedir que a PEC 3/2022 vire lei. Vamos mostrar que os brasileiros não querem ter que pagar para acessar as praias e nem correr o risco de morrer em um deslizamento de terras costeiras por causa da ganância de alguns parlamentares. Assine já:
A Avaaz não se resume a petições. Somos um movimento de pessoas: advogados, ativistas, professores e cidadãos - e sempre vamos defender os ecossistemas mais preciosos da Terra. Quando milhões de nós nos juntamos, em todo o planeta, somos capazes de fazer coisas extraordinárias.

Para garantir que as mensagens da Avaaz cheguem à sua caixa de entrada, por favor adicione avaaz@avaaz.org à sua lista de contatos. Para mudar o seu endereço de email, opções de idioma ou outras informações pessoais, entre em contato conosco, ou clique aqui para se descadastrar.

terça-feira, 21 de maio de 2024

NÃO É CATÁSTROFE É CRIME.

 



Especialistas, acadêmicos e cientistas convergem no diagnóstico de que falhas da Prefeitura na manutenção do sistema de proteção contra enchentes causaram a inundação de Porto Alegre, que poderia ter sido evitada.

Não precisaríamos estar passando por isso. Decididamente não precisaríamos sofrer com tamanha devastação, perda e dor.

Não aconteceu uma catástrofe. Mas catastróficas foram as consequências do evento climático severo. Que poderiam não ter sido catastróficas – ou, pelo menos, não teriam sido de magnitude catastrófica –, se a Prefeitura não tivesse sido negligente, incompetente e irresponsável.

As falhas, todas evitáveis e preveníveis, ocorreram no contexto de um processo contínuo de sucateamento, abandono e desmonte das estruturas e da inteligência técnica das áreas de engenharia, planejamento, gestão hídrica, ambiental e urbanística da cidade.

Este debilitamento da capacidade pública do Município, que é metódica e intencional, integra o ideário do bloco de poder que desde 2005, há 20 anos, se reveza na Prefeitura com sucessivas gestões conservadoras que transformaram a capital gaúcha num laboratório de experimentos ultraliberais radicais.

As oligarquias locais eliminaram barreiras sócio-ambientais modernas e normas urbanas civilizadas para deixar livre o caminho da penetração agressiva sobretudo do capital financeiro e imobiliário no território da cidade, desfigurando a paisagem, degradando as condições ambientais e desprotegendo a população.

A Prefeitura não foi pega desprevenida neste evento climático severo. Desde pelo menos desde 2022, quando da ocorrência de ciclones extratropicais, se sabia que o Rio Grande do Sul é um epicentro mundial de fenômenos climáticos severos.

Depois, em setembro e novembro de 2023, quando o nível do Guaíba atingiu respectivamente 3,18m e 3,46m, houve inundação restrita em algumas áreas da cidade, e então as falhas de manutenção do sistema ficaram patentes.

Não se tratavam de problemas complexos. Menos ainda problemas insanáveis ou onerosos, mas de questões comezinhas, como a falta de borracha de vedação e de parafuso de pressão para fechar e vedar eficientemente as comportas.

Apesar desses sinais todos, o governo do prefeito Sebastião Melo negligenciou, não investiu um único centavo no sistema de proteção contra enchentes e não providenciou sequer o conserto das comportas, das tampas de esgoto e das bombas de água defeituosas.

A Prefeitura tem responsabilidades indiscutíveis pelo descalabro da cidade.

Se o sistema não tivesse falhado como falhou, por falta de manutenção, a única área da cidade que ficaria inundada seria o bairro Sarandi, na região norte, uma vez que o volume do Rio Gravataí fez o Guaíba ultrapassar a cota de 6 metros, que é o limite de nível que o sistema de proteção de enchentes protege.

No entanto, todas demais áreas, como o centro histórico, a Cidade Baixa, o Menino Deus, a zona sul, o 4º Distrito, o aeroporto e outras partes do território não teriam sido inundadas.

Além de responsável pelos efeitos catastróficos do evento climático, a Prefeitura também é responsável pelo atraso inaceitável do fim da inundação da cidade, que poderia terminar em dois ou três dias, se fossem empregadas as soluções técnicas recomendadas por especialistas ao prefeito e sua equipe inepta.

As recomendações são exequíveis e estão ao alcance imediato: mergulhadores para vedar as comportas e impermeabilizar as áreas de infiltração, fechamento hermético de tampas de dutos forçados e energização das casas de bombas que devolvem a água invasora para o Guaíba.

Mesmo com a existência dessa alternativa para acelerar o escoamento das águas, o governo municipal continua irredutível no erro, na incompetência e no negacionismo, sujeitando a cidade a ficar semanas alagada, quando poderia acabar a inundação imediatamente.

Na tarde desta 6ª feira, 17/5, a Prefeitura derrubou portões do Muro da Mauá para permitir que a água retida na parte interna da cidade, em cota superior à do Guaíba, pudesse escoar para o Lago.

Detalhe: a Prefeitura não abriu portões, mas derrubou portões do Muro. Significa a destruição de uma barreira física estrutural de contenção de enchentes. Ou seja, mais uma irresponsabilidade absurda da Prefeitura.

E se nos próximos dias o nível do Guaíba voltar a subir consideravelmente, possibilidade mostrada em modelos meteorológicos, isso significa que as águas encontrarão os portões abertos para inundarem a cidade indefesa?

