segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A FACE CANIBAL DO CELULAR


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Canibal é todo aquele que devora indivíduos de sua espécie. Para isso, precisa dominar a presa. Torná-la indefesa. Então, trata de devorá-la.

Esta é a face medonha das redes digitais, tão úteis para facilitar a nossa intercomunicação. Assim como veículos – aviões, carros, motos – são úteis à nossa mobilidade mais rápida e, no entanto, usados também para atentados terroristas, como na queda das Torres Gêmeas de Nova York. Do mesmo modo, as redes digitais possuem seu lado sombrio.

Se não sabemos usá-las adequadamente, devoram o nosso tempo, o nosso humor, a nossa civilidade. Daí a minha resistência de chamá-las de redes sociais. Nem sempre a sociabilidade supera a hostilidade. Inclusive devoram o nosso sono, pois há quem já não consiga desligar o smartphone na hora de dormir. Devoram também a nossa capacidade de discernimento, na medida em que nos tribalizam e nos confinam em uma única visão de mundo, sem abertura ao contraditório e tolerância a quem abraça outra ótica.

A medicina já está atenta a uma nova enfermidade, a nomofobia. Termo surgido na Inglaterra, deriva de no-mobile, destituído de aparelho de comunicação móvel. Em síntese, é o medo de ficar sem celular. É a mais recente doença aditiva, sobre a qual os terapeutas se debruçam. Há quem fique horas nas redes, muito mais naufragando que navegando.

A face canibal do celular devora ainda o nosso protagonismo. É ele que, por via de suas múltiplas ferramentas e aplicativos, decide o rumo de nossas vidas. A enxurrada de informações que recaem sucessivamente sobre cada um de nós, quase todas descontextualizadas, nos conduz inelutavelmente ao território da pós-verdade. Elas tocam a nossa emoção e, céleres, neutralizam a nossa razão. Com certeza a maioria de nós não é capaz de, gratuitamente, ofender um estranho na padaria da esquina. Porém, nas redes muitos endossam difamações, acusações levianas e calúnias. Haja fake news!

Há mais de 70 anos, o frade Dominique Dubarle escreveu sobre a cibernética: "Podemos sonhar com um tempo em que uma máquina de governar viria a suprir a hoje evidente insuficiência das mentes e dos instrumentos habituais da política" (Le Monde, 28/12/1948).

O Leviatã cibernético previsto pelo frade dominicano francês hoje tem nome: Google, Facebook, WhatsApp etc. Essas corporações devoram todos os nossos dados para que a regulação algorítmica repasse às ferramentas incapazes de nos enxergar como cidadãos. Para elas, somos meros consumistas. Eis a era do Big Data.

As redes digitais devoram inclusive a realidade na qual estamos inseridos. Nos deslocam para a virtualidade e ativam em nós sentimentos nocivos de ódio e vingança. O príncipe encantado se transforma em monstro. Os valores humanitários se esgarçam, a ética se dissolve, a boa educação é descartada. Importa agora, com esta arma eletrônica nas mãos, travar a batalha do "bem" contra o "mal". Deletar os inimigos virtuais após crucificá-los com injúrias que se multiplicam através de hiperlink, vídeo, imagem, website, hashtag, ou apenas por uma palavra ou frase.

Eis o que pretende cada emissor: viralizar o que postou. O próprio verbo deriva de vírus, substantivo empregado na biologia; derivado do latim, significa "veneno" ou "toxina". Cria-se assim a pandemia virtual! Preciso ler rápido este email ou zapp porque outros tantos me aguardam na fila! E, se for o caso, responder em texto conciso, ainda que agrida todas as regras da gramática e da sintaxe. Segundo a pesquisadora Maryanne Wolf, em média acessamos, por dia, 34 gigabytes de informação, um livro com 100 mil palavras. Sem tempo suficiente para absorção e reflexão.

Corremos o risco de dar um passo atrás no processo civilizatório. A menos que famílias e escolas adotem algo similar ao advento do carro, quando se percebeu a necessidade de criar autoescolas para educar motoristas. O celular está a exigir, também, uma pedagogia adequada ao seu bom uso.

sábado, 28 de setembro de 2019

UM PUCO DE HISTÓRIA

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“Um povo que não conhece os erros cometidos na sua História está condenado a repeti-los”
Edmund Burke

Em 1960 era eleito presidente do Brasil o senhor Jânio da Silva Quadros, graças a uma campanha cujo símbolo era uma vassoura com a qual iria “varrer a corrupção do Brasil”. Ô sina...

Sete meses depois Jânio renuncia à presidência, num episódio nebuloso e, até hoje, mal explicado.

Negociações com os militares que não aceitavam o vice, João Goulart, ligado aos movimentos de esquerda oriundos do Trabalhismo, resultaram num curto período parlamentarista, que tirava poder do presidente. O primeiro ministro foi Tancredo Neves, que ficou pouco tempo no cargo.

Após um plebiscito (1963), o Brasil voltou ao presidencialismo com Jango exercendo os plenos poderes da função, o que desagradou os podres poderes de sempre.

Veio, então, o golpe de 1964 que gerou um movimento de esvaziamento do mundo civil da política, representado pelas casas legislativas, transferindo o poder para os quarteis.

Num primeiro momento, sob o bastão do marechal Castelo Branco, o regime militar até tentou se apresentar como uma espécie de freio de arrumação destinado a salvar o Brasil da ameaça comunista e recolocá-lo no rumo da democracia. Durou pouco.

Nas eleições estaduais de 1965, realizadas com expressivos nomes da oposição cassados ou exilados, o governo foi derrotado na Guanabara e em Minas Gerais. A derrota desagradou os militares que responderam com a edição do Ato Institucional n° 2 (o AI-2), que extinguiu os partidos existentes e transformou as eleições em indiretas.

Ou seja, ‘bateram’ o título de eleitor de uma geração inteira que deixou de se formar num ambiente de democracia e participação, gerando a atual falta de lideranças que leva o cidadão de hoje a se perguntar: “em quem vou votar?”

E Olha que os meus leitores, hoje, votam para presidente com 16 anos. Eu só tive esse direito aos 36.

O AI-2 teve outros efeitos práticos. Com a extinção dos partidos, para não dizer que não havia ‘liberdade’, os generais autorizaram a organização de duas frentes políticas, uma a favor e outra contra o governo. Nascem, então a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Um certo José Sarney é um dos primeiros a ingressar na ARENA, presidindo a legenda onde ficaria por quase vinte anos. Pulou fora quando percebeu que a vaca do regime estava indo pru brejo e ingressou no PMDB em 1984, quando se tornou candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo Neves para a eleição presidencial indireta de 1985. O resto é História.

Por falar nela, fazendo uma pesquisa genético-histórica da referida ARENA, com seu nome e imagem desgastados pelo fim da censura e a revelação dos bastidores da ditadura, seus membros acharam por bem camuflar-se em outra sigla, o Partido Democrático Social (PDS). Uma parte desse PDS evoluiu (?) para o Partido da Frente Liberal (PFL), que se transformou, hoje, no DEM.

Outros dissidentes fundaram o Partido Progressista Renovador (PPR), e depois o Partido Progressista Brasileiro (PPB), que hoje se chama Partido Progressista (PP) e tem como símbolo e destaque o senhor Paulo Maluf.

As siglas são confusas, mas a genética é precisa e infalível.

