terça-feira, 31 de dezembro de 2019

2020: NASCER DE NOVO.

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Estamos à porta de 2020. E o que fizemos de nós mesmos em 2019?

Há em nós abissal distância entre o que somos e queremos ser. Um apetite de Absoluto e a consciência aguda de nossa finitude. Olhamos para trás: a infância que resta na memória com sabor de paraíso perdido; a adolescência tecida em sonhos e utopias; os propósitos altruístas.

Hoje, o salário apertado num país tão caro; os filhos, sem projeto, apegados à casa e ao consumismo; os apetrechos eletrônicos que perenizam a criança que ainda resta em nós.

Em volta, a violência da paisagem urbana e nossa dificuldade de conectar efeitos e causas. Como se os infratores fossem cogumelos espontâneos, e não frutos do darwinismo econômico que segrega a maioria pobre e favorece a minoria abastada. O mesmo executivo que teme assalto e brada contra bandidos, abastece o crime consumindo drogas.

Ano novo. Vida nova? Depende. Podemos continuar a nos empanturrar de carnes e doces, encharcados em bebidas alcoólicas, como se a alegria saísse do forno e a felicidade viesse engarrafada. Ou a opção de um momento de silêncio, uma oração, a efusão de espíritos em abraços afetuosos.

No fundo da garganta, um travo. Vontade de remar contra a corrente e, enquanto tantos celebram a pós-modernidade, pedir colo a Deus e resgatar boas coisas: uma oração em família, a leitura espiritual, a solidão orante, o gesto solidário que ameniza a dor de um enfermo.

Reencontrar, no ano que se inicia, a própria humanidade. Despir-nos do lobo voraz que, na arena competitiva do mercado, nos faz estranhos a nós mesmos. Por que acelerar tanto, se temos que parar no sinal vermelho? Por que tanta dependência do celular e dificuldade de dialogar olho no olho?

Ano novo de eleições. Olhemos o país. As obras que beneficiam empreiteiras trazem proveito à maioria da população? Melhoram o transporte público, o serviço de saúde, a rede educacional? Nosso bairro tem um bom sistema sanitário, as ruas são limpas, existem áreas de lazer? Participamos do debate sobre a reforma da Previdência? Os políticos em quem votamos tiveram desempenho satisfatório? Prestaram contas do mandato?

Em política, tolerância é cumplicidade com maracutaias. Voto é delegação e, na verdadeira democracia, governa o povo por meio de seus representantes e de mobilizações diretas junto ao poder público. Quanto mais cidadania, mais democracia.

Ano de nova qualidade de vida. De menos ansiedade e mais profundidade. Aceitar a proposta de Jesus a Nicodemos: nascer de novo. Mergulhar em si, abrir espaço à presença do Inefável. Braços e corações abertos também ao semelhante. Recriar-se e apropriar-se da realidade circundante, livre da pasteurização que nos massifica na mediocridade bovina de quem rumina hábitos mesquinhos, como se a vida fosse uma janela da qual contemplamos, noite após noite, a realidade desfilar nos ilusórios devaneios de uma telenovela.

Feliz homem novo. Feliz mulher nova.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

ESPIRITUALIDADE É A JANELA DA NOSSA VOCAÇÃO.

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Há três coisas inerentes aos seres humanos: nutrição, sexualidade e espiritualidade. São as fontes de nossa existência. Pela nutrição, desenvolvemos e asseguramos a saúde; pela sexualidade, preservamos e multiplicamos a espécie; pela espiritualidade, transcendemos a nós mesmos, relacionando-nos com a natureza, o próximo e Deus.

Sem ingerir alimentos ninguém vive. De nossos cinco sentidos, o paladar é o primeiro a ser ativado. Ainda na fase intrauterina sugamos os nutrientes maternos. Por isso, este é o mais arraigado dos sentidos. Ao mudar de país, modificamos hábitos, adotamos outro idioma etc., mas jamais trocamos de paladar. Como a linguagem, ele é fator primordial de identificação. Na Austrália ou no Alasca, um brasileiro experimenta indizível prazer ao comer arroz com feijão ou manga e abacaxi.

