quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

O QUE QUERO DO ANO NOVO.

Quero um Ano Novo onde, se Deus quiser, todas as crianças, ao ligarem seus apetrechos eletrônicos, recebam um banho de Mozart, Pixinguinha e Noel Rosa; aprendam a diferença entre impressionistas e expressionistas; vejam espetáculos que reconstituem a Balaiada, a Confederação do Equador e a Guerra dos Emboabas; e durmam após fazer suas orações.

Quero um Ano Novo em que, no campo, todos tenham seu pedaço de terra, onde vicejem laranjas e alfaces, e voejem bem-te-vis entre vacas leiteiras. Na cidade, um teto sob o qual reluz o fogão de panelas cheias, a sala atapetada por remendos coloridos, a foto colorida do casal exposta em moldura oval sobre o sofá.

Espero um Ano Novo em que as igrejas abram portas ao silêncio do coração, o órgão sussurre o cantar dos anjos, a Bíblia seja repartida como pão. A fé, de mãos dadas com a justiça, faça com que o céu deixe de concentrar o olhar daqueles aos quais é negada a felicidade nesta terra.

Um Ano Novo Feliz com casais ociosos na arte de amar, o lar recendendo a perfume, os filhos contemplando o rosto apaixonado dos pais, a família tão entretida no diálogo que nem se dá conta de que a TV e os celulares são aparelhos mudos e cegos num canto da sala.

Desejo um Ano Novo em que os sonhos libertários sejam tão fortes que os jovens, com o coração a pulsar ideais, não recorram à química das drogas, não temam o futuro nem se expressem em dialetos ininteligíveis. E que compareçam às urnas em outubro para resgatar as políticas públicas de proteção social, a redução da desigualdade social, a autoestima do povo brasileiro e a soberania nacional.

Espero um Ano Novo em que cada um de nós evite alfinetar rancores nas dobras do coração e lave as paredes da memória de iras e mágoas; não aposte corrida com o tempo nem marque a velocidade do tempo pelos batimentos cardíacos.

Um Ano Novo para saborear a brevidade da vida como se ela fosse perene, em companhia de ourives de encantos.

Quero um Ano Novo em que a cada um seja assegurado o direito do emprego, a honra do salário digno, as condições humanas de trabalho, as potencialidades da profissão e a alegria da vocação.

Rogo por um Ano Novo em que a polícia seja conhecida pelas vidas que protege e não pelos assassinatos que comete; os presos reeducados para a vida social; e que os pobres logrem repor nos olhos da Justiça a tarja da cegueira que lhe imprime isenção.

Um Ano Novo sem políticos mentirosos, autoridades arrogantes, funcionários corruptos, bajuladores de toda espécie. Livre de arroubos infantis, seja a política a multiplicação dos pães sem milagres, dever de uns e direito de todos.

Espero um Ano Novo em que as cidades voltem a ter praças arborizadas; as praças, bancos acolhedores; os bancos, cidadãos entregues ao sadio ócio de contemplar a natureza, ouvir no silêncio a voz de Deus e festejar com os amigos as minudências da vida – um leque de memórias, um jogo de cartas, o riso aberto por aquele que se destaca como o melhor contador de anedotas.

Desejo um Ano Novo em que o homem jamais humilhe a mulher; a professora de cidadania não atire papel no chão; as crianças cedam o lugar aos mais velhos; e a distância entre o público e o privado seja espelhada pela transparência.

Quero um Ano Novo de livros saboreados como pipoca, o corpo menos entupido de gorduras, a mente livre do estresse, o espírito matriculado num corpo de baile ao som dos mistérios mais profundos.

Espero um Ano Novo cujo principal evento seja a inauguração do Salão da Pessoa, onde se apresentem alternativas para que nunca mais um ser humano se sinta ameaçado pela miséria ou privado de pão, paz, saúde, educação, cultura e prazer.

Um Ano Novo em que a competitividade ceda lugar à solidariedade; a acumulação à partilha; a ambição à meditação; a agressão ao respeito; a idolatria ao dinheiro ao espírito das Bem-Aventuranças.

Aspiro a um Ano Novo de pássaros orquestrados pela aurora, rios desnudados pela transparência das águas, pulmões exultantes de ar puro e mesa farta de alimentos despoluídos.

Um Ano Novo que seja o último da Era da Fome.

Desejo um Feliz Ano Novo de muita saúde e paz aos meus pacientes leitores – os que concordam e também os que discordam.

Rogo por um Ano Novo que jamais fique velho, assim como os carvalhos que nos dão sombra, a filosofia dos gregos, a luz do Sol, a sabedoria de Jó, o esplendor das montanhas de Minas, a literatura de Machado e Rosa.

Desejo um Ano Novo tão novo que traga a impressão de que tudo renasce: o dia, a exuberância do mar, a esperança e a nossa capacidade de amar
. Exceto o que no passado nos fez menos belos, generosos e solidários.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

OQUE NÃO QUERO NESTE NATAL.

 

Neste Natal, não quero o Papai Noel das promoções comerciais, das ceias pantagruélicas, dos presentes caros embrulhados em afetos raros. Quero o Menino nascido esperança em um pasto de Belém, e Maria a cantar que os abastados serão despedidos de mãos vazias e os pobres, saciados de bens.

Não quero o Papai Noel do celofane brilhante das cestas de produtos importados e das garrafas nas quais os néscios afogam tristezas rotuladas de alegrias. Quero o Menino palestino em busca de uma terra onde nascer e viver, o Menino judeu arauto da paz aos homens e mulheres de boa vontade, o Menino poupado da estupidez das guerras.

Neste Natal, dispenso abraços protocolares e sorrisos sob medida, sentimentos retóricos e emoções que encobrem a aridez do coração. Quero o amor sem dor, a oração só louvor, a fé comungada com sabor de justiça. Não quero presentes dos ausentes, a litúrgica reverência às mercadorias, a romaria pagã aos templos consumistas. Quero o pão na boca da criança faminta, o acolhimento aos refugiados, a paz aos espíritos atribulados, o gozo de contemplar o Invisível.

Neste Natal, não quero troca de produtos entre mãos que não se abrem em solidariedade, compaixão e carinho despudorado. Quero o Menino solto no mais íntimo de mim mesmo, a semear ternura em todos os canteiros em que as pedras sufocam as flores. Quero o silêncio indevassável do mistério, o canto harmônico da natureza, a mão que se estende para que o outro se erga, a fraternura de amigos abençoados pela cumplicidade perene.

Neste Natal, não me interessam as oscilações dos índices financeiros, as promessas viciadas dos políticos, os cartões impressos a granel, cheios de colorido e vazios de originalidade. Quero as evocações mais ternas: o cheiro do café coado pela avó, o som do sino da matriz, o rádio Philco exalando sabonete Eucalol, enquanto a babá me via brincar no quintal.

Não quero as amarguras familiares que se guardam como poeira nas dobras da alma, as invejas que me alienam de mim mesmo, as ambições que me tornam tristes como as galinhas, que têm asas e não voam. Quero os joelhos dobrados no átrio da igreja, a cabeça curvada ao Transcendente, a perplexidade de José diante da gravidez inusitada de Maria.

Neste Natal, não irei às ruas febris dos mercadores de bens finitos, não disfarçarei em algodão a neve que se amontoa em meus dessentimentos, nem prenderei falsas sinetas no frontispício de minha indiferença. Quero o segredar dos anjos, a alegria desdentada de um pobre reconhecido em seu direito, a euforia imaculada de um bebê acolhido em braços amados. Não viajarei para longe de mim mesmo. Mergulharei no mais profundo de mim, lá onde as palavras se calam e a voz de Deus se faz ouvir como apelo e desafio.

Neste Natal, não entupirei o meu verão de castanhas e nozes, panetones e carnes gordas. Porei sobre a mesa Deus fatiado em pão, a entornar vinho em cálices alados, e convidarei à festa os famintos de bem-aventuranças. Não rezarei pela bíblia dos que professam o medo, nem acenderei velas aos guardiões do Inferno. Não serei o alpinista de cobiças desmedidas, nem o coveiro de utopias libertárias. Desfraldarei sobre o telhado a bandeira de sonhos inconfessos e semearei estrelas no jardim de meus encantos, lá onde cultivo essa doce paixão que me faz sofrer de saudades do que é terno.