O MDB, no seu início, era o espaço legal possível de aglutinação das forças contrárias ao golpe. Uma parcela da oposição optou pela luta na clandestinidade, gerando os movimentos de resistência armada que acabaram desmantelados pelos militares, numa guerra suja (se é que há guerra limpa) e cruel, onde as armas eram a tortura, a censura e a eliminação física, pura e simples, de líderes oposicionistas.

Há dois casos emblemáticos:

Em 1971, o deputado federal Rubens Paiva foi preso em sua casa e dado como desaparecido. Mais de 40 anos depois, após depoimentos de ex-militares envolvidos no caso à Comissão Nacional da Verdade, revelou-se que ele fora torturado e assassinado nas dependências de um quartel militar entre 20 e 22 de janeiro daquele ano, seu corpo foi enterrado e desenterrado várias vezes por agentes da repressão, até ter seus restos jogados ao mar.

Em 1975, Vladimir Herzog, jornalista, professor e dramaturgo, nascido na Iugoslávia e naturalizado brasileiro, era diretor do departamento de telejornalismo da TV Cultura.

Sabendo que estava sendo investigado pelos militares sobre possíveis "ligações e atividades criminosas", apresentou-se espontaneamente para depor no quartel-general do II Exército, em São Paulo.

No dia seguinte apareceu morto, enforcado numa cela, numa tentativa grotesca e canhestra de forjar um suicídio, quando eram evidentes os sinais de que fora torturado e assassinado pelos seus interrogadores.

Nesses tempos trágicos e heroicos, o MDB se destacava graças à liderança de nomes como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, o primeiro de postura aguerrida, quase suicida, e o segundo com posições mais conciliadoras.


Um dia continuarei. Aguardem.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

COMO SUSTENTAMOS OS RICOS


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Em menos de 24 horas a França arrecadou 2 bilhões de euros para reconstrução da Catedral de Notre Dame, na qual fiéis, sacerdotes, bispos e cardeais manifestam a fé de que todos os seres humanos são filhos de Deus e merecem viver com dignidade. A mesma França que desde 1957, ou seja, após 62 anos de independência de suas colônias na África, cobra delas 85% de suas reservas nacionais.

São 15 países que pagam um salvo-conduto à França todo ano. Alguns são marcados por destruição, guerras e fome, como Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Mali, Níger, Senegal, Togo, Camarões, República Centro Africana, Chade, Congo, República da Guiné e Gabão. Destes, seis figuram entre os mais miseráveis do mundo.

Seus governos são obrigados a colocar 60% das suas reservas no Banco da França, e só podem usar 15% ao ano. Caso retirem mais do que isso, devem pagar um ágio de 65% do valor. Ou seja, são penalizados por utilizarem o próprio dinheiro.

Nas ex-colônias africanas, toda descoberta mineral pertence à França. Todo equipamento e treinamento militares têm de ser franceses, o que mostra quem lucra com as guerras locais. Já morreram mais de 350 milhões de inocentes por causas de guerras causadas pela pobreza naqueles países.

Até 2004, o Haiti também tinha de pagar essa mesma taxa à França. Em 1825, quando a independência do Haiti foi reconhecida, o então presidente haitiano, Jean-Pierre Boyer, assinou um acordo com o rei francês Carlos X, pelo qual a importação de produtos da nação caribenha teriam redução de 50% nas tarifas alfandegárias, e o Haiti pagaria à França, em cinco parcelas, uma indenização no valor de 150 milhões de francos, equivalentes hoje a US$ 21 milhões.

Essa quantia seria para compensar os franceses por haverem perdido imóveis, terras e escravos. Caso o governo haitiano não assinasse o tratado, o país continuaria isolado diplomaticamente e ficaria cercado por uma frota de navios de guerra.

Aquele valor equivalia às receitas anuais do governo haitiano multiplicadas por dez. Portanto, o Haiti teve que recorrer a um empréstimo para pagar a primeira parcela. Tomado de um banco francês... Assim começou formalmente o que se conhece como a "dívida da independência". O banco francês emprestou 30 milhões de francos, valor da primeira parcela, da qual deduziu 6 milhões de francos em comissões bancárias.

Com o restante 24 milhões de francos, o Haiti começou a pagar as indenizações. Ou seja, o dinheiro passou direto dos cofres de um banco francês para os cofres do governo francês. E o Haiti ficou devendo 30 milhões de francos ao banco francês, e mais 6 milhões de francos ao governo da França referentes ao valor que faltou da primeira parcela.

Estabeleceu-se uma espiral absurda de dívidas para pagar uma indenização que continuou alta demais para os cofres do país caribenho, mesmo quando foi reduzida à metade, em 1830. Mais tarde, em 1844, o lado leste da ilha se declararia definitivamente independente do oeste, formando a República Dominicana.

Desde então, o Haiti teve que pedir grandes empréstimos a bancos americanos, franceses e alemães, com taxas de juros exorbitantes que comprometiam a maior parte das receitas nacionais.

Finalmente, em 1947, o Haiti terminou de compensar os franceses. Foram 122 anos pagando dívidas desde a independência. E restou ao país a triste realidade de também figurar entre os 20 países mais miseráveis do mundo.

Notre Dame será reerguida, sem dúvida. E ali a glória de Deus será exaltada. Mas, e aqueles que foram criados à Sua imagem e semelhança, a população das ex-colônias?

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

POSSO PERDOAR, ESQUECER NÃO!

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Discordo das afirmações de que Bolsonaro fez um discurso agressivo na ONU. Ele fez um discurso estúpido. Revelou em sua natureza crua a total falta de cultura e de educação, a imbecilidade revestida de ideologia nacionalista, as tiradas de patriotismo hipócrita.

Posso perdoar, embora não poderei esquecer a afirmação de que a Amazônia não seja um patrimônio da humanidade, como se qualquer pedaço de terra no mundo não fosse um patrimônio comum dos humanos. 


Posso perdoar, embora não poderei esquecer, o insulto gratuito aos socialistas do mundo inteiro a partir de uma figura patética, que dá todos os sinais de que sequer saber o que é socialismo. 

Posso perdoar, mas não esquecerei da infame acusação aos índios como culpados pelas queimadas da Amazônia. 

Posso perdoar, mas não poderei esquecer a manipulação pública de uma índia em plena Assembléia Geral para justificar uma política indigenista de extermínio cultural.

De tudo que ouvi de Bolsonaro na ONU, a parte que mais me chamou a atenção foi a que evocou em mim, no final do discurso no estilo hitlerista, carregado de ódio e de falso patriotismo, a frase célebre do grande pensador inglês, Samuel Johnson: 

“O patriotismo é o último refúgio do canalha.”

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

NOSSA SAÚDE X NOVAS TECNOLOGIAS

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As ferramentas digitais têm o poder de transformar em vício o hábito de usar o celular. As empresas provedoras utilizam recursos da neurociência para nos tornar cada vez mais dependentes. Nosso tempo é sugado; nossos dados, roubados; nosso livre arbítrio, violado.

É o mecanismo da "caixa de Skinner", criada em 1931. Um rato dentro da caixa aciona a alavanca que traz o alimento ao seu alcance. Isso quando sente fome. Mas quando a comida lhe é oferecida aleatoriamente, o rato pressiona sucessivamente a alavanca, embora já esteja saciado.

Do mesmo modo somos condicionados pelas ferramentas digitais. Não posso desligar o celular porque a qualquer momento me chegará uma nova mensagem. E crio essa expectativa ainda que não esteja à espera de nenhuma chamada.

