sábado, 7 de setembro de 2019

A VAIDADE

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“Vaidade das vaidades, diz o profeta, tudo é vaidade...” (Ecl 1,2”.

O título desta crônica é trecho do livro do Eclesiastes onde se lê:
Apesar de um traço de aparente amargura, a frase chama a atenção para um sentimento que move grande parte da humanidade; a vaidade.


No filme “O advogado do diabo”, o próprio demo, personagem interpretado magistralmente por Al Pacino, diz, ao final: “a vaidade é o meu pecado favorito!”.

Conversando sobre vaidades, uma amiga minha, por esses dias, me disse uma frase que me fez pensar; “é preciso muita coragem para receber um elogio...”.
E o assunto parece estar me perseguindo. Um dia assistindo a uma entrevista com o ator global Ney Latorraca, que contava da sua volta para ser protagonista na vida, nos palcos e telas, depois de longa e grave enfermidade, perguntado sobre o que o movia e motivava, respondeu: “a minha vaidade”.

Sétimo pecado capital, a vaidade é normalmente associada ao orgulho excessivo, à arrogância e à presunção de quem se expõe para ser admirado, idolatrado, endeusado. Ou seja, é pecado praticado com gosto, talento e sofreguidão por uma multidão de celebridades e candidatos a celebridade, nessa imensa vitrine de brilho instantâneo e fugaz em que se transformou nosso mundo.

São Tomás de Aquino considerava a vaidade um pecado tão arraigado na alma humana que deveria ser tratado em separado dos outros seis, merecendo uma atenção especial.
Penso que a vaidade nasce de um sentimento nada pecaminoso; o desejo de se sentir e se saber amado. Nada mais humano e, ao mesmo tempo, divino.
Intuo, na Criação, um quê de vaidade por parte de Deus. Exibido, Ele se revela e transborda por inteiro no poema do Gênesis. E sua obra prima somos nós, sua imagem e semelhança. Somos como que um espelho no qual Deus, vaidoso, se vê, mesmo com nossas distorções de imagem.

Em Jesus, Deus, humano, se vê espelho de si mesmo, e o amor se revela berço, caminho e destino. Por isso, na experiência amorosa, no amar e ser amado, nos sentimos “em casa”. É nosso ambiente natural, o que mais nos realiza e humaniza.
A vaidade seria, portanto, expressão desse natural desejo de ser amado. O problema é a distorção...

O amor nos abre a nós mesmos e ao outro. É o que está preconizado no mandamento maior: amar a Deus de todo coração e de toda a alma, e ao próximo como a si mesmo. O amor é a ponte que nos leva a Deus e nos devolve a nós mesmos e ao outro sem o qual Deus seria irreconhecível. Mas o egoísmo interrompe essa ponte. Qual enchente, leva de roldão nossa capacidade de amar e deixa no lugar os destroços e escombros da nossa vaidade. O Eu ocupa o lugar do Nós.

E assim, na vaidade adoecida, para chegar ao primeiro lugar, ao brilho dos holofotes, vale tudo, até perder-se a si mesmo. Não foi esse o questionamento de Inácio a Francisco? Imagino o santo de Loyola balançando a cabeça e dizendo ao vaidoso amigo: “Xavier, Xavier, de que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se perder sua alma?”.
Não foi, talvez, a vaidade que moveu Marta a ir, apressadamente, arrumar a casa enquanto Maria “escolhia o melhor”, permanecendo ao lado de Jesus?
Tinha razão o Latorraca; a vaidade pode ser um impulso vital para nossos mais profundos desejos, mas é preciso encontrar o seu ponto de equilíbrio e virtude, sem o que, ela resvala dolorosamente para a mediocridade do pecado capital que nos empobrece e desumaniza.

Muito tempo atrás vivi esse dilema. Numa celebração com um grupo mais íntimo, substitui o texto original da leitura do evangelho por uma meditação que fiz sobre o mesmo texto. O pastor que presidia o rito recusou-se a ler e, ao final do culto, me chamou a atenção, criticando duramente o que chamou de vaidade exacerbada da minha parte.
A reprimenda calou fundo, despertando sentimentos de culpa e vergonha. Vaidoso, fechei meu coração. Passei um longo período espiritualmente deprimido (desolação), sem escrever, sem compartilhar, sem me expor. Ao final daquele ano me inscrevi, por telefone, num retiro. O que eu queria era silêncio, paz e oportunidade de rezar as angústias que feriam meu coração.

Chegando lá, a surpresa: o retiro era para noviças de várias congregações religiosas. Eram 39 candidatas a freiras e eu. Se queria passar despercebido, o fracasso estava garantido.
Mas... o Espírito Santo, além, de brincalhão, é muito sensível e competente. O retiro foi uma benção, coroado, ao final, por uma conversa/confissão libertadora.  Contei  do episódio, dos meus sentimentos. Ouviram, sereno, e me perguntaram:
“Rui Eloi, quando você escreve e compartilha um texto, você sente que faz bem às pessoas?
Pensei e respondi com profunda sinceridade: Sim, sinto que faço bem a muita gente.
Pois então, 
se sua intenção ainda não é suficientemente santa, santifique sua intenção, mas não deixe de fazer o bem...”.
Desde então, aprendi a lição: o Mal, vaidoso, não tem nenhum pudor em se fazer e dizer. Adora as manchetes, as vitrines, o horário nobre. O Bem, às vezes, fica cheio de frescuras.
Em Belém, Deus revela sua vaidade maior: ser simples, tão simples quanto o amor pode ser...

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