Sebastião Melo faz parte do problema, ele é responsável por sujeitar a população a sofrer consequências catastróficas do evento climático severo. Não merecíamos passar por isso.

Porto Alegre não foi atingida por uma fatalidade inevitável, como sugere a mídia associada à exploração imobiliária inescrupulosa da cidade. Tampouco foi vítima de alguma maldade da natureza ou castigo divino.

A catástrofe poderia ter sido evitada; foi consequência das escolhas ruinosas do governo Melo.

O que aconteceu e continua acontecendo é um crime, e os culpados precisam ser afastados de funções públicas e responsabilizados nas esferas administrativa, cível e criminal. Arruinaram uma linda cidade.

Porto Alegre precisa urgentemente de uma governança competente e responsável para superar a situação de emergência climática, humana e existencial.

*jeferson Miola/Viomundo


terça-feira, 7 de maio de 2024

MONOCULTURA DAS MENTES

 


Vigora em grande parte da sociedade, em particular no Sul Global mas não excluindo porções no Norte Global, um forte sentimento de impotência. Em primeiro lugar, objetivamente, o sistema capitalista em sua expressão mais exacerbada do neoliberalismo da escola de Viena/Chicago  se impôs no mundo todo. Quem resiste sofre repressões políticas, ideológicas e eventualmente golpes de estado como foi o caso do impeachment da Dilma Russeff. Procura-se impor o que Carl Polanyi já em 1944 chamou de “A grande transformação”: passar de uma sociedade com mercado para uma sociedade de puro mercado. Vale dizer, tudo vira mercadoria, a vida humana, órgãos, sementes, água, alimentos, tudo e tudo é posto no mercado e ganha seu preço. Isso já fora previsto em 1847 por Marx em “A miséria da filosofia”.

Esse fato objetivo gera uma reação subjetiva: começa-se a ver o mundo sem esperança, de que não há alternativa viável à essa enormidade mundializada. Ela se exprime pela TINA(There is no Alternative): “Não há outra Alternativa”. O efeito é um sentimento de impotência e de desencanto recalcado. Daí se deriva uma atitude derrotista de que não vale a pena ir contra o sistema, por ser grande demais e nós pequenos demais. Obrigam-se a fazer concessões para sobreviver num mundo profundamente desigual e injusto, produtor de melancolia. Esta irrompe quando não se percebe nenhuma luz no fim do túnel. Então, por que se engajar por algo alternativo que não tem chance de triunfar? Este tipo de mundo não tem jeito mesmo, pensam não poucos. Devemos nos adaptar a ele para sofrer o menos possível.

Um segundo ponto é a estratégia perversa de elaborada pelo sistema dominante: criar uma cultura do consumo. Oferecer o maior número de objetos desejáveis, mesmo que mais de 90% sejam totalmente fúteis e desnecessários. Trata-se de manipular uma das forças mais poderosas da psiqué humana: o desejo, cuja natureza já vista por Aristóteles e confirmada por Freud é a de ser ilimitada.Já foi dito por notáveis psicólogos (exemplo:Mary Gomes e Allen Kenner) que “este é o maior projeto psicológico jamais produzido pela espécie humana”: impedir que os cidadãos deixem de se considerar cidadãos para se transformarem em simples consumidores e consumidores viciados no consumo.

Para seduzi-los, gastam-se trilhões de dólares em propaganda pela mídia de massa e com todos os recursos possíveis da sedução. Isto representa seis vezes mais investimento anual necessário para garantir alimentação, saúde, água e educação de qualidade para toda a humanidade. É difícil imaginar perversidade maior. Mas ela é predominante no modo de vida geral  da humanidade que daí emergiu.

A impotência e a melancolia internalizadas fazem com que a maioria das pessoas, lastimavelmente, dos jovens, não se animem a engajar-se social e politicamente em algum movimento ou projeto de transformação. A educação em instituições formais é decisiva para a socialização desta leitura da realidade. Vandana Shiva, grande cientista e ecologista-feminista da Índia a chama de “monocultura das mentes”. Essa monocultura gera nos estudantes consciências ingênuas que esse é o mundo bom e desejável. Não se dão conta de que são cooptados pelo sistema imperante e feitos seus reprodutores.

Contra tudo isso Paulo Freire lançou seu projeto educativo e libertador, a começar com a “Pedagogia do Oprimido”, “Educação como prática da Liberdade” e concluindo com a  educação com amor e esperança. Cunhou a expressão “esperançar”: não cruzar os braços (esperar que as coisas por si mudem) mas criar as condições para que a esperança alcance seus objetivos transformadores.

Como se libertar da consciência ingênua manipulada? Não basta apenas o processo de conscientização, pois entender criticamente o que acontece, não quer dizer mudar o que acontece. Temos que passar a uma prática alternativa, enfrentar o sistema dominante com um paradigma de sociedade diferente, igualitária, não consumista mas solidária com um  modo de produção fundado nos ritmos da natureza (agroeologia e economia circular) e outro tipo de democracia ecológico-social, de baixo para cima, na qual se reconheçam os direitos da natureza e da Mãe Terra, criando o Todo, a  humanidade e a natureza incluídas na grande Casa Comum, a Mãe Terra.