Este é o princípio das máquinas caça-níqueis dos cassinos. São programadas para dar pequenas recompensas aos apostadores, de modo a que, no final, as casas de jogo acabem engolindo grandes fortunas. Os jogadores lembram o fumante inveterado que afirma "sou capaz de parar quando quiser" e, no entanto, continua fumando.

Agora o mundo se encontra na expectativa das redes sem fio 5G, de 20 gigabytes por segundo. Elas nos são apresentadas como um incrível avanço que nos permitirá baixar filmes e músicas em milésimos de segundo, e nos conectar simultaneamente com vários usuários por videoconferências, sem risco de distorcer ou cair a comunicação.

Esses avanços tecnológicos seguem a lógica do consumismo descartável. É preciso criar sempre novidades para manter o mercado aquecido. E resultam da associação entre grandes empresas (Veerizon, AT&T, T-Mobile, Sprint, Huawei, China Mobile, China Telecom e China Unicom), governos dos EUA e da China, e agências de espionagem, como CIA e NSA.

A tecnologia 5G é operada como política de governo. O governo chinês a incluiu, como indústria estratégica emergente, em seu 13º Plano Quinquenal. Agora disputa com os EUA a instalação e manutenção da infraestrutura 5G em nível mundial, e a fabricação massiva de produtos (relógios, eletrodomésticos, equipamentos cirúrgicos) capazes de se conectar à infraestrutura 5G (a internet das coisas), assim como as corporações do Vale do Silício fizeram com a tecnologia 4G (Youtube, Uber, Alibaba, Facebook, Waze etc).

Em que medida essa tecnologia põe em risco a nossa saúde e dos demais organismos vivos? As redes sem fio 5G operam através de dois intervalos de frequências diferentes. Uma é a utilizada pelas redes 4G e Wifi. Outra é milimétrica, de maior velocidade, portanto transmitida em intervalos mais curtos. Esse intervalo de frequência milimétrica necessita de altíssima densidade de transmissores por metro quadrado. Isso trará uma multiplicidade de pequenos transmissores em todas as cidades com tecnologia 5G. Esses transmissores estarão compostos por uma tecnologia conhecida como MIMO massivo (múltipla entrada, múltipla saída), que permitirá o funcionamento simultâneo dos transmissores para alcançar a velocidade esperada de 20gigabytes por segundo.

Por meio da tecnologia conhecida como duplex completo os transmissores e os dispositivos (celulares, computadores, etc.) poderão enviar e receber dados na mesma frequência. Porém, essa multiplicidade de transmissores será uma ameaça a todos os organismos vivos expostos à saturação da radiação de radiofrequências.

Hoje, pesquisas científicas comprovam a relação entre enfermidades cardíacas e câncer com a contaminação eletromagnética. A exposição permanente em níveis de radiação de radiofrequências centenas de vezes maiores que as atuais provocará efeitos graves em todos os organismos vivos e em seus respectivos ecossistemas.

A tecnologia 5G, além de agilizar ainda mais a comunicação entre seres humanos e suas instituições, também conectará todos os objetos (automóveis, eletrodomésticos, máquinas, câmeras de vigilância etc.), coroando assim a "internet das coisas" e configurando as chamadas cidades inteligentes – smart cities. Isso criará um campo eletromagnético de enorme potência que, segundo W. Knight (2019), afetará diretamente "as fracas ondas eletromagnéticas que caracterizam os voos dos insetos, por exemplo, e interferirão também em emissões de corpos vivos de maior tamanho, incluídos os nossos".

Pesquisas científicas demonstram que os campos eletromagnéticos (CEM) afetam os organismos vivos (não somente humanos) quando fora da maioria das diretrizes internacionais e nacionais. Seus efeitos, afirma L. Sabini (2019), incluem maior risco de câncer, estresse, aumento de radicais livres danosos, danos genéticos, mudanças estruturais e funcionais do sistema reprodutivo, déficit de aprendizagem e memória, transtornos neurológicos e impactos negativos no bem-estar geral dos seres humanos.

Apesar da ampla documentação sobre os possíveis efeitos negativos dos campos eletromagnéticos sobre os organismos vivos, prevalecem os interesses privados de quem produz tecnologia 5G. É a lógica do sistema – os interesses do capital privado sempre acima dos direitos da coletividade.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

NÃO É UM SONHO É UM RUMO.

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Em 2018, 376 presidiários, que estavam sob a tutela do Estado, foram executados nas cadeias brasileiras. Criamos o caixa dois da pena de morte.

A frase do governador do Amazonas; "ali não tinha nenhum santo", com certeza, deve ter recebido velada ou declarada aprovação de muita gente. Afinal, eram bandidos. Pena que não sejamos tão rígidos com os fabricantes de bandidos. Nossa indignação tem que alcançar o andar de cima, avaliando de forma responsável e crítica as palavras, atos e omissões das nossas ‘otoridades’ constituídas. Afinal, a mesma frase de sua excelência poderia ser usada em relação a muitas casas legislativas do país, em palácios governamentais e tribunais de todas as instâncias. Se aplicaria, igualmente, às salas de diretoria de grandes empresas, empreiteiras e bancos ou à mesa de jantar em que nos sentamos.

Realmente, nenhum de nós é santo... (ainda que fosse preciso, aqui, rever nosso conceito de santidade...)

Não estou propondo que sejamos tolerantes com o crime. Quem já passou pela experiência de ser vítima de um assalto ou outro tipo de violência, sente, claro, uma justa revolta, acrescida de impotência e raiva. Mas esses sentimentos não nos trarão soluções. É preciso reafirmar o desejo de Justiça. É a ela que devemos buscar, não uma vingança pessoal ou social.

E aos que pedem penas mais duras, convido a refletir: quer punição mais dura e cruel que ser colocado em uma cadeia no Brasil, que não seja em Curitiba (ou mesmo em Curitiba)?

Diante desse quadro trágico e doloroso, penso que há um componente que, se considerado, pode ajudar nossa esperança. Refiro-me à indignação e repugnância que tais atos despertam. Aos poucos, vamos percebendo a diferença entre o “comum” e o “normal”.

É comum vermos estampadas nas manchetes notícias de tragédias anônimas ou universais, como um atentado, seja em Berlim ou Bagdá, Istambul ou Paris. Mas temos visto crescer a percepção de que tais atos nunca poderão ser considerados “normais”. E já foi assim.

Na história das civilizações é comum encontrarmos relatos de massacres de comunidades inteiras justificados pela frase “guerra é guerra”. A Bíblia está cheia de narrativas em que os vencidos eram passados a fio de espada. No entanto, devagarinho, engolindo, às vezes, nossos mais primitivos instintos e sentimentos, evoluímos.

Haveria, hoje, clima para aceitar que uma potência despejasse uma bomba nuclear sobre uma cidade dizimando sua população inteira? Há 70 anos os Estados Unidos fizeram isso, duas vezes, contra o Japão.

Há 50 anos o presidente Obama dos mesmos Estados Unidos não poderia se sentar ao lado de um homem branco, num ônibus, em seu país, por causa da cor da sua pele.

A guerra continua sendo guerra, o racismo está aí, assim como a homofobia e todos os preconceitos, mas as atrocidades cometidas em seu nome despertam, cada vez mais, um irreprimível sentimento de rejeição.

A meu ver, estamos nos movendo, ainda que lenta e penosamente, na direção de um mundo melhor.