Neste Natal, não aceitarei os brindes de mãos que não se tocam, nem irei às ceias dos que se devoram. Não comerei do bolo que empanturra corações e mentes, nem deixarei que a aurora do Menino me surpreenda empanzinado de sono.

Sairei na noite feliz guiado pela estrela dos magos, dançarei aleluias entre as sendas da Via Láctea e, pela manhã, injetarei poesia em cada raio de sol para que todos acordem inebriados como se fossem borboletas livres do casulo

 

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

TODOS TEM DIREITO Á VIDA.

São tantas lutas inglórias.
São histórias que a história qualquer dia contará….
Uma crença num enorme coração dos humilhados e ofendidos.
Explorados e oprimidos que tentaram encontrar a solução.
São cruzes sem nomes, sem corpos, sem datas.
Memória de um tempo onde lutar por seu direito é um defeito que mata (Gonzaguinha).
10 de dezembro, foi o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
São tantas violações dos direitos à vida, à saúde e à proteção social; violências baseadas em gênero e ameaças aos direitos sexuais e reprodutivos; repressão de militantes, censura da imprensa.

1.323 ativistas dos direitos humanos foram assassinados entre 2015 e 2019 no mundo (Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas). A maioria na América Latina: 993 execuções. No Brasil, 174 pessoas foram mortas por defender os direitos humanos.

Guerras, conflitos internos, pobreza, miséria, fome, desemprego, trabalho escravo, concentração de renda, racismo, xenofobia, violência de gênero, homotransfobia, assombram populações inteiras. Dezenas de milhares de pessoas continuam a fugir da violência, da pobreza e da desigualdade. A Covid-19 agravou a situação já precária de pessoas refugiadas e migrantes.

Desastres, exacerbados pelo aquecimento global e por instabilidade climática, afetam severamente, para milhões de pessoas, o exercício dos seus direitos à vida, à alimentação, à saúde, à moradia, à água e ao saneamento.

A destruição da natureza impacta diretamente nos direitos humanos: secas, tempestades, alagamentos, incêndios, ondas de calor. Somente em 2020 foram mortos 227 ambientalistas (Relatório A última linha de defesa – ONG Global Witness). O Brasil aparece na quarta posição, com 20 assassinatos. Levantamento da Comissão Pastoral da Terra aponta que até o final de agosto de 2021, 11 pessoas foram mortas por defenderem seus territórios, o meio ambiente, o acesso à terra e a água. Com o problema da subnotificação, os números são ainda maiores.

A violência com base no gênero (violência doméstica, violência sexual, estupros, feminicídios) é extremamente alta em todo o mundo. Muitos criminosos continuam impunes. Algumas autoridades praticam, elas mesmas, essa violência. É urgente agir para eliminar todas as formas de violência e práticas danosas contra todas as mulheres. Para alcançar a justiça de gênero, é preciso deter os retrocessos dos direitos das mulheres e das pessoas LGBTQI+.

Toda a espécie humana tem direito à vida e à liberdade, à dignidade, à paz, à educação, à saúde, direito à defesa e ao justo julgamento. Esses, entre outros diretos, devem ser garantidos, independentemente da nacionalidade, cultura, sexo, religião, idioma ou ideologia.

domingo, 19 de dezembro de 2021

QUEM SOU EU.

Observação de cunho pessoal de impressões já consolidadas durante o estendido período da pandemia: o envelhecimento acelerado das feições do rosto e do corpo. Expressões do desgaste da rotina imposta, do receio da contaminação generalizada, do desassossego da morte à espreita, do medo da ausência de perspectiva de trabalho, do desalento das relações familiares expostas ao desgaste da convivência obrigatória diária, da tediosa rotina dos solitários, da melancolia crescente pela distância de amigos, afetos e familiares, e, no nosso caso, da depressão e inconformidade com a irresponsável e inaceitável conduta governamental das autoridades máximas do país no agravamento das consequências letais da Covid-19.

De alguma forma, de algum modo, todos carregamos nos semblantes, nas posturas corporais, nos pensamentos, nas ações, ‘sequelas’ advindas da peste do século XXI, já prevista pelos cientistas e especialistas desde muito. Nada que aponte, por ora, para uma descompressão mais permanente, um voltar ao que jamais será como antes, um armistício duradouro. Pelo contrário, temos que nos (re)ver, nos (re)fundar, nos (re)descobrir em temporada de duro combate, em luta constante de preservação da vida, revista e reconstruída em sensibilidade e percepção, mais atenta e perspicaz (tomara) para o que se avizinha.

Tempo de inteireza, tempo de integridade, tempo de entender-se no meio do caos, de encontrar os próprios caminhos e saídas, de manter-se altivo e ativo, de não tergiversar sobre o básico essencial, de dar-se ao respeito e exigir respeito, de entender que as relações demandam equilíbrio e cuidado, que o muito que já foi feito ainda é pouco ou quase nada, que muito há por fazer e por viver, que a sanidade passa pelo amor próprio, pelos outros em dose de equilíbrio e repartição sem cobrança, que amizades sinceras são poucas e que merecem cuidado redobrado e rega contínua, que separar joio do trigo é sinal de sabedoria e maturidade, que o sol é para todos e que seu naco de felicidade passa pela coragem e ousadia de ser e saber-se quem se é.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

SEMEIA O BEM.

 

Num de repente, a vida se se fez presente na lembrança de um texto do poeta Alexandre Paredes e que diz:

“Vivemos a maior parte do tempo tão mergulhados em nossos afazeres e preocupações que nem percebemos as maravilhas que a vida nos oferece a cada dia, nas formas mais simples. As dificuldades são enormes, nossos caminhos, às vezes, parecem se fechar e não vemos que a natureza produz, silenciosamente, pequenos milagres a todo instante.

Os noticiários de TV exibem a violência, a corrupção, a catástrofe, o sofrimento, entretanto, as transformações mais belas em nossa vida acontecem sem serem notadas, e os momentos de maior alegria que vivemos não viram notícia.

A maldade humana é como uma noite de tempestade. Por mais terrível, escura e longa que pareça cederá, mais cedo ou mais tarde, à luz do novo dia, que chega serenamente trazendo novas oportunidades de reconstrução da nossa paz interior.

Não te impressiones, pois, pela maneira como crescem a vaidade, a mentira, a hipocrisia e a iniquidade no mundo que te cerca. No fundo, todo mal nasce da ignorância. Há homens cheios da cultura e do saber do mundo que ignoram a paz e desconhecem o amor.

Ilumina o teu horizonte com pequenos gestos de bondade. Por menores que pareçam, são mais fortes do que toda a escuridão reunida.

Projeta luz sobre a tua própria dor, passando a enxergá-la como oportunidade de crescimento e renovação.

O arco-íris nasce do confronto entre a luz do sol e o que chamamos de “tempo ruim”. A chuva, ou o “tempo ruim”, é precioso instrumento da natureza para renovar a vida.

Espalha o otimismo, o quanto puderes. A centelha de esperança que, hoje, acendemos no coração de alguém poderá ser amanhã, um farol a guiar nossos passos quando estivermos perdidos nas tormentas da vida.

Semeia o bem, a paz e a felicidade a todos aqueles que te rodeiam, mas sem fazer-se notado e assim, a felicidade entrará devagarinho em tua vida… sem fazer alarde.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

SALVE A ESPERANÇA.

Assim diz a belíssima canção de Gilberto Gil: Louvação. Ali o compositor e recente imortal da Academia Brasileira de Letras, depois de louvar várias situações vitais, louva “a esperança da gente na vida pra ser melhor”. E segue: “Quem espera sempre alcança/ Três vezes salve a esperança”.

Louvemos, pois, a esperança neste início do tempo propício quando o ventre grávido da moça de Nazaré, após o anúncio do Anjo, lateja e pulsa da vida verdadeira feita carne. Louvemos a esperança na vida para ser melhor. Tem que ser melhor por causa da criança que habita o seio da Virgem. Tem que ser melhor por causa do sofrimento do povo, que anseia e clama por dias melhores. Tem que ser melhor por causa da terra, que geme e sofre como em dores de parto vendo seu ventre profanado pelo garimpo e as motosserras.