A comensalidade é o mais humano de nossos atos. Nenhum outro animal cuida de preparar os alimentos e, em seguida, sentar em torno da mesa acompanhado de seus semelhantes. Só nós, humanos, fazemos do preparo dos alimentos uma arte – a culinária. E um ritual – estar à mesa e obedecer a um ritual: talheres, guardanapo, pratos, travessas... E nada pior do que comer sozinho. Comer é comungar, partilhar. É ação ressurrecional. A carne que nos alimenta é um animal que morreu para nos dar vida, assim como a salada, um vegetal, ou o arroz e feijão, cereais... A vida é sempre reciclável. Em torno da mesa dou ao outro algo de mim mesmo. Ele se “alimenta” do meu ser, assim como eu do dele.

A sexualidade pode ser sublimada, reprimida, mas nunca ignorada. É o reflexo da idade que a vida tem em nosso planeta: cerca de 3,5 bilhões de anos. Ela assegura a cadeia geracional que veio se aperfeiçoando desde as trilobitas até o ser humano. É a mais significativa manifestação de que a vida é um fenômeno intrinsecamente comunitário.

A libido, como ensinou Freud, pode ser canalizada, mas não descartada. Nem Jesus deixou de ter pulsão sexual. A questão é saber em que nível se manifesta a nossa sexualidade, como porno, eros, filia ou ágape. Como porno (donde pornografia) o meu prazer é a sua degradação; como eros (donde erotismo) o meu prazer é também o seu; como filia (donde filia + sofia = amizade à sabedoria, filosofia), o prazer reside na amizade, na cumplicidade; como ágape, nossos prazeres culminam na felicidade, na comunhão espiritual entre dois seres que se amam.

Graças à ciência moderna, a sexualidade não está mais atrelada à procriação, o que permite que exista como sacramento amoroso, de interação física da comunhão espiritual. O inverso é perverso: a sexualidade como mero prazer físico, imediato, sem mediação da subjetividade.

Espiritualidade é a janela de nossa vocação à transcendência. Podemos canalizá-la para o consumismo, o mercado, o poder ou escolher o dinheiro no lugar de Deus (Mateus 6, 24), mas ela está sempre presente, pois imprime sentido à nossa subjetividade e, portanto, à existência. Portanto, precede a experiência religiosa, assim como o amor antecipa e fundamenta a instituição familiar. Convém lembrar: Deus não tem religião.

A vida espiritual nos induz à comunhão com Deus e reativa a nossa potencialidade amorosa. O caminho mais curto não é ser amoroso com o próximo para, em seguida, amar a Deus. Ao contrário, invadidos pelo amor de Deus transbordamos amor na direção do próximo.

A comunhão com Deus tem duas vias. A mais em voga imagina que Deus é alcançável pela escalada de nossas virtudes morais. Quanto mais puros e santos, mais próximos estaremos de Deus. A via evangélica adota a direção contrária. Deus é amor e irremediavelmente apaixonado por cada um de nós. Nenhum pecado faz com que ele se afaste de nós e deixe de nos amar. Portanto, basta-nos abrir o coração ao amor divino.

É como a relação de um casal: o homem se sente tão amado e ama tanto a sua mulher que não consegue deixar de ser fiel. Assim é a relação com Deus. Em respeito à nossa liberdade, ele espera apenas que decidamos nos abrir mais ou menos ao seu amor, que é terno. E o método mais fácil a essa abertura é a oração, em especial a meditação, que nos permite descobrir Deus no âmago de nosso ser, e no serviço aos mais pobres, sacramentos vivos da presença de Cristo.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

FELIZ ANO NOVO AOS QUE SABEM FAZER OS OUTROS FELIZES.

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Feliz Ano Novo a quem alarga o horizonte da utopia e espelha a diversidade de gênero nas cores do arco-íris. E aos que proclamam a soberania do amor como lei irrevogável.

Feliz Ano Novo a quem teme sombras de coturnos e aos que se atrevem a ressoar a voz de quem a exclusão silencia, para que também tenha vez.

Feliz Ano Novo aos que livram a democracia de suas algemas liberais e insistem que ela também floresça lá onde a economia impõe a afronta de poucos terem muito e muitos sobreviverem com quase nada.

Feliz Ano Novo aos artistas que fazem da palavra eco de esperança e desnudam, com suas obras, os figurinos da hipocrisia que encobrem a realidade.