Calma, não sou ingênuo ou alienado. Não é possível ignorar os absurdos que nos rodeiam e invadem. Minha esperança está ancorada, na verdade, à percepção de um movimento maior na direção de um marco civilizatório mais avançado. E ele não se dá sem tropeços e retrocessos.

A aparente guinada mundial em direção a um pensamento político identificado com a direita mais patética e grotesca, cujo símbolo maior é a eleição de Donald Trump, é um exemplo que, a meu ver, deve ser creditado muito mais à incompetência e até uma certa arrogância das chamadas forças progressistas, que à escolha de um modelo político. É o que vimos, também, aqui no Brasil.

Quando a esperança venceu o medo, em 2003, tivemos a chance de fazer política de um jeito diferente. Fomos cooptados, seduzidos e devorados por um sistema que se reinventa inspirado na máxima de que, de vez em quando, é preciso mudar alguma coisa para não mudar coisa nenhuma...

Mas as marcas, o sabor e o desejo de esperança ficam, em especial no coração de quem entende que somos herdeiros de uma utopia que não é um sonho impossível, mas um rumo.

É para lá que vou em 2020.

Vem comigo?

domingo, 22 de setembro de 2019

O GRITO DOS EXCLUÍDOS

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“A vida em primeiro lugar” continua sendo o horizonte que deu sentido ao tema fundamental do 25º grito dos excluídos que aconteceu em todo o Brasil, a 07 de setembro. Nesse ano, esse grito em favor da Vida se concretiza em uma denúncia que partiu do papa Francisco, ao dizer aos movimentos sociais: Esse sistema mata!

Lutamos por justiça, direitos e liberdade”. A intenção dos que coordenam nacionalmente o Grito dos Excluídos é que nesse 25º ano se possa:

1º - resgatar o projeto que deu origem e sentido ao Grito dos Excluídos.

2º - apontar caminhos a seguir nesse momento atual, tão difícil para o nosso país.

Falar em grito é optar por comunicação. É preciso reavaliar quem grita e para quem se grita. É preciso de fato dar voz e vez aos mais pobres e excluídos. Infelizmente grande parte de nosso povo pobre nem tem consciência de ser excluído e não se interessa por gritar. Por isso, tão importante quanto o Grito que se realiza a cada 07 de setembro, é o processo de formação e discussão com as bases que antecede o grito e que dura praticamente o ano inteiro. Significa dialogar com os movimentos sociais e através deles escutar as realidades que precisam ser denunciadas no Grito. E não basta tomar consciência delas. É preciso saber como lhes dar voz e fazê-las participar ativamente do Grito.

Evidentemente, quando se fez o primeiro grito dos excluídos no ano de 1995 e os dias atuais, o Brasil mudou muito. É preciso perceber essas mudanças para ver em que devemos mudar. Os/as excluídos/as de hoje não são mais apenas os trabalhadores rurais e urbanos. Desde 1995 para cá, a massa de desempregados aumentou muito. E há ainda muitos excluídos pela cor de sua pele. Outros/as são excluídos/as por sua orientação sexual. Nesse ano, em várias regiões do Brasil, povos indígenas estão manifestando presença e gritando como vítimas de profunda exclusão social e humana.

Ao grito dos excluídos humanos, temos de expressar o grito incontido e mudo da mãe Terra agredida. Nesses dias, choramos a destruição progressiva e escandalosa da Amazônia. E não basta chorar. Apesar do papa Francisco ter proposto um Sínodo de bispos católicos do mundo inteiro para tratar da Amazônia, no próprio Brasil, muitos bispos e dioceses continuam alheios ao que está acontecendo. Quando se fala em “Vida em primeiro lugar”, até agora, muitos pastores católicos e grupos de Igreja se interessam apenas pela vida uterina e fazem passeatas pela vida contra o aborto. É preciso integrar no Grito dos Excluídos a voz dos povos da Amazônia e todos os seres vivos ameaçados pelas queimadas, pelo agronegócio e pelas mineradoras que destroem a região. Que esse Grito dos Excluídos seja o grito da terra e da natureza (criação de Deus) que, como diz o apóstolo Paulo, “geme e sofre como em dores de parto e conosco espera a libertação integral de nossas vidas”.

Atualmente há certo consenso de que a concentração e a caminhada do Grito não podem mais ter o estilo único de comício político. A palavra deve ir além do discurso e tomar formas diferentes de arte, gestos e música. Precisa da participação de grupos artísticos, de profissionais do teatro, cantores/as e principalmente garantir um maior diálogo com a juventude, principalmente juventude de periferia. Ainda hoje, no Brasil, é uma tragédia o número de jovens de periferia, principalmente negros, assassinados impunemente.

O projeto do Grito é de fato dar voz e vez a essas pessoas e esses grupos excluídos da sociedade. E ao possibilitar que gritem, que possam estar mais organizados em sua mobilização e saibam exatamente não apenas a situação que estão denunciando, mas também e principalmente, a organização social a que aspiram e desejam.

É essa a proposta do evangelho que mostra Jesus inserido na realidade do povo sofrido. Até hoje, ecoa a palavra do evangelho que afirma sobre Jesus que ele “tinha compaixão e vivia a solidariedade com o povo pobre porque eram como ovelhas sem pastor”.

sábado, 21 de setembro de 2019

BERÇO, CAMINHO E DESTINO.

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A Espiritualidade é, basicamente, uma experiência pessoal, vivida individualmente, e partilhada e alimentada na vida comunitária. Ela também se alimenta do texto sagrado e do diálogo pessoal e profundo com Deus através da oração e da vida. Daí nasce a experiência de ser Comunidade.
Por isso, a importância da dimensão do conhecimento que solidifica a Fé e lhe dá bases humanas, que também são necessárias.

Conhecer a mensagem bíblica, compreender o ‘fio da meada’ da História da Salvação, os mistérios centrais da doutrina cristã: Fé; Trindade, Encarnação, Ressurreição, a realidade sacramental, tudo isso é importante para a caminhada do cristão. Nossa Fé tem uma História. A Bíblia conta essa história. E somos parte dela.

Há várias formas de ler e meditar o texto bíblico. Há quem tenha uma Bíblia na cabeceira da cama e não começa ou termina o dia sem ler um trecho escolhido (a leitura do dia, por exemplo) ou alguma outra escolha, aleatória. Há quem tenha sua Bíblia, na mochila, no carro e, aí, a hora do engarrafamento vira, também, tempo de encontro com a Palavra de Deus.
São pílulas no dia a dia, mas é preciso, também buscar alimento mais sólido, reservar tempo e espaço para um mergulho mais profundo na Palavra de Deus.

Uma das formas de fazer isso é através da “Oração”, método inspirado nos Exercícios Espirituais de Loyola.
A seguir, um resumo dos passos para “entrar” nessa experiência:

01- Encontre um “lugar sagrado” no seu dia a dia. Um espaço tranquilo, onde você possa estar confortável (o corpo também reza), sem ser interrompido(a) ou incomodado(a).

02- Considere o tempo que você terá para a oração. Seja fiel a ele.

03- Respire pausada e profundamente. Inspire, junto com o ar, a graça, a paz, o amor de Deus presentes no Universo. Expire, expulsando de dentro de você, a tensão, as preocupações, o cansaço. Repita esse exercício várias vezes até se sentir pacificado(a).

04- Coloque-se e sinta-se na presença de Deus. Ele está no meio de nós. Ele está à sua frente, para lhe guiar. Atrás de você, para lhe proteger. Sobre você, para lhe iluminar. Dentro de você, para lhe fortalecer, ao seu lado, amigo e companheiro de caminhada...