Começamos o tempo do Advento. Esperamos o que advém, o que se anuncia, o que chega. Depois de todo um ano driblando a doença e a morte, agora esperamos a vida que se faz esperar na alegria, na vigilância e na purificação. Mais do que nunca é preciso esperar. Esperar com paz e com desejo. Esperar com abertura e solicitude. Esperar crendo que, apesar de todas as aparências em contrário, vai acontecer a chegada.

Esperar é preciso. Quem espera sempre alcança. A semente dará seu fruto. Enquanto isso, espera-se o futuro que vive no ventre da mulher. Espera-se um futuro novo, diferente do passado. Ele está chegando e a qualquer momento pode entrar por qualquer fresta de qualquer porta. Três vezes salve a esperança, pois quem espera sempre alcança.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

ADVENTO

Hoje começa oficialmente o Advento.

É um período em que as pessoas se preocupam em limpar e enfeitar suas casas para o Natal.

Mas é muito mais do que isso...

É um período em que devemos fazer faxina também em nossas almas e nossos corações.

Tirar a poeira e teias de aranha da casa, enquanto tiramos os maus sentimentos de nossos corações: ódio, mágoa, ressentimento, inveja, egoísmo…

Afastar os móveis para fazer a limpeza, e também afastar atitudes negativas como pré-julgamento, rejeição, condenação, críticas, grosseria, mentiras, maledicência, avareza, cinismo…

Limpar as janelas e limpar também o olhar, para realmente ver as pessoas à sua volta e prestar atenção aos sentimentos delas e às suas necessidades.

Terminada a limpeza, aí sim, iniciar a decoração.

Encher o coração de amor, ternura, respeito, compaixão e carinho.

Encher-se de atitudes positivas como acolhimento, gentileza, generosidade…

Tentar transmitir às pessoas, próximas ou distantes, sentimentos como autoestima, confiança, paz…

Então, quando o dia de Natal chegar, estaremos preparados para dizer: pode entrar, seja bem-vindo, Senhor Jesus!

( Maria Amélia Ruiz)

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

A IMPORTANCIA DE DAR CONTA DE SI.

Dar conta de si é dom e tarefa que remete ao alicerce sustentador de cada pessoa, no exercício de suas muitas responsabilidades e, particularmente, na competência de ser elo da fraternidade solidária e universal. Sabe-se que, em qualquer etapa da vida, a capacidade para dar conta de si é determinante nos êxitos ou fracassos. Compreende-se, assim, que essa competência é substrato indispensável para o adequado exercício da cidadania. Quando o ser humano não consegue dar conta de si são ampliados descompassos relacionais, em diferentes âmbitos e níveis. Eis, pois, uma causa da crescente violência e da aridez existencial dos que não conseguem encontrar sentido na vida. Não dar conta de si é caminho para descompassar relações familiares, institucionais e sociais. Por isso mesmo, é preciso cultivar essa competência, a partir de experiências relevantes com força de modelagem. Reconhecer que dar conta de si é dom remete o ser humano a Deus e, consequentemente, ao cultivo da espiritualidade.

Sem experiências relevantes e o adequado cultivo da espiritualidade prevalecem os muitos vazios existenciais, responsáveis por patologias que incidem muito negativamente na vida humana. É preocupante o nível de adoecimento da humanidade, na contramão do desenvolvimento científico e tecnológico. A multiplicação dos cenários vergonhosos de desigualdade social, provocados por interesses egoístas que desconsideram cláusulas pétreas essenciais ao bem comum, comprovam esse adoecimento. Os prejuízos são ainda mais graves quando aqueles que têm responsabilidade na defesa do bem comum não dão conta de si e, consequentemente, não conseguem desempenhar adequadamente as suas tarefas. No horizonte da saúde, na vida em sociedade, dar conta de si é essencial e urgente. Uma prioridade que pede investimentos na educação, no humanismo integral, em legislações apropriadas e, especialmente, na espiritualidade

domingo, 21 de novembro de 2021

O IMPERIO DO MEDO.

Neste mundo desprovido de utopia, senso histórico e confiança na representatividade política, o medo ocupa cada vez mais espaço. As forças conservadoras incutem em muitos tal insegurança que, como cordeiros a serem tosquiados, aceitam trocar a liberdade pela segurança. Essa doença tem nome: eleuterofobia, medo de ser livre. Deixa-se de melhorar a qualidade de vida ou fazer uma viagem de lazer para manter intocado o dinheiro no banco.

Temos medo do desemprego, da inflação, da recessão. Medo da pandemia. Medo do governo neofascista. Medo do ódio destilado nas redes digitais. Medo da velhice. “O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho” (Guimarães Rosa in “Conversa de bois”, Sagarana). A toda hora soa o alarme: Cuidado! A fera está solta!

Nem sempre identificamos a fera com nitidez mas, como manada, disparamos em atropelos para nos afastar o mais possível do seu alcance.

Quem é a fera? É o “outro”, o imigrante que vem roubar nossos empregos. É o estrangeiro que ameaça subverter o nosso estilo de vida. É o muçulmano que, por baixo da túnica, carrega um cinturão de dinamites. É o refugiado que obriga o nosso governo a desviar recursos para socorrê-lo. É o homossexual encarado como promíscuo. É quem pensa diferente e cujas ideias nos parecem conter material explosivo…

Assim o medo se dissemina pelo país. Penetra em nossas casas. Impregna-nos a mente, os olhos, os ouvidos, o olfato e o paladar. Medo do alimento que engorda, do tabaco que envenena, da bebida que embriaga. Medo de tudo e de todos. Esquecemos que a sabedoria recomenda ter medo do medo.

Cresce a síndrome do medo. Isso vale para Rio, São Paulo, Nova York, Paris ou qualquer outra grande cidade. Medo de assalto, o que induz o cidadão a tonar-se prisioneiro de sua própria casa, trancada a mil chaves, dotada de alarme de segurança, e quebrada, no visual, pelas grades que cobrem as janelas.

O medo viaja a bordo do desconhecido. O porteiro do prédio deve exigir identificação, o nome é anunciado por interfone, o visitante conferido pelo olho mágico e, por fim, as fechaduras, de roliças chaves dentadas, abertas uma a uma.

Doença da moda é a agorafobia – medo de lugares públicos. Teme-se que a praça esconda ladrões atrás das árvores, e crianças pedintes se transformem em perigosos assaltantes ao se aproximar do carro. Aumenta o número de pessoas que preferem não sair à noite, jamais usam joias e entram em pânico se alguém se dirige a elas para perguntar onde fica tal rua. O homem é, enfim, o lobo do homem. “Quem vive sob o domínio do medo nunca será livre”, dizia Horácio.

De onde vem tanto medo? Da sociedade que nos abriga, marcada por desigualdade e preconceitos. Se não somos iguais em direitos e nas mínimas condições de vida, por que se espantar com reações diferentes? Como exigir polidez de um homem que sente na pele a discriminação racial e, na pobreza, a social? Como esperar um sorriso de uma criança que, no barraco em que mora, vê o pai desempregado descarregar a bebedeira na surra que dá na mulher? A discriminação humilha, e a humilhação gera ressentimento, amargura e revolta.

O medo decorre também das autoridades civis e religiosas que, na falta de argumentos, atemorizam com ameaças, bravatas, terrorismo psicológico, evocações do demônio e do inferno.

O contrário do medo não é a coragem, é a fé. Não apenas religiosa, mas cívica, política, utópica. Acreditar que o futuro pode ser melhor e diferente. E começar, hoje, a semear os bons frutos a serem colhidos no futuro.



Frei Betto.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

ACOMPANHAR RESULTADOS DA COP-16 - (2)


Quando se considera a realidade brasileira, os números, as ações governamentais e as tentativas de flexibilização legislativa são preocupantes. Lamentavelmente, os discursos ainda são mais demagógicos que incidentes – não possuem força para correções. Considerando as informações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o aumento da emissão de gases de efeito estufa já provoca transformações prejudiciais irreversíveis no Brasil. Uma realidade que exige o compromisso ético-moral de cada cidadão brasileiro na tarefa de promover mudanças no tratamento dos recursos naturais do País. A desarvorada ânsia por riquezas e lucros leva a situações climáticas cada vez mais danosas em todas macrorregiões que integram o território nacional. O enriquecimento de alguns coabita com um crescente amargor da população que pode se acentuar nos dias vindouros.