Feliz Ano Novo a quem se recusa a beber a cicuta do ódio à espera de que outros morram. E aos que reverenciam a alteridade como ponte que separa a diferença da divergência.

Feliz Ano Novo aos alpinistas da solidariedade, que escalam confiantes a montanha da indiferença para desfraldar, no topo, a bandeira da ontológica sacralidade de cada ser humano.

Feliz Ano Novo a quem é capaz de enxergar os fenômenos sociais além dos efeitos, e reconhece que entender o capitalismo não requer estudos nem decifrar os índices do mercado. Basta sair à rua e ter cuidado de não pisar nos pedintes estendidos pelas calçadas.

Feliz Ano Novo a quem não divorcia liberdade de justiça e não se refugia em sua ilha de conforto cercada de egoísmo mórbido. E a quem se irmana a todos que lutam para que o pão nosso não seja apenas um verso da oração ensinada por Jesus.

Feliz Ano Novo aos que se despem de toda arrogância para desinvisibilizar aqueles que, na loteria biológica, não mereceram o prêmio de uma vida digna. E a quem desconsidera privilégio ter mais alimentos que apetite, e faz disso uma dívida social.

Feliz Ano Novo a quem cultiva seu jardim de valores éticos e ousa abdicar de todo poder capaz de fomentar opressão, discriminação e sofrimento.

Feliz Ano Novo a quem guarda a memória do passado sombrio e não permite que se apaguem as luzes do alvorecer democrático. E a todos que reforçam os laços das demandas populares e tornam ensurdecedor o grito parado no ar.

Feliz Ano Novo a quem não renuncia ao riso nem se deixa abater pelas diatribes do terror. E a todos que impedem que a noite devore o dia, o sol seja engolido pelos buracos negros, e a liberdade trocada pela segurança.

Feliz Ano Novo aos que ousam apontar que o rei está nu e se empenham em arrancar-lhe a coroa. E a quem anuncia aos quatro ventos que não há súditos, somos todos majestades.

Feliz Ano Novo a quem guarda saudades do velho e se paralisa diante da pedra no caminho. E a todos que descobriram que o contrário do medo não é a coragem, é a fé.

Feliz Ano Novo a todos que se sabem habitantes de um minúsculo planeta situado em uma pequena galáxia do Pluriverso e, por isso, aprenderam a recolher as asas da afetação. E a quem garimpa a própria subjetividade em busca de preciosidades inefáveis.

Feliz Ano Novo a todos que desnaturalizam a desigualdade social e se sentem tocados pelo dor alheia. E a quem se desassossega perante os arautos da fatalidade e se soma aos iconoclastas do mercado.

Feliz Ano Novo a todos que, conscientes de que o humano vem com defeito de fabricação e prazo de validade, se despem da empáfia e contabilizam seus erros como lições no rumo da transparência.

Feliz Ano Novo a quem sabe que a fonte da felicidade é fazer os outros felizes. E que um dia abracem esta verdade todos que atropelam os semelhantes com a sua soberba, seus preconceitos e sua voracidade de prazeres. Empanturrados de si mesmos, ignoram que o melhor roteiro turístico é o que nos faz viajar para mergulhar nas aventuras do espírito. No avesso de si, então se encontra o dom do outro. O resto é silêncio.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

RENASCENÇA SOLIDÁRIA

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Neste Natal, quero me despojar de todo visgo consumista e, de presentes, dar e receber apenas presenças. Haverei de partilhar o pão do espírito e a fome de beleza. Não permitirei que o sal da amargura roube a alegria da renascença solidária.

Manterei mudo o celular para escutar minhas vozes interiores. Pela via da oração, buscarei intuir o que Deus sussurra ao coração. Livre de amarras virtuais, irei ao encontro de diálogos reais. E me recusarei a beber a copa de ódio com a qual brindam os que conhecem apenas um mandamento: armar uns aos outros.

Neste Natal, não mais admitirei que os conceitos flutuem nos tetos das academias e que as palavras sejam oxidadas pelo discurso insano de quem invisibiliza seus semelhantes. Farei com que a verdade seja, de fato, a adequação da inteligência ao real. E espalharei por toda a cidade as pétalas da rosa dos ventos, para que perfumem o futuro isento das trevas do passado.