05- Leia pausadamente, frase por frase, sem pressa o texto bíblico escolhido, ou indicado. Essa primeira leitura é do conhecimento.

06- Releia o texto. Essa segunda leitura é da sensibilidade. Tente perceber palavras ou frases que chamam sua atenção, tocam seus afetos. Repita-as, deixando que movam os sentimentos que estão no seu coração. É a hora em que Deus fala. Ouça-O...

07- Fale com Deus. Ele o(a) escuta. Responda, seguindo o caminho que lhe indica o coração: É hora de pedir, ou agradecer, ou louvar, ou decidir, ou silenciar...

08- Termine sua oração com um pequeno gesto, uma palavra de “até logo” a Deus.

09- Faça um “diário espiritual” dessas experiências. Anote (ou digite) os sentimentos, intuições, decisões e emoções experimentados durante a oração.

10- Busque viver, na vida diária, as percepções experimentadas na leitura orante da Bíblia.
Hoje, diversas “ciências modernas” tem ressaltado a importância da meditação no equilíbrio do ser humano, destacando a importância da espiritualidade para que se tenha uma vida saudável, em todos os níveis e sentidos. A Bíblia é uma fonte preciosa dessa sabedoria. Encontrar no dia a dia, em meio ao corre-corre enlouquecido em que vivemos, espaços e momentos de mergulho profundo em nós mesmos, tendo a Bíblia como “mapa do caminho”, é resgatar o próprio sentido e significado da nossa vida. Deus, que é amor, criou cada um de nós por amor e para o amor. O amor é nosso berço, caminho e destino...

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

NÃO ACREDITO!

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Entre as minhas memórias de uma infância permeada por uma religiosidade onipresente, onde a rigidez da catequese tradicional se diluía na ternura dos muitos pais, mães, avós, tios, irmãos e primos, um bando de gente que se gostava muito, está a celebração de datas religiosas festivas, como o Dia de Santo Antônio.

Confesso que tinha certa antipatia do santo. É que, para os demais habitantes dos altares, bastavam as novenas e terços rezados em família. Pra Santo Antônio, não; com ele era na base da Trezena! Treze dias de reza justamente na hora que passava “As aventuras de Rin Tin Tin” na televizinho do amigo.

Por intercessão miraculosa do santo, nunca esqueci o refrão da oração. Nem nenhum dos meus irmãos e primos que, ao lerem esta crônica, estarão repetindo, entre risos:

“Saiba quem busca milagres, que os enfermos sara Antônio. Afugenta o erro e a morte, calamidade e demônio. Prisões e mares lhe cedem, saúde e coisas perdidas, são aos mancebos e aos velhos, por ele restituídas”...

Pelo que entendi das explicações catequéticas de Dindinha e das outras tias, Santo Antônio era responsável pelo setor celeste de Achados e Perdidos, entre outras habilidades, como arrumar namorado e marido para as moçoilas casadouras. Dindinha não deve ter rezado com muita fé, pois foi a única das tias a não se casar. Sorte nossa, que a tivemos como segunda mãe de todo mundo.

Hoje, menino crescido, desacreditei de milagres, mas, na minha incredulidade distraída, vivo tropeçando neles o tempo todo. Eu explico.

Os milagres nos quais não acredito são esses anunciados no Rádio e TV, em horários comprados a peso de dízimo, em rede nacional, ou prometidos em faixas, cartazes, outdoors e panfletos distribuídos aos milhares nos sinais, nas filas de ônibus, nas esquinas das grandes cidades.

Não acredito nos milagres de escambo, em que graças são trocadas por ‘donativos espontâneos’ que medem, conferem e atestam a fé do cliente, ou melhor, do fiel. Quanto maior o valor ‘doado’, maior a fé, maior a retribuição milagreira nessa lógica de igrejas que se tornam grandes empresas empenhadas em pequenos e rentáveis negócios...

Não acredito nos milagres da teologia da prosperidade, que atribui o sofrimento humano a demônios que são diariamente expulsos e voltam no dia seguinte, num moto contínuo que esquece a injustiça enquanto enche os cofres das tais igrejas. Que vê na miséria um castigo, uma maldição aos que estão possuídos pelo diabo, e na riqueza e opulência, inclusive dos seus líderes e pastores, um prêmio pela fé traduzida nos envelopes e sacolinhas que recolhem a doação nossa de cada dia.

Não acredito, tampouco, nos milagres que servem para atestar santidades, garantindo vaga na glória dos altares.

Não acredito nos milagres dos santuários e suas salas de milagres, com a sombria e tétrica decoração de muletas, cadeiras de rodas, membros de cera, fotos de anônimos e camisas de jogadores de futebol.

Não creio nos milagres garantidos pela chantagem das rezas bravas, das orações poderosas, das sete almas benditas, sabidas e entendidas, das novenas infalíveis.

Não creio em santos milagreiros e suas especialidades: santos para quem tem pressa, para as causas impossíveis, santos que desatam nós e encontram coisas perdidas, santos e santos para todas as necessidades da vida. No entanto, na minha descrença, convivi e convivo, o tempo todo, com santos e santas elevados à glória desse imenso altar chamado cotidiano.

Santa Maria do Cafezinho e São Tião Porteiro. São Beto e São Pacheco, que celebram a vida comigo, no bar do Carrapicho. Os santos e santas que leem essas crônicas e, de quando em vez, deixam na minha página um emoji anti solidão.

Essa gente me faz ver milagres aos montes, todo dia.

Estar aqui, escrevendo essas coisas, é um milagre. Você, lendo, outro maior ainda.

É um milagre que ainda sejamos um país, com a História que temos e os políticos que elegemos.

É um milagre acreditar desconfiando, amar em tempos de tanto ódio, esperar contra toda a esperança.

O Deus em que creio se faz milagre, anônimo e cotidiano, em cada um de nós...


quinta-feira, 19 de setembro de 2019

VIVER HOJE


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Desde que nasci, vivo num tempo chamado HOJE.

Hoje é a minha eternidade.

Aprendi que; “o passado já não é, o futuro ainda não é”.

Resta-me o Hoje para ser feliz.

“Carpe diem”, diz o ditado latino, “aproveite o dia de hoje..."

Não é tão simples como parece...

Do passado sopram ventos e brisas trazendo perfumes que evocam saudades.

O futuro se revela em frestas por onde vislumbramos medos e esperanças.

Ainda assim, resta-me o Hoje, o que tenho de real é o Hoje. O que fazer com ele?

Ouço, sempre, o mesmo e previsível chavão; “viva o hoje, aproveite a vida, curta o tempo livre...”

O Tempo até pode ser livre, mas é impossível se libertar do tempo. Não é tão simples como parece...

Viver o Hoje traz, consigo, prazer e amenidades, contradições e crueldades.

Meditando sobre isso, lembrei-me do filme “Chuvas de verão”, de Cacá Diegues. Ele conta a história de Afonso (magistralmente interpretado por Jofre Soares) um funcionário público que ao se aposentar ganha de presente, dos companheiros de trabalho, um relógio. Era um costume, em outras épocas.

Não deixa de ser irônico (e até cruel) ganhar de presente uma máquina de marcar o tempo, quando o que você mais quer é não ter tempo marcado para nada.

Aos setenta anos, Afonso só pensa em ficar de pijamas o dia todo.

Tudo começa a mudar quando uma relação de amizade com Isaura, sua vizinha (papel sensível e tocante de Miriam Pires), revela-se um amor que surpreende e encanta àquela altura da vida.