Para se efetivar as soluções técnico-científicas de modo a frear o aquecimento global é preciso contar com a dedicação dos cidadãos e com a responsabilidade daqueles que ocupam as instâncias do poder. A sociedade brasileira, nos trilhos da esperada seriedade dos governantes, de coerentes escolhas legislativas e de decisões judiciais inequívocas, requer mais investimentos para efetivar uma educação ambiental no horizonte inegociável da ecologia integral. Assim, todos poderão reconhecer que o peso dos efeitos prejudiciais das mudanças climáticas alcança cada pessoa, mas pagam o preço mais alto os empobrecidos e excluídos, especialmente castigados pelas secas, enchentes, geadas e outros fenômenos climáticos.

sábado, 13 de novembro de 2021

ACOMPANHAR OS RESULTADOS DA COP-26.- (1)

 

A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26) precisa abrir um novo ciclo em que as propostas apresentadas por líderes governamentais sejam cumpridas ante às urgências climáticas que “ardem na pele” da população. Essas urgências revelam tropeços da humanidade e, particularmente, da sociedade brasileira. E não é suficiente delegar a responsabilidade às autoridades. A sociedade civil precisa assumir a sua insubstituível tarefa de acompanhar e interpelar os governantes sobre o adequado tratamento da casa comum. Também as instâncias parlamentares têm a importante responsabilidade legislativa de fazer avançar acordos que busquem a proteção do planeta. Nessa missão, é muito necessário acompanhar as movimentações sobre os processos que podem inviabilizar conquistas e até mesmo gerar prejuízos significativos. No contexto da COP-26, por exemplo, presenças e ausências de autoridades convidadas já sinalizam a disponibilidade para efetivar, ou não, acordos estabelecidos na Conferência. Há de ser considerada, ainda, a força do mercado, vetor determinante para avanços ou retrocessos na luta contra as mudanças climáticas. Mercado e política contracenam no desafio de alcançar avanços na busca por um desenvolvimento sustentável e integral.

O contexto socioambiental exige intervenções urgentes, pois a humanidade não pode mais permanecer envolta pela cegueira que o dinheiro provoca – o lucro ambicioso e perverso compromete muitas formas de vida no planeta. Por isso mesmo, as narrativas sobre a casa comum precisam entrar, com mais frequência e familiaridade, nas pautas cidadãs. É preciso que a sociedade civil esteja bem informada para se posicionar, por meio dos mecanismos possíveis e disponíveis, a respeito dos compromissos assumidos por governos e organismos internacionais. Indispensável é o horizonte rico e muito bem articulado da Carta Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, com arquitetura de um fundamental processo educativo. Essa aprendizagem viabilizada pela Carta Encíclica inspira sensibilidades e honestidade para as urgências socioambientais. Um contraponto às conveniências e às manipulações legislativas, às leniências e às concessões em desfavor do planeta, rumo às catástrofes climáticas.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

BEM-VINDO AO AMANHÃ.

Não sou propenso a adivinhações, mas é da natureza humana imaginar o futuro, sem o que perderíamos a disposição de viver. Nossa alma é nostálgica; a mente, prospectiva. Ao menos pressupomos, ao levantar da cama, como será o dia de hoje.

Mas não custa imaginar o amanhã. A etiologia da conjuntura se dá, como na medicina, a partir de determinados sintomas. E, nas relações de trabalho, a pandemia de Covid-19 generalizou o trabalho remoto, tornado possível graças à rede de internet. Essa modalidade improvisada em benefício da reclusão doméstica e do distanciamento social tende a ser amplamente adotada. Como a economia capitalista visa, em primeiro lugar, ao lucro, ganham as empresas mantendo os funcionários em suas casas. Isso representa economia de transporte, água, energia, alimentação, aluguel de salas ou outros imóveis. Interessa aos governos das metrópoles, pois reduz o trânsito e a emissão de gás carbônico. Mas, na outra ponta, onera o funcionário, obrigado a transformar seu lar em um anexo da empresa. E assumir todos os custos materiais e espirituais que isso implica, como arcar com a alimentação no horário de trabalho e se ver forçado a traçar uma linha invisível, no âmbito doméstico, que o distancia de filhos e demais parentes.

No futuro, desaparecerão as oficinas mecânicas. A tendência é a adoção do carro elétrico, cujo motor é composto por cerca de 20 peças. O atual, a gasolina ou diesel, requer cerca de 20 mil peças! E a eletricidade, comparada ao preço do combustível, torna o custo do quilômetro rodado muito mais barato com um veículo elétrico.

Os carros elétricos serão vendidos com garantia vitalícia, serão reparados somente pelas concessionárias, e leva apenas 10 minutos remover e substituir um motor elétrico.

As bombas de gasolina darão lugar às estações de recarga elétrica. Isso significa levar à falência as indústrias de carvão, as empresas petrolíferas, decretar o fim da OPEP e dar fim ao acúmulo de petrodólares por parte dos países do Oriente Médio.

Uma criança nascida hoje, quando adulta, só verá carros movidos a combustível fóssil em museus. As empresas de energia fóssil estão tentando desesperadamente limitar o acesso à rede para evitar a competição das instalações solares domésticas, mas isso não pode deter o progresso. A tecnologia cuidará de torná-las obsoletas.

Os carros elétricos se tornarão populares em 2030. As cidades serão menos barulhentas porque todos os carros novos funcionarão com eletricidade.

Elon Musk, fundador da Tesla, a maior fabricante de carros elétricos do mundo, inventou o telhado solar – telhas fotovoltaicas que, apesar de terem a aparência de telhas feitas de barro ou pedra, são de vidro temperado e texturizado. A aparência é a mesma de um telhado normal. A casa armazena energia elétrica durante o dia, usa-a e vende o excedente à rede que armazena e distribui às indústrias, grandes consumidoras de eletricidade.

Em 2018 começaram a circular os primeiros carros autônomos. Em breve, ninguém precisará comprar um carro. Basta ligar pelo celular e o carro estacionará na sua porta pronto para levá-lo ao destino. Com outra vantagem, não precisaremos buscar onde estacionar ou pagar estacionamento. Como no táxi, pagaremos apenas pela distância percorrida. Isso significa que os bebês de hoje, quando adultos, jamais precisarão tirar carteira de motorista ou comprar um veículo.

As cidades agradecem! Com muito menos carros nas ruas, o ar que respiramos estará mais limpo e os estacionamentos poderão ser transformados em parques.

No Brasil, quase 30 mil pessoas morrem em acidentes de trânsito por ano, e quase 2 milhões em todo o mundo. Graças à direção autônoma, o índice passará de 6 para 1, o que significa mais de 1 milhão de vidas salvas anualmente no planeta. As seguradoras terão grandes problemas porque, sem acidentes, os custos ficarão mais baratos.

Toda essa inovação deve levar a maioria das montadoras tradicionais à falência. Elas, sem dúvida, tentarão fazer carros melhores, enquanto as empresas de tecnologia (Tesla, Apple, Google) lançarão um computador sobre rodas…

Na natureza nada se perde, tudo se transforma, já dizia Lavoisier. Na tecnologia também. Em 1998, a Kodak tinha 170 mil funcionários e vendia 85% de todo o material fotográfico utilizado no mundo. Em poucos anos, o processo fotográfico sofreu drástica modificação graças à evolução digital. As câmeras digitais foram inventadas em 1975. Com a popularização dos smartphones, hoje são raros os consumidores de câmeras fotográficas.

Agora entramos na era do software, que ameaça tudo que conhecemos em matéria de empreendimentos. O UBER, por exemplo, é apenas uma ferramenta de software. A empresa não possui nenhum carro, jamais contratou motoristas e, no entanto, é a maior empresa de táxi do mundo! O Airbnb é, hoje, a maior empresa hoteleira do mundo, embora não possua um só quarto para alugar! Pergunte aos grupos Best Western e Accor se previram isso.

A Inteligência Artificial avança a passos acelerados. Computadores já são campeões de torneios, como os de xadrez, muito antes do que se esperava.