No bazar das hipotecas, não aceitarei trocar liberdade por segurança. Armarei o presépio no espaço inconsútil de minha subjetividade e, atento, escutarei o que o Menino tem a segredar ao ouvido do menino que ainda perdura em mim.

Neste Natal, não irei às lojas nem prestarei culto ao fetiche da mercadoria. Limparei toda a neve retórica que se acumula sobre o desassossego dos excluídos, para que a transparência cale a insolência dos arrogantes. Despedirei Papai Noel para acolher o Deus criança. E cantarei um bendito a todos que guardam o pessimismo para dias melhores.

Não permitirei que a ira e o ressentimento me acerquem da sanha assassina de Herodes. Seguirei a estrela de Belém até que me conduza à fonte da bem-aventurança da fome e sede de justiça.

Neste Natal, descartarei nozes e castanhas para me inebriar de aleluias. E convidarei à ceia aqueles que a ganância afasta do pão deles de cada dia. E reafirmarei meu radical ateísmo ao deus que suporta, indiferente, o mundo no qual poucos têm muito e muitos têm pouco.

Não darei falsos abraços a quem retorce nós em meus laços. Nem erguerei a minha taça de vinho àqueles que oferecem cicuta. Festejarei tão somente com quem trilha comigo as sendas da utopia e acredita que o mundo será melhor quando o menor acreditar no menor.

Reunirei músicos que, abraçados às suas violas, haverão de ressignificar a palavra violência, assim como é prenúncio de paz a paciência. Livrarei a festa de Jesus desse punhado de gente que, sem sabor de comunhão, recheia de prendas o vazio do coração.

Neste Natal, quando o canto do galo despertar outros galos e repletar a aurora de encantos, dobrarei os joelhos ao mistério da vida e ao dom inestimável da existência. Recolhido ao mais íntimo de mim mesmo, fecharei os olhos para ver melhor. E, com certeza, encontrarei o outro que não sou eu e, no entanto, funda a minha verdadeira identidade.

Pedirei aos pastores não trazerem ouro, incenso e mirra. O Menino que padece em tantos meninos esquálidos quer apenas pão e paz. Venham de mãos dadas, prestar-lhe culto no presépio, as duas filhas da esperança: a indignação, para denunciar tão injusta realidade, e a coragem, para mudá-la.

Neste Natal, não enfeitarei falsas árvores com os brilhos intermitentes do cinismo. Protegerei as que se erguem sobre raízes firmes, fortes, fundas e férteis. Farei das motosserras enxadas para cultivar os dons da natureza e haverei de proclamar a soberania dos povos originários.

Não deixarei que o desalento semeie sombras no horizonte de meus sonhos. Em cada esquina anunciarei que a esperança viceja onde a cegueira do poder vislumbra apenas ameaças com seus tentáculos. E cantarei com Maria o magnífico louvor ao Senhor que despede os abastados com as mãos vazias e sacia de bens os famintos.

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

DAR-SE EM VEZ DE DAR


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Natal é tempo de desconforto. Premidos pela publicidade que troca Jesus Cristo por Papai Noel, somos desdenhados como cidadãos e aliciados como consumidores.

Ainda que com dinheiro no bolso, instala-se um oco em nosso coração. Aquece-se a temperatura de nossa febre consumista e, discípulos fundamentalistas de esdrúxula seita, adentramos em procissão motorizada nas catedrais de Mamon: os shopping centers.

Nessas construções imponentes, falsos brilhantes da cenografia cosmopolita, aguardam-nos as oferendas da salvação, premissas e promessas de felicidade. Exibidas em requintados nichos, vitrines reluzentes, acolitadas por belas ninfas, as mercadorias são como imagens sagradas dotadas do miraculoso poder de nos fazer ingressar no reino celestial dos que tudo fazem para morrer ricos.

Livres de profanas figuras que poluem o exterior, como as crianças que transmutam as janelas de nossos carros em molduras do pavor, percorremos silentes as naves góticas, enlevados pela música asséptica e o aroma achocolatado de supimpas iguarias.

Olhos ávidos, flexionamos o espírito de capela em capela, atendidos por solícitas sacerdotisas que, se não podem ofertar de graça o manjar dos deuses, ao menos nos brindam com seus trajes de vestais romanas, condenadas à beleza compulsória.