Ufa! Encontro aí o elo que faltava para ligar o hoje ao passado e ao futuro: o amor.

O amor é a verdadeira eternidade.

Preenche todos os espaços, atravessa o tempo, o sentimento, renova o sonhar, o desejar.

“Tudo vai passar”, diz Paulo, a mim e aos coríntios. “Só o amor permanecerá...”

Amor é permanência.

A paixão quer pra já, o amor quer pra sempre...

Não há relógio capaz de marcar ou limitar espaços e horas, para quem sente o desejo do amor, para quem vive a decisão de amar.

Deus só é eterno, porque é amor...

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

E EU É QUE SOU LOUCO

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Sou humano. E, por ser humano, estou exposto, tanto quanto todos os meus colegas humanos, a esse velho mal do novo século chamado “Ansiedade”.

Ansiedade: substantivo feminino; grande mal-estar físico e psíquico; aflição; agonia; desejo veemente e impaciente”. Tá tudo aí...

Senti o monstro (ou a monstra, já que é feminino) crescendo dentro de mim à medida que lia o livro “Depois a louca sou eu”, da Tati Bernardi. Como escreve bem e vive mal essa moça.

Não, não a estou recriminando ou julgando, ao contrário, me senti absolutamente solidário a ela. Mas, o que pode ter sido divertido para muitos leitores, para os ansiosos de plantão a leitura do livro é uma tortura sem fim, uma dolorosa experiência de auto reconhecimento.

Ainda bem que há, no livro, um capítulo chamado ‘Você não está sozinho’.

Somos tantos que, sabendo que somos muitos, a indústria farmacêutica e o mercado paralelo de felicidade instantânea investem milhões para tomar os nossos trocados, que somados, transformam-se em bilhões. E a promessa é sedutora: felicidade assim, tipo miojo, em três minutos. É só seguir as instruções da embalagem...

Senão, vejamos:

1: Consuma alimentos que ajudem a combater a ansiedade. Salmão, por exemplo, é ótimo, mas se você não tiver grana pra comprar um salmão vai ficar mais ansioso ainda e vai acabar devorando um XisTudo no Komilão, no começo de uma longa madrugada. Na sequência, vai trocar ansiedade por culpa, o que vai lhe trazer mais ansiedade ainda.

2. Então, saia do Komilão e pratique exercícios físicos, o que vai ser difícil graças justamente aos quilos a mais adquiridos no Komilão.

3. Ok, teste o ‘mindfulness’, uma técnica de se interiorizar e parar de se preocupar. Simplesmente preencha sua mente com o vazio. Preencher a mente com o vazio... É assim: feche seus olhos e medite, prestando atenção à sua respiração e aos barulhos do seu corpo. O problema é que alguns barulhos do seu corpo podem ser desagradáveis e incômodos (especialmente para quem estiver próximo), o que pode facilitar o esvaziamento intestinal mas dificultar o esvaziamento mental.

4. Faça exercícios respiratórios. Os gurus indianos dizem que quando passamos por momentos de ansiedade devemos fechar os olhos e respirar profundamente por 10 vezes. O risco é ficar ansioso contando as respiradas; ‘Já dei dez? Não, foram oito? Estou tonto, acho que foram 53...’.

5. Tente relaxar. O relaxamento pode ser feito sempre que a ansiedade bater à sua porta. Deite e se imagine em uma praia ou em uma cachoeira. Respire profundamente aliviando todas as tensões do dia. Coloque uma música suave e “entre na música”, acalme-se e deixe os problemas de lado.

Cuidado onde vai se deitar. Seu colchão com a mola espetando não é exatamente uma esteira numa praia do Caribe. E se imaginar-se na Bahia, imediatamente vai aparecer um nativo dizendo “vai uma água de coco, meu rei?”. E vai ser difícil imaginar-se numa cachoeira ou ‘entrar numa música’ com o trânsito, o vizinho, o cachorro do vizinho, todos rugindo bem ali, na sua janela.

6. Use ervas medicinais. Nada como um chá de camomila para acalmar os ânimos mais exaltados. Outra opção é ter um travesseiro com camomila dentro, isso te relaxará ainda mais ao deitar.

Ou seja, é bem simples: sua vida vai ser perfeita se você comer salmão, praticar exercícios físicos, fizer mindfulness, respirar dez vezes e relaxar, desde que esteja morando numa horta de camomila...

Ou... tome um Rivotril

terça-feira, 17 de setembro de 2019

ENRIQUEÇA O SEU VOCABULÁRIO


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Não, não vou começar mais um daqueles discursos de facebook espinafrando o Brasil e o brasileiro. Aliás, está rolando na rede uma montagem que faz isso com mais competência.

Confira em : http://www.revistaforum.com.br/2016/01/05/a-sujeira-do-reveillon-nos-eua-a-de-copacabana-e-nosso-eterno-complexo-de-vira-latas/

Quero, aqui, destacar um aspecto da crise que vem produzindo um dicionário mais curioso e confuso que aquele gerado pela polêmica reforma ortográfica dos países de língua portuguesa. Os verbetes selecionados nesse presente dicionário podem ajudar algum ET que aterrisse no nosso planalto central a entender o Brasil e os brasileiros.

À cada acusação, “eivada” de provas, o acusado deve responder: são “ilações”.
Advogados pagos a peso de ouro pontificam: há “inconsistências” no processo.

Conta secreta na Suiça virou “offshore” ou “trust”.

Propina é “pixuleco”.

Formação de quadrilha é “aliança entre partidos”.

Financiamento de campanha é “caixa dois ou troca troca”.

Dedoduragem é “delação premiada”.

Dar o cano na praça é “pedalada fiscal” (queria dar uma no meu IPTU e no IPVA).

Passear de avião por conta do contribuinte (tucano adora) é “viagem de interesse público”, mesmo se for para fazer uma reforma na peruca ou passar carnaval e réveillon no Rio de Janeiro.

Assalto ao bolso do cidadão é “ajuste fiscal”.

Zona de guerra urbana não declarada é “comunidade pacificada”.

Roubo escancarado tanto pode ser “enriquecimento ilícito” quanto “aumento patrimonial incompatível com a renda”.

Medida provisória é ferrada permanente.
E, a joia da coroa: Deu! virou “impeachment”.

Na revista Reader’s Digest havia uma página chamada “Enriqueça o seu vocabulário”. Quer enriquecer o meu, o nosso? Contribua aqui.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

AMAR E SER AMADO

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Não tenho problema com a rotina. Aliás, sinto falta dela. Rotineiramente, sempre tenho muito o que fazer. O problema é que vivo e convivo num mundo ansioso, que parece rejeitar a rotina, sempre em busca de algo novo, espetacular, extraordinário. Isso existe, claro, mas é raro. Para quem vive rotinas, a sabedoria está em descobrir o extraordinário que se revela, muitas vezes, naquilo que é mais ordinário...

Há um texto bíblico ao qual sempre volto em oração quando a vida começa a querer se complicar. Está lá:

Deus marca um encontro com o profeta Elias no alto do Monte Sinai, a montanha sagrada. Elias para lá se dirige e passa a noite em vigília, à espera do Senhor.

... soprou, então, um vento muito forte, que rachou os morros e quebrou as rochas em pedaços. Mas o Senhor não estava no vento. Quando o vento parou de soprar, veio um terremoto tremendo; porém o Senhor não estava no terremoto. Depois do terremoto veio um fogo abrasador que a tudo consumia, mas o Senhor não estava no fogo. Então, depois do fogo, veio o sussurro de uma brisa calma e suave...