Nos EUA, jovens advogados têm dificuldades de obter emprego. Qualquer cidadão que recorrer ao Watson da IBM consegue orientações jurídicas. Pode-se obter aconselhamento jurídico em segundos, com 90% de precisão em comparação com 70% quando feito por humanos. Portanto, se você estuda Direito, reflita. O Watson já ajuda, inclusive, a diagnosticar câncer, e com precisão quatro vezes maior que os médicos. Em 2030, os computadores se tornarão mais inteligentes do que os humanos.

A ficção se faz realidade e revolucionará o sistema de saúde. Na série científica de ficção, intitulada “Star Trek”, há um sofisticado aparelho portátil chamado tricorder ou tricodificador capaz de escanear retina, amostra de sangue, respiração etc. Tudo isso pelo celular. Pois bem, o tricorder já existe. Dispõe de um sistema que analisa 54 biomarcadores capazes de identificar quase todas as doenças.

E prepare-se para presenciar a mais intensa guerra virtual: a dos governos com as grandes corporações digitais, que são privadas, como Google e Facebook, hoje mais poderosas que qualquer Estado. Já imaginou se uma delas suspende suas atividades por 24 horas? O mundo entra em colapso.

Bem-vindo ao amanhã!



Frei Beto

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

EXPLORAR O TERRENO DESCONHECIDO.

A cada dia quando nasce o sol, os seres humanos iniciam a repetição de uma enormidade de procedimentos.

A higiene pessoal ao sair da cama. Uma dose de café para animar o corpo. Uma oração, breve, para que o dia ao trazer seus próprios males também traga com eles as alegrias.

Um deslocamento para o trabalho a pé, de bicicleta, de ônibus, de Uber, de taxi ou em moto ou carro particular.

E, no trabalho, mais uma série de rotinas para iniciar as atividades.

Cada um desses espaços permite um tipo de contato humano. Em casa, antes de sair, com os familiares, no deslocamento, para o trabalho, com os vizinhos e conhecidos, no trabalho, com os colegas.

Uma palavra que deverá estar presente a todo o tempo é o respeito. Uma das expressões que esclarece o significado da palavra respeito, no dicionário, é “ter em consideração”.

De certo modo, então, respeitar uma pessoa, ou seja, ter consideração por ela, significa reconhecer sua presença e atribuir a essa presença um certo valor.

Ao reconhecer a presença dos familiares em casa, atribuo a eles um certo valor humano, um certo sentido, significado. E a partir desse valor, sentido, significado produzo com este familiar minhas interações.

Ao reconhecer a presença de um vizinho na rua, no transporte coletivo, na portaria do prédio, atribuo a ele um sentido e significado e produzo então as interações.

Da mesma forma, os colegas de trabalho.

Cada um desses locais tem seu código de ética e código moral. E as interações decorrentes do respeito demonstrado a cada pessoa, reconhecimento de sua presença com atribuição de sentido e significado, deve convergir com o código de ética do ambiente.

Uma estratégia que raras vezes falha é tratar todas as pessoas como se fossem desconhecidas, e de um certo modo o são, pois o homem que entrou no rio quando sai do rio já não é mais o mesmo homem, de forma que o colega com quem se tomou um cafezinho ontem, hoje, no início da jornada de trabalho, já é um novo colega.

Ora, se todos são desconhecidos, se está a ter a cada instante um novo contato com o desconhecido. O contato com o desconhecido é e deve ser cuidadosamente tateado, olhe como a expressão “deve ser” convoca o atributo jurídico para todas as relações humanas.

É neste sentido que as relações humanas estão sempre a exigir de cada um este tato, este jeito pra lidar com as pessoas, este relacionamento a todo tempo como se fosse o interlocutor um desconhecido, de quem se quer informações para produzir a melhor interação possível.

Isso é jurídico.

Quando a Constituição da República diz que não será admitido no Brasil nenhum tipo de discriminação. E que o racismo será punido como crime inafiançável é desse respeito que se está a falar.

Primeiro, reconhecer a presença dos grupos humanos que historicamente foram colocados, por determinações culturais, numa posição de poderem ser discriminados. E atribuir a eles um valor, um valor que precisa ser compensatório, para que se garanta a igualdade entre seres humanos. Porque aqueles que nasceram num grupo historicamente e culturalmente colocados numa posição desfavorável, precisam de uma compensação para participar da sociedade em condições de igualdade.

No mês de novembro, será relembrado o dia de Zumbi de Palmares. Por isso, é muitíssimo importante aproveitar o período para refletir sobre o respeito.

Fala-se muito de respeito. Exige-se muito o respeito. Cobra-se muito que respeitem.

Mas pouco de fala sobre o que é respeitar. O próprio dicionário diz: Respeito – Ato ou efeito de respeitar. Respeitar – Ter respeito, ter consideração.

Na prática, respeitar é reconhecer a presença do outro e atribuir a esta presença um sentido ou um significado e a partir desse sentido ou significado estabelecer as interações. E estas interações devem necessariamente seguir um conjunto de valores dado pela ética do ambiente, pela moral da família e com certeza pela Constituição e pelas Leis do país.

Agora resta explorar o terreno desconhecido das outras pessoas, ainda que com elas tenha uma convivência de anos a fio.

 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

TRANSFORMAR A MENTE.


O admirável apóstolo Paulo, escrevendo à comunidade cristã de Éfeso, partilha, enfaticamente, este conselho: “É preciso renovar-vos, pela transformação espiritual de vossa mente, e vestir-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em justiça e santidade da verdade”. Em outras circunstâncias, por meio da pregação e da escritura, o mesmo apóstolo abordou essa temática, cônscio dos avanços e retrocessos na existência humana, com incidências fortes no tecido sociocultural. A mente humana é patrimônio da liberdade individual, mas com enorme responsabilidade social, por influenciar nas configurações de valores e princípios. Sabe-se o quanto a mentalidade coletiva incide sobre a realidade, inspirando ganhos e perdas, em diferentes etapas da história. No contexto contemporâneo da sociedade brasileira, é preocupante a hegemonia de compreensões que corroem conquistas importantes da democracia e do exercício da solidariedade. Retrocessos perigosos e a tendência de se manter, em “banho-maria”, temáticas relevantes para a preservação dos direitos e da justiça.

A forja dessas perdas é o predomínio de uma mentalidade que precisa ser debelada, a partir de providências urgentes, para reverter a crise antropológico-cultural em curso na sociedade. Sofre-se a consequência de uma verdadeira “babel”, revelada pela falta de conexões na linguagem, manipulada para formular juízos incoerentes, contaminados por vícios que englobam desde a defesa do que é indefensável até as manifestações de ódio. Têm sido nefastas as consequências, que incluem equívocos nas escolhas políticas – o que aponta para a urgência de se investir sempre mais no exercício cidadão de adequadamente escolher aqueles que ocupam as instâncias do poder. Um passo importante nessa tarefa é reconhecer: mentes estão produzindo, mundo afora, “sombras de um mundo fechado”.
É hora de vencer todo tipo de desânimo e cuidar para que não haja propagação de desconfianças, alimentando as polarizações e o caos. A luta por interesses egoístas alimenta a configuração de uma realidade em que todos estão contra todos, onde vencer se torna sinônimo de destruição. O momento requer o exercício da escuta, condição essencial para qualificar aquilo que se diz. Oportunidade para transformar a mente – acolhendo a orientação do apóstolo Paulo – e gerar entendimentos que promovam a fraternidade, com novas incidências existenciais, políticas e sociais.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

O DIREITO A VIDA.

 

Cada vez mais, no Brasil, se manifesta um modo de fazer política que consiste em fomentar ódio e violência e em nome de princípios sociais e religiosos. Basta um bispo explicar que “pátria amada” não pode ser “pátria armada” e, logo, um deputado o insulta publicamente e destila o seu ódio à conferência dos bispos católicos e ao papa Francisco. Grandes meios de comunicação colaboram para que o próprio exercício da política caia em descrédito geral. Enquanto isso, a ONU celebra o 76º aniversário de sua fundação (24 de outubro de 1965), com atividades contra o armamentismo e em favor da justiça ecossocial e da paz.

A ONU cumpre a importante missão de zelar para que a sociedade internacional seja impregnada de valores fundamentais como o respeito à dignidade de todos os seres humanos, a supremacia da justiça, a consciência ecológica e a abertura à transcendência. Grande parte da humanidade, mais consciente da realidade internacional, sonha com um organismo mundial que abranja não somente governos, mas também uma representação legítima da sociedade civil internacional.