Quando Elias ouviu o sussurro da brisa, cobriu o rosto com a capa. Então saiu e ficou na entrada da caverna. E a voz do Senhor lhe disse: O que você está fazendo aqui, Elias?

E ele respondeu: Ó Senhor, Deus Todo-Poderoso, vim para servir a ti e só a ti...

Não preciso me perder em grandes elucubrações teológicas e catequéticas para entender: Deus se revela no simples...

Essa meditação me veio ao coração a partir de uma cena ordinária. Em viagem para São Paulo, na fila de um dos muitos pedágios da Fernão Dias, vi quando o motorista do carro à minha frente estendeu a mão para pagar os 2,20 da taxa e uma das moedas caiu ao chão. Rapidamente, a moça do pedágio jogou pela janela um barbante em cuja ponta havia um imã e ‘pescou’ a moeda.

Diante daquela moeda caída, o computador que ela tinha à sua frente, os radares, as cancelas automatizadas, tudo era inútil. Nenhuma tecnologia digital resolveria o prosaico problema de uma moeda no chão. Mas ela tinha um barbante e um imã...

Dizem que Bill Gates tem, em sua sala, uma mesa de trabalho cujo tampo é uma tela touch screen. Dali ele controla o império Microsoft. Mas, no canto da mesa, numa caixinha de acrílico, ele guarda... clips!

É bom que as festas venham e passem, que os fogos espoquem e se apaguem, e a gente fique com a sensação de que algo mudou. Precisamos do novo, mas não podemos nos esquecer que Deus é simples, Deus é sempre, Deus é amor.

E não há simplicidade maior, rotina mais prazerosa, que amar e ser amado..

sábado, 14 de setembro de 2019

UM SER TRISTE.

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Não aconteceu de uma hora pra outra. Entristecer é um itinerário que se faz ladeira abaixo e, como diz o ditado, “pra baixo todo santo ajuda”.

Todo demônio também...

Foi um entristecer gradativo, uma perda inconsciente e progressiva de espontaneidade e alegria que lhe foi tirando cor dos pensamentos, silenciando palavras, atrofiando gestos.

A vida foi ficando cinza...

O sorriso, antes solto, fácil, foi se embotando, a começar pela capacidade de rir de si mesmo. Passou a levar a sério a sua tristeza.

Começou a contabilizar as perdas, mais que as conquistas.

Aos poucos, uma amnésia afetiva foi-se acumulando como poeira, escorrendo do cérebro, qual gelada lava, até seu coração.

Não se lembrava da última palavra de ternura que falara ou ouvira, nem o último gesto de carinho que dera ou recebera.

Por fim, era um homem triste., tornou-se um homem triste...

Algumas pessoas, mais próximas ou mais atentas, até perceberam, mas tinham suas próprias tristezas com que lidar. As tentativas fraternas de consolo, estímulo, incentivo, foram ficando tímidas e morreram dessa inanição que nasce com a impaciência.

Passou a pensar na morte, não como uma ruptura dramática, espetacular, mas como um lenitivo para aquele cansaço. Estava cada vez mais difícil carregar nas costas o peso dos dias.

Sentia saudades de suas crenças e alegrias.

Fora um homem de fé.

Quando a fé se eclipsava, recorria à esperança.

Mas, acima de tudo, apegava-se ao amor, como seu berço, caminho e destino.

Quando o amor lhe faltou, definitivamente, entristeceu...










quarta-feira, 11 de setembro de 2019

FALTA MUITO POUCO PARA TRANSFORMAR O BRASIL EM UMA CUBA


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A cada dia que passa ficam mais claras as semelhanças entre o governo do capitão e dos ditadores da América Central alçados ao poder no século passado pelo serviço de inteligência norte-americano. Entre estes estão os Somozas, na Nicarágua, Manuel Noriega, no Panamá, e Fulgencio Batista, em Cuba. 
Todos contaram com apoio incondicional do governo dos Estados Unidos e para ele trabalharam incansavelmente. Um deles, o coronel Fulgencio Batista, chegou a ser presidente eleito antes de se tornar ditador nos anos 1950. Seu governo autoritário suspendeu a Constituição do país, estabeleceu a pena de morte e revogou as liberdades políticas, entre elas o direito de greve. 
Qualquer semelhança com o nosso capitão não é mera coincidência. Os apoiadores de Bolsonaro também defendem abertamente atentados à democracia. Querem, entre outras medidas, que seu líder feche o Congresso e o STF. O próprio filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, chegou a dizer publicamente que para o governo fechar o Supremo bastava um soldado e um cabo. Também como Batista, Bolsonaro conta com apoio dos latifundiários. Em Cuba eles plantavam apenas fumo e cana de açúcar, no Brasil criam gado e plantam soja e algodão.  
Na Cuba de Batista, a economia estagnada ampliou a pobreza, aprofundando ainda mais as desigualdades sociais. Algo que também vem ocorrendo de maneira devastadora em nosso país.  O governo de Batista transferiu para multinacionais americanas o patrimônio e o direito de exploração de propriedades pertencentes ao Estado cubano. 
Algo bem parecido com a privatização em marcha de grandes empresas, como Petrobras e Banco do Brasil, e concessões públicas de aeroportos, portos e ferrovias. Tudo está pronto para ser entregue, até mesmo os santuários da biodiversidade, como a Floresta Amazônica, os Lençóis Maranhenses e o Pantanal.  
No submundo da ditadura cubana pró Estados Unidos os negócios lucrativos estavam nas mãos das máfias em Havana, que dominavam os jogos de azar, a prostituição e o tráfico de drogas. No Brasil de Bolsonaro o submundo do crime é controlado pelas milícias que atuam nas periferias do Rio de Janeiro. Controlam parte do tráfico, a prostituição e os negócios imobiliários clandestinos. 
Alguns estão tão bem de vida que moram no mesmo condomínio do presidente. Outros tinham parentes empregados nos gabinetes dos filhos do capitão.  Bolsonaro não suporta críticas e tem atacado com frequência os jornalistas que cobrem o Planalto. A Secom em sua gestão cortou receitas dos jornais impressos e redirecionou as verbas publicitárias das grandes redes de televisão.  
No poder, Batista impôs censura aos meios de comunicação, perseguiu jornalistas e utilizou o aparelho repressivo para torturar e matar opositores. Tudo no melhor estilo das ditaduras do Cone Sul dos anos 1960/1980, enaltecidas pelo capitão presidente.  Sobre a subserviência de Cuba aos EUA o ex-embaixador americano na ilha, Earl Smith, disse: “Sempre que eu pedia ao presidente Batista o voto de Cuba para apoiar os Estados Unidos nas Nações Unidas, ele instruía seu ministro das Relações Exteriores a que a delegação cubana votasse de acordo com a Delegação dos Estados Unidos e a dar total apoio à delegação americana nas Nações Unidas”.
Bolsonaro inovou. Pretende hoje colocar na Embaixada do Brasil em Whasignton o próprio filho, uma espécie de garoto de recados do governo Trump. Pelo menos em um ponto concordo plenamente com o discurso de Bolsonaro, o Brasil corre mesmo o sério risco de virar uma Cuba: a do coronel Fulgencio Batista.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

SOMOS TODOS LADRÕES

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Nos meus tempos de aluno  havia um tipo de questão usada em provas que era da minha especial predileção. O professor alinhava uma série de frases, com parênteses ao lado, e enunciava: “Coloque Falso (F) ou Verdadeiro (V) nas afirmativas abaixo”.