Só uma organização internacional que reúna Estados e também representantes das organizações civis terá força para exigir do governo das grandes potências respeito pelas leis e decisões internacionais. Somente um organismo assim poderá ajudar a humanidade a recuperar a consciência de que somos todos e todas uma só família humana.

Que as vacinas contra todas as doenças sejam consideradas bens comuns da humanidade e não devam ser vendidas. É preciso deter a crueldade do governo dos Estados Unidos que, em meio à pandemia, impede que países como Cuba e Venezuela recebam insumos e matérias primas para medicamentos essenciais para a saúde do povo.

Nos últimos séculos, o controle cada vez maior, exercido pela economia sobre a política tem sido uma catástrofe para o mundo. A Terra tem quase 8 bilhões de habitantes. Menos de 1 bilhão consome sozinho mais de 83% dos recursos disponíveis na terra. Metade da humanidade, mais de 3 bilhões de pessoas, devem viver com menos de US$ 2 por dia. A cada ano, mais de 60 milhões de pessoas morrem de fome. Mais de 1 bilhão de crianças vive abaixo da pobreza.

Conforme cálculos do Banco Mundial, com US$ 40 bilhões, se poderia resolver todo o problema da fome e da saúde dos pobres no mundo. Ora somente, em um ano, os Estados Unidos gastam bilhões de dólares em armas para as guerras que mantêm no mundo. Ao mesmo tempo, a sociedade dominante fecha suas fronteiras aos migrantes que tentam sobreviver ao extermínio.

A sociedade civil não aceita mais essa iníqua organização do mundo. O papa Francisco pede que superemos “a cultura da indiferença”. É urgente estimular uma nova cultura contra a insensibilidade vigente com o que se passa com milhões de seres humanos.

A crise atual aponta para a necessidade de uma nova política econômica e social a serviço da construção de uma sociedade internacional e dos Estados. É preciso unir todas as pessoas de boa vontade e grupos articulados da sociedade civil para “democratizar a democracia”, ou seja, elaborar um novo estilo modelo de política, efetivamente, centrado no bem comum. Dom Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, martirizado em 1980, propunha um retorno ao que ele chamava de “grande política”.

Nestes próximos dias, a ONU organiza duas conferências mundiais, uma sobre biodiversidade e outra sobre mudanças climáticas. O papa Francisco e 40 líderes de diversas religiões publicaram um apelo pela sustentabilidade do planeta e pelo cuidado com a vida. É importante que em nossos países reforcemos as políticas que garantam esse direito da vida.

sábado, 23 de outubro de 2021

QUE A PALAVRA SEJA...

 

Como faz bem ter por perto pessoas bem-humoradas. Elas transformam ambientes e corações. Não sei de onde tiram tantas histórias, nem como incrementam com detalhes que tornam o que é muito simples por demais engraçado. Não sei contar piadas. Acabo rindo o tempo todo. Em algumas situações, acaba-se rindo mais de quem está contando a piada do que da própria piada. É um conjunto que rouba intermitentes gargalhadas: a tonalidade da voz, o jeito de narrar, o envolvimento com o fato, a atenção dos ouvintes.

Num dia desses, por acaso, participei de uma ‘rodada’ de engraçadas anedotas. Algumas me fizeram rir ao ponto de provocar lágrimas. Faz bem para a alma chorar de tanto rir. Uma certa leveza toma conta do ser, quando rimos bastante. Enquanto alguns ainda riam, de forma um tanto suave alguém disse algo que poderia ser motivo de riso, mas que acabou provocando um silêncio reflexivo: foi comentada a morte de uma pessoa. Um do grupo perguntou: “morreu de que?”. O outro respondeu: “sufocou-se com as palavras que nunca disse”. O silêncio falou alto, os olhares se cruzaram, a consciência foi abordada.

As palavras que nunca foram ditas podem sufocar, sim. Não se trata de um incidente repentino. Tem algo a ver com o jeito de ser, postura diante da vida, desconhecimento da própria personalidade. Palavras e sentimentos buscam uma contínua fusão. O que cada pessoa sente, aguarda por expressão. A palavra traz à realidade o que é pensado e sentido. Falar o próprio sentimento, alegre ou dolorido, é uma forma de harmonizar o que vai no íntimo. O ato de desabafar tem um efeito saudável, pois alivia o que, com o passar dos dias, se tornou um peso. A dificuldade em expressar os sentimentos impacta diretamente na qualidade de vida.

A influência cultural, o formato educacional e as objeções com que cada um vai construindo sua história, exercem um papel quase determinante no modo como cada um interage com o mundo. Há pessoas silenciosas, resguardadas em sua própria intimidade. As mais falantes, nem sempre transbordam o essencial. Cada qual com seu jeito, todas com a necessidade de uma ajuda para a utilização adequada da palavra, como expressão do que vai nas profundezas do ser. Os tempos são outros. Ninguém precisa sufocar-se com o que não disse. Que a palavra seja porta-voz dos sentimentos.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

PEDIR E CONCEDER.

Assunto de reflexão crescente, há tempos penso sobre os limites e a ausência dos mesmos em situações que envolvem concessão, ou melhor, quando se torna uma prática tóxica transigir com o que não se deve, por razões de respeito próprio, autoestima e prevenção de equívocos futuros.

Fundamental para a construção e consolidação de relações sadias, do ponto de vista afetivo e/ou profissional, é balizar o interlocutor, parceiro, contratante, colega, amigo ou quem quer que seja, na via da reciprocidade, do cuidado mútuo, do compartilhamento dos resultados e dos bons frutos.

Infelizmente, cada vez mais recorrente, sobretudo no universo do trabalho, a esperteza, a subtração, o desequilíbrio e o desnível das relações e dos ganhos auferidos.

Importante não temer, não tergiversar sobre aquilo que lhe é de direito, que lhe cabe, que lhe deve ser oferecido, negociado ou partilhado de modo justo e equânime.

Negócio bom, só se for para todos os envolvidos. No entanto, o que se constata é o princípio vigente da mão única, do interesse do outro, do usufruto do outro, da apropriação da boa fé, do trabalho, da amizade, muitas vezes tirando partido da ingenuidade, da puerilidade de um dos lados.

Posicionar-se, deixar claro, delinear o território, profissionalmente, torna-se essencial para autopreservação, poupando sofrimento e frustração de expectativa.

Aliás, “domar” as expectativas, fonte inesgotável de decepções e desapontamentos, é tarefa diária, diuturna e nada trivial.

Colocar as coisas em perspectiva, entender o movimento, o balanço, ponderar e perceber, preventivamente, que ir pelo caminho da concessão, embora, aparentemente, possa evitar obstáculos iniciais, pode significar, posteriormente, problemas mais graves em termos de perdas e prejuízos.

Ainda mais, se essa atitude significa concessão em relação à nossa própria verdade. Dependendo do tipo de concessão, o saldo é a decepção, com o gosto amargo de trava, na tentativa de acomodar o que não deve ser acomodado.

A clareza vale ouro nesse cenário, uma coisa é encontrar com o outro a meio do caminho, compreender pontos de vista diferentes e atuar para harmonizar forças contrárias, outra é render-se à pressão contrária à nossa própria verdade.

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

O SILÊNCIO DO BANDONEON

 


Saindo dos prostíbulos para os salões de festa, o tango alcançou sua máxima popularização com o estrondoso sucesso do cantor Carlos Gardel. Sendo conhecido como um dos mais famosos cantores de tango, Gardel mostrou sua música nos palcos e internacionalizou sua arte com a gravação do filme “El Dia Que Me Quieras”. Ainda hoje, o tango é uma das expressões artísticas mais conhecidas na Argentina e seus espetáculos atraem turistas de todo o mundo.

Horizontina não ficou fora desta influência. Alguns bons músicos, sob a batuta de Bruno Bender, formaram uma orquestra, “Jaz e típica Quitandinha” que por anos fez grande sucesso em salões da região e na província de Missiones na Argentina.

Os bailes começavam com Aquarela do Brasil, e na sequencia os mais diversos ritmos e músicas da época, a exemplo das grandes orquestras de fama e sucesso internacional.