Eu adorava. As questões que eu sabia, sabia, e nas que não sabia tinha 50% de chance de sacar corretamente. Eram tempos de uma metodologia avaliativa curta e grossa que causaria horror e espanto aos pedagogos atuais.

Então, para matar as saudades, vou propor a vocês um exercício daqueles tempos, usando como referência algumas questões atuais. Vamos lá:

“Coloque F ou V nas afirmativas abaixo”.

01- ( ) Renan Calheiros, Jucá e Sarney receberam milhões em propina

02- ( ) Aécio Neves está envolvido em desvios de dinheiro público no escândalo de Furnas

03- ( ) Policiais militares alteram cena de crime para esconder execução

04- ( ) Todos os partidos políticos, do PT ao PSDB, recebem dinheiro no caixa 2

05- ( ) Padre abusa de deficiente mental

06- ( ) Juiz federal troca sentenças por propina

07- ( ) Líder evangélico compra fazenda de 20 milhões com dízimo dos fiéis

08- ( ) Policiais civis cobram “pedágio” de traficantes para liberar o tráfico

09- ( ) Dono de empreiteira paga milhões em suborno para conseguir contratos com o governo

10- ( ) País perde bilhões com sonegação de impostos e pirataria

Acho que nessa prova periga todo mundo tirar um dez... Infelizmente.

Não sei se você reparou, mas nas questões acima são citados representantes das principais instituições do país. As várias instâncias do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, as Igrejas, a Polícia, o setor empresarial privado e até o cidadão comum, aquele que, quando pode, frauda o Imposto de Renda ou compra produto pirata no camelô da esquina.

Um dos princípios básicos do Direito é o benefício da dúvida. Hoje vivemos o malefício da certeza.

Imagino que a maioria, senão todos os leitores, cravaram (V) em todas as questões, o que vem a ser uma tragédia política e um tiro quase fatal na nossa esperança.

Por trás dessa descrença geral na capacidade ética e moral das nossas autoridades, se esconde um corporativismo cínico e cruel, que estende sobre toda uma instituição a lama que pertence a parte dela.

Quando um grupo de deputados se reúne para blindar um colega ladrão, o senso comum intui: “são todos ladrões”. Quando autoridades religiosas acobertam crimes cometidos por alguns dos seus membros uma nuvem de descrédito paira sobre toda a instituição. Quando policiais e juízes, pagos para proteger o cidadão em sua integridade e direitos, tornam-se carrascos desse mesmo cidadão, quando representantes eleitos para defender os interesses de seus eleitores e garantir o bem estar social tornam-se defensores de seus próprios interesses ou de seus grupos, fazendo na vida pública o que fazem na privada, ou seja, cagada, o desencanto é geral, a esperança, qual Inês, é morta.

Daí advém minha ira indignada com Bolsonaro e grande parte dos seus. Eleitos pela nossa ânsia de moralidade e ética, conduzidos ao poder por apresentarem à sociedade a possibilidade de fazer política de um modo diferente para fazer diferença, assim que chegaram lá, em nome da tal governabilidade, aceitaram o jogo de alianças que fizeram dos nossos sonhos e do projeto de um país mais que verdadeiro (V), uma triste e decepcionante falsidade (F).

Há quem comemore o naufrágio do PT e de tudo o que ele representou, um dia. Eu lamento.

Há quem esteja festejando a mais que previsível e progressiva desmoralização do desgoverno Temer. Eu lamento.

Há quem diga “não voto mais em ninguém, não há em quem votar”. Eu lamento.

É fácil dizer “são todos ladrões”! Mas o mais trágico seria ter o malefício da certeza e admitir nosso complexo de vira-latas: “somos todos ladrões!”.

domingo, 8 de setembro de 2019

EM PRETO E BRANCO...

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Em meio ao impacto do noticiário massivo da tragédia de Brumadinho, assisti o filme “Roma” com o coração e a memória em angustiada ebulição.
Foi uma surpresa. Ou várias.

O filme, dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón (Gravidade, O labirinto do Fauno...), recebeu 10 indicações ao Oscar. Já faturou o Leão de Ouro de melhor filme no Festival de Veneza e só não recebeu o Globo de Ouro na mesma categoria por conta de um muro, ou melhor, uma regra que diz que apenas filmes feitos em língua inglesa podem concorrer. O que não é o caso de Roma, inteiramente falado em espanhol.

A história se passa no início dos anos 1970, num bairro chamado Roma, na cidade do México.
Aqui cabe uma pergunta: que história?

A surpreendente câmera de Cuarón acompanha sem pressa a rotina silenciosa de uma moça, Cleo, (Yalitza Aparicio), que mora e trabalha como babá e empregada doméstica na casa de uma família de classe média mexicana.

Em vários momentos o filme remeteu minhas lembranças à obra de Autran Dourado, “Uma vida em segredo”, que li na adolescência, onde a figura da humilde Biela, com seu jeito acanhado, leva a inevitáveis contatos com Cleo, a empregada mexicana. Ambas revelam personagens que são símbolo de um mundo pobre, rude, onipresente e invisível. Mas Cuarón convida a ir além da superfície das coisas e pessoas.

Apresenta o filme em preto e branco, o que não significa apenas uma opção estética. A realidade da vida de Cleo tem poucas cores. Em destaque, as banalidades do dia a dia, as sequências repetitivas, longas, por vezes cansativas, tão monótonas como o ir e vir das tarefas domésticas (todo dia ela faz tudo sempre igual...). Em oposição aos efeitos especiais espetaculares dos blockbusthers de super-heróis ultrapoderosos, Roma é um filme lento, arrastado, onde é a delicadeza nua e crua da personagem central que tem o suave poder de iluminar tudo e todos que ela toca e, literalmente, abraça.

Até na cena da qual ela poderia emergir como uma verdadeira heroína, o que se destaca é uma imensa, demorada e angustiante sensação de que deveria acontecer algo espetacular, que não acontece. Da ficção possível, sobra apenas o real.

Tudo e todos giram em trono de Cleo e ela parece ser ninguém.

Se fosse uma novela da nossa TV não ficaria uma semana em cartaz. Um autor de novelas precisa escrever 300 capítulos em que todos, sem exceção, terminem com uma emoção no ar, uma dúvida, um susto, um flagrante, um quase beijo a nos pegar pela curiosidade que alimenta a expectativa pelas cenas dos próximos capítulos.

Não é nem será assim na vida de Cleo, das milhões de Cleos espalhadas pelo mundo, algumas delas bem próximas de nós.

Antes de dormir, ela percorrerá silenciosamente os cômodos da casa, abençoando crianças que não são suas, recolhendo brinquedos e roupas largados pelo chão, apagando luzes, fechando portas e janelas, catando o cocô do cachorro que, amanhã, estará de novo à sua espera.

Respiro (ou suspiro?) de dor e alívio, diante da homenagem cinematográfica à triste e irresistível beleza dessa banalidade invisível, que Trump e outros estúpidos tiranos querem negar e excluir com muros e fakes. Eles nunca serão capazes de entender que a Arte ‘nos salva e nos salvará dessas trevas, e nada mais’...

Os eleitores do Oscar e os assinantes do Netflix estarão perplexos diante desse espetáculo em preto e branco, assim como estamos diante do marrom ocre das também onipresentes lamas da Vale.

E não estou falando de cores...