Passada a primeira hora de música internacional, o crooner anunciava: E agora para os casais enamorados apresentamos a Orquestra típica Quitandinha. Aos primeiros acordes do Bandoneon de Vitório Rizzi, o público aplaudia de pé. O salão era tomado pelos casais bailarinos e os mais belos Tangos, boleros, milongas, valsas e chamamé a meia luz, eram executados para o deleite dos presentes.

Todos os músicos eram de grande competência e qualidade: Dois violinos, um rabecão, uma bateria, mas a nossa homenagem hoje é para Vitorio Rizzi, considerado o melhor bandonista do Rio Grande do Sul ou quiçá do Brasil. Na argentina, terra do tango, Vitório Rizzi era convidado para apresentações mesmo depois da extinção do Quitandinha. La conheceu o maestro: Buri -Mestre de Bandoneon e música argentina e o pianista: Solano e fizeram dezenas de apresentações na Argentina e Brasil.

Vitório Rizzi era barbeiro de profissão, mas não deixava de ensaiar todos os dias. Aposentado, passou a exercer a profissão em casa, só para os amigos e clientes mais íntimos. Quando ia lá para cortar o cabelo, não deixava a gente sair antes de executar algumas músicas. Já na terceira idade, a habilidade de suas mãos mágicas, corriam pelo teclado com a mesma habilidade de sempre. Um dia, num acidente, bate a cabeça e sua vida mudou de rumo. Perdeu o domínio das mãos, tentou, voltou a tentar ninguém sabe quantas vezes e o bandoneom foi para o estojo e nunca mais saiu de lá. “FOI O SILÊNCIO DO BANDONEON” Que hoje volta a tocar em outra dimensão para a alegria dos que o antecederam, pois pelo que se sabe Deus gosta de música e o céu deve ter ficado ainda mais alegre e Vitório Rizzi, novamente feliz.

Escrito por  Rui Eloi Arend a Vitório Rizzi a pedido de Wilson Nascimento.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

O DIREITO A VIDA.

O reconhecimento do direito à vida, considerando todas as suas etapas, é o alicerce seguro que sustenta a convivência humana e a comunidade política. Cresce, pois, a urgência de os cristãos – e dos que a eles se aliam por partilharem convicções, princípios e valores – anunciarem o Evangelho da vida. As muitas crises na sociedade brasileira – sanitária, econômica, política, ética, cultural – devem interpelar os discípulos de Jesus, homens e mulheres de boa vontade, para desarmar as armadilhas arquitetadas pela ganância e pelo lucro – com suas manipulações e inverdades que enjaulam cidadãos e cidadãs em lógicas prejudiciais ao desabrochar da vida plena, atrasando, sempre mais, o sonho de uma sociedade impulsionada pela fraternidade universal.

Os cristãos não ignorem a realidade desafiadora da contemporaneidade, hibernando em “zonas de conforto”. Ao invés disso, é urgente crescer na veneração e no compromisso com a vida do outro, especialmente do pobre e indefeso, por uma sociedade solidária e fraterna. A doutrina do Evangelho da vida só é vivida e testemunhada quando inspira a busca por rumos novos, capazes de afastar a sociedade dos cenários vergonhosos da desigualdade social e de outros atentados contra a vida, dom inviolável. É hora de novas lógicas, gerando renovadas narrativas com força libertadora. Lembra bem o Papa Francisco: ninguém se salva sozinho. Todos no mesmo barco. Valha, de verdade, o Evangelho da vida.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

DIÁLOGO (2)

 

Uma postura dialógica é um serviço de paz. Educar uma sociedade para o diálogo é, entre outras coisas, impedir o autoritarismo, o domínio violento (não apenas provocado por armas) dos agentes em posição de poder, o negacionismo que nos coloca a todos e todas em risco, como temos visto atualmente, na maior crise de nosso século. Dialogar, a partir de diferentes fontes de saber, torna possível o amadurecimento de nossas relações sociais, a compreensão situacional pela qual passa nossa cultura, a descobertas de caminhos possíveis para a evolução da história. Foi pensando também nisso, que três importantes instituições de ensino – Dom Helder Escola de Direito; Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia; e Escola de Engenharia de Minas Gerais -, localizadas em Belo Horizonte, fizeram a proposta de um seminário, cujo tema foi: Diálogos para a paz: solução de conflitos, construção de caminhos, no qual foram reunidos representantes da Filosofia, do Direito, da Teologia e da Engenharia para leituras dialógicas do tempo presente.

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

DIÁLOGO

 

Sem diálogo não há desenvolvimento possível de nossa humanidade. O acirramento nas relações sociais, que temos visto cada vez mais marcadas pela violência, revela uma das consequências de nos fecharmos em nossa própria estrutura de pensamento, apegando-nos a ela com uma noção de verdade em que não há chances mínimas de ser questionada. Fora da escuta de outras compreensões e de visões de mundo, esclerosamo-nos. Escutar, apenas, quem discursa aquilo que é o que nós pensamos, coloca-nos numa posição bastante complicada: acabamos por acreditar que temos razão indiscutível em nossa verdade, sendo que esta verdade é apenas um traço da absurdamente complexa realidade que nos cerca.

Dialogar é mais que expor opiniões. O diálogo é condição necessária para o alargamento do mundo e para a ampliação de nossos horizontes. Além disso, é preciso que consideremos que nem tudo é opinião, quando, por exemplo, fatos certificados na realidade são questionados ou pessoas são desrespeitadas e indignificadas. Dialogando, temos a possibilidade de avaliarmos melhor nosso próprio lugar no mundo, nossa identidade, aquilo que nos constitui, ao passo em que temos a oportunidade de conhecer um pouco o mundo do outro, conhecer sua experiência na leitura da realidade, descobrir nossas compreensões e verdades.
(Continua...)

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

CONTRADIÇÕES.

 

São contradições irracionais, a exemplo da constatação de recordes de safras obtidos pelo agronegócio e destinadas à exportação, quando mais da metade da população se encontra em situação de miséria e fome. Não se pode considerar como consequência qualquer a gravíssima crise hídrica, a pior dos últimos 90 anos. A crise ambiental pesa sobre a sociedade brasileira, aprofundada por claras manipulações de decisões e escolhas pela hegemonia pecaminosa da força do dinheiro. Há grave crise no âmbito dos direitos humanos – entidades de defesa dos direitos humanos, organizações indígenas e de trabalhadores, no campo e na cidade, suas lideranças e seus técnicos estão submetidos a pressões e ações criminosas. Preocupante é a evidente corrosão democrática, com ameaças aos pilares da democracia. A vigente crise político-social, que afeta o equilíbrio e o desenvolvimento integral e pacífico da sociedade brasileira, precisa ser entendida pelo cidadão, de modo a identificar seus agentes danosos, condição para se elaborar novos critérios de juízos. E de escolhas por uma proposta que resulte em mudanças de lideranças, comandos e funcionamentos pautados pela prioridade do bem comum. A escola da conscientização precisa contar com o conjunto da sociedade – iniciando um grande número de matriculados no “beabá” que poderá salvar todos dos enquadramentos nocivos, juízos equivocados e obscurantistas.

domingo, 3 de outubro de 2021

EVITAR DESCARRILAMENTOS.

 


As “bitolas” da conscientização e da experiência contêm diferentes lições e indicam a necessidade de muitos exercícios. Sua desarticulação produz descarrilamentos e descompassos que incidem prejudicialmente sobre a vida de todos. Por isso, é fundamental a qualificação da cidadania, considerada o conjunto equilibrado e articulado da participação esperada de cada indivíduo, o que requer clareza a respeito de processos sociopolíticos e econômicos e a profundidade do viver como dom. A sociedade brasileira está exigindo resposta nova que haverá de ser resultado do envolvimento de todos na compreensão do que está ocorrendo. Criar, assim, a lucidez que permite identificar onde está o descompasso para que não se defenda o indefensável. O cidadão precisa compreender e se preocupar – considerando novas respostas e novas escolhas – saber que o Brasil vive uma conjunção de crises alimentadas por muitas tensões, alavancadas por indivíduos, segmentos e até instituições desprovidos da necessária qualidade de balizamento em parâmetros éticos e morais. É preciso, sem paixões partidárias e entrincheiramentos em torno de nomes, reconhecer que o Brasil está mergulhado numa conjunção de crises sem precedentes.

sábado, 2 de outubro de 2021

VIVER MELHOR

 

O viver melhor remete a questões cruciais e pesadas da realidade. Considerável e preocupante é o número daqueles que não estão dando conta de sustentar o próprio viver. Reside aí importante alerta: providências precisam ser empregadas nos ambientes familiares, nos círculos de trabalho, nas relações interpessoais e naquelas estabelecidas no interno das instituições religiosas, artísticas e tantas outras. Há um combate ferrenho a ser travado, porque as estatísticas dos que desistem de viver é alarmante. Crescente é o trabalho para salvar vidas, com embasamento científico, procedimentos terapêuticos e relacionais qualificados, apontando para o sentido amplo da responsabilidade sobre a própria vida e a do outro, com dedicação, atenção e ajuda. Há uma ciência própria a aprender na capacitação do entendimento da alma humana, avançando na autocompreensão para fecundar a competência do próprio viver. O luto ampliado no horizonte da sociedade, amalgamando, tristemente, números altos de vítimas da Covid-19 e dos que tiram ou tentam dar fim à própria vida, com outros indicadores relevantes dos cenários vergonhosos da desigualdade social, aponta para a necessária condição de aprendizes de um autêntico viver melhor.

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

ALAVANCA E EQUILÍBRIO

 



Viver melhor há de ser mais que um simples slogan ou apelo por determinada campanha. Menos ainda deve instigar a construção de um cotidiano nos limites de uma medíocre “zona de conforto”, alimentada pela ilusão de condições cômodas para um viver que não é senão feito de mesquinhez e distanciamento da solidariedade. Esse é um risco real e comum a empurrar indivíduos e segmentos da sociedade para as estreitezas que alimentam indiferenças e incapacitam para a indispensável escuta dos clamores dos pobres e do planeta – das dores dos outros. Viver melhor seja um programa de vida correndo nos trilhos da existência entre as “bitolas” da conscientização, que ilumina o entendimento adequado da realidade em torno e no seu alcance mais amplo, e a experiência alimentadora do vigor e da ternura que alavancam o dia a dia. O viver melhor requer a arte de não se desencarrilhar dessas duas e insubstituíveis bitolas na qualificação da existência humana, para conduzi-la no horizonte de seu verdadeiro sentido. Evidente é o desafio que revela inexistente flexibilidade existencial para não desligar-se de uma ou outra dessas “bitolas”, que têm força de alavanca e equilíbrio.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

COISAS PARA SER FELIZ (3)

 

 Na liturgia cristã, os gestos são lentos para que se permita aprofundar o espírito: o vinho derramado no cálice, as ondulações suaves do canto gregoriano, os joelhos dobrados em sinal de adoração ao Senhor. Isso vale para o conjunto da vida. Na relação com o alimento usufrui melhor quem faz da refeição, celebração. Sem pressa ou preocupações. O que importa não é o prazer, é a felicidade.

Sentir os atos mais vulgares como aventura espiritual é um desafio proposto pelas religiões orientais. Um ocidental enche de água o copo sem ouvir o murmúrio do líquido, enquanto a cabeça permanece distante daquele momento. Um oriental instruído na sabedoria milenar sabe ser aqui-e-agora: copo, água, sede, gesto e atenção formam um todo e favorecem a harmonia interior.

O sábio não corre atrás do tempo nem se deixa arrastar pelo ritmo do relógio. Ele é senhor do tempo. Em suas atividades nunca submerge, pois se comporta “como a cortiça na água”, como sugere São João da Cruz. Ele aprendeu que só o Absoluto e suas expressões – as pessoas e a natureza – valem a pena. Tudo mais é relativo e, como tal, não merece tanta importância.


segunda-feira, 27 de setembro de 2021

COISAS PARA SER FELIZ (II)

Vemos sem olhar, escutamos sem ouvir, falamos sem medir o peso das palavras. A vida, como mistério, declina em nossa falta de sensibilidade. O pragmatismo nos induz, célere, ao rol dos ansiosos, a antessala dos infartados, à mesa dos obesos que engolem sem mastigar.

A tradição judaica ensina-nos um conjunto de deveres (as mitzuot) que ajudam a impregnar-nos da presença divina. “Nós nos exercitamos em conservar nosso sentimento de admiração, recitando uma oração antes de tomar o alimento”, escreve A.J. Heshel.

“Cada vez que bebemos um copo d’água recordamos o eterno mistério da Criação. (…) Quando desejamos comer pão ou fruta, ou então gozar de agradável fragrância ou de um cálice de vinho, ao saborear pela primeira vez a fruta da estação, ao contemplar o arco-íris ou o oceano, ao observar as árvores em flor, ao nos encontrarmos com uma pessoa douta no conhecimento da Torá ou na cultura leiga, ao receber notícias boas ou más, foi-nos ensinado invocar Seu grande nome e nossa consciência dele”. 

domingo, 26 de setembro de 2021

COISAS PARA SER FELIZ,

 

É preciso saber enxergar um palmo além do chão, da parede, do teto ou mesmo das convicções que nos norteiam. Tudo depende de nossa cabeça. Somos, como seres humanos, aquilo que está gravado em nossa mente: ideias, noções, fantasias, impressões.

Se fomos educados na crença de que há pessoas superiores a outras devido à cor da pele ou nos deixamos convencer, pela publicidade, que pilotar um carro a 300 km/h é mais nobre que lutar para combater a fome, então nossos atos serão regidos pelo racismo ou pelo culto aos ídolos do consumismo.

No Ocidente, avançamos em ciência e tecnologia e retrocedemos em valores humanos e espirituais. Atulhados em grandes cidades, trancafiados em apartamentos ou em casas cercadas de muros e prédios por todos os lados, já não contemplamos a natureza. Perdemos o silêncio do indígena que caminha pela floresta em busca de caça e distingue o canto dos pássaros. Ou do viajante que em seu cavalo ou carroça se deixa inebriar pela variedade de tons das encostas e plantações. Simples assim.

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

CHEGOU A PRIMAVERA.

Todos os anos, no dia 23 de setembro, tem-se oficialmente declarado o início da Primavera, uma das quatro estações do ano. Mas, nessa data, é primavera apenas no Hemisfério Sul, pois no Hemisfério Norte, nesse mesmo dia, inicia-se o outono.

Do ponto de vista técnico, a
primavera não necessariamente coincide com a sua data oficial. Por exemplo: no ano de 2014, o seu início correto, segundo o portal Climatempo, foi às 23h29 do dia 22 de setembro.

Mas o que marca, astronomicamente, o início da primavera?

A data de início da primavera possui relação com um fenômeno chamado equinócio, que nada mais é do que o período do ano em que os dois hemisférios são igualmente iluminados pelos raios solares, de forma que os dias e as noites possuem, basicamente, a mesma duração.

É válido lembrar, porém, que o equinócio exato só ocorre em um momento do ano, pois logo depois a luz solar vai gradativamente se inclinando para o hemisfério sul, fazendo com que, aos poucos, os dias vão se tornando cada vez maiores do que as noites. Quando esse processo atinge o seu ponto máximo, ou seja, o momento em que o dia estiver maior o possível, temos o 
solstício, que costuma ocorrer no dia 21 de dezembro, encerrando a primavera e iniciando o verão.

Perceba, porém, que as estações do ano são apenas convenções. Pois, se pensarmos bem, a data de início da primavera é apenas o ápice do posicionamento da Terra em relação aos raios solares durante o 
movimento de translação. Pois, à medida que o tempo passa, mais próximo do verão estamos e gradativamente temos “menos primavera” com o passar dos dias.

É válido mencionar que, não necessariamente, a primavera é a “estação das flores”. Isso porque essa estação provoca diferentes efeitos sobre os diferentes lugares, de modo que nem sempre essa época do ano obedece ao estereótipo do céu azul, sol radiante, temperaturas amenas e ambiente florido. No Brasil, por exemplo, nesse período, muitas regiões começam a receber as fortes chuvas, que costumam se iniciar no final do mês de setembro e no início do mês de outubro, prolongando-se durante quase todo o verão.

No Brasil, é também durante a primavera que o fenômeno do El Niño se manifesta, atuando principalmente com a intensificação das chuvas no centro-sul do país e aumentando o período mais seco no norte e no nordeste.