Eis ali, no altar de nossos sonhos, o Céu antecipado na Terra na forma de joias, aparelhos eletrônicos, roupas e importados, sacramentos que nos redimem do pecado de viver neste país cuja miséria estraga a paisagem.

Com certeza o Natal papainoélico é a única festa em que a ressaca se antecipa à comemoração. Tomem-se vinhos e castanhas, panetones e perus, e um punhado de presentes, eis a receita para disfarçar uma data. E sonegar emoções e sentimentos. Mas não é Natal.

Para se fazer festa de Natal é preciso aquecer afetos e servir, à mesa, carinho e solidariedade, destampando a alma e convertendo o espírito em presépio, onde renasça o Amor. Dar-se em vez de dar, estreitando laços de família e vínculos de amizade.

Urge abrir o dicionário gravado nas dobras de nossa subjetividade e substituir competição por comunidade, inveja por reconhecimento, ressentimento por humildade, eu por nós.

Melhor que nozes nesses trópicos calientes, convém saciar a língua de prudência, privando-se de falar mal da vida alheia.

Um pouco de silêncio, uma oração, a retração do ego, favorecem o encontro consigo mesmo, sobretudo a quem se reconhece alienado de Deus, dos outros e da natureza. Não custa pisar no freio dessa destrambelhada corrida de quem, no afã de ultrapassar o ritmo do tempo, corre o risco de ter a vida abreviada pela exaustão do corpo e a confusão da mente.

Antes dos copos, recomenda-se encher o coração de ternura até transbordar pelos olhos e derramar-se em afagos e beijos.

Pois de que vale o Natal se não temos coragem de nos dar de presente a decisão de nascer de novo?


FELIZ NATAL.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

MST: OCUPAR, RESISTIR, PRODUZIR


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"A terra, ela é sagrada. Nas mãos de quem trabalha a terra
Suor, vida, trabalho e terra. O direito a terra é de quem trabalha
Com a vida que nasce da terra, e ao pó da terra a vida voltará"
(Canto da Terra Sagrada - Paulo Amorim) Por Luiz Fernando Leal Padulla*

Outras vezes já falei sobe o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e sua importância para a democratização das terras. Terras essas, por sinal, que devem ser distribuídas quando não producentes, seguindo nossa Carta Magna, promovendo a urgente e necessária reforma agrária:

Artigo 184 da Constituição Federal: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social [...]”

Afinal, à quem serve o latifúndio, a não ser a especulação imobiliária, concentrando muitas terras nas mãos de poucos, enquanto muitos nada têm?

Corajosamente, sob o lema de OCUPAR, RESISTIR e PRODUZIR, esse movimento social é um dos mais importantes atualmente, principalmente por conta de um regime autoritário e fascista que cresce em nosso país.

Gente aguerrida, trabalhadora, lutadora.

Em tempos onde o agronegócio manda e desmanda no (des)governo com a "bancada ruralista", cada vez mais e mais agroTÓXICOS são liberados para a contaminação ambiental, sob a falaciosa ideia de aumentar a produção, a agricultura orgânica e familiar se levanta e se une.

A unidade é tamanha e importante, que faz do MST o maior produtor de alimentos orgânicos do país.

É mais do que necessário o apoio da sociedade para com esses agricultores e agricultoras, que confrontam a petulância e a força do agronegócio, não apenas para promover a produção de alimentos saudáveis, mas também para dizer um basta aos abusos desse meios de exploração, insustentável para nossa sociedade.

E falar do MST, é falar de agroecologia e ecossocialismo, uma vez que visa sim a produção, mas sem extrapolar os limites da natureza. Mais do que isso, como bem diz a socióloga e professora Sabrina Fernandes, o ecossocialismo também preza a reorganização do trabalho, qualidade de vida, justiça social internacionalista, alimentação melhor e saudável e, claro, repensa o impacto que nossa sociedade causa no planeta. Tudo aquilo a que se opõem o agronegócio.

A disputa entre o agronegócio e a agroecologia é desigual, muitas vezes desumana.

Puberdade precoce, má-formação de fetos, alergia alimentar, câncer, contaminação da água, do solo, do ar e até do leite materno. Esses são alguns dos reflexos do que agrotóxicos causam. Além de Tóxico, o Agro é Mentiroso. O Agro Escraviza. O Agro Desmata. O Agro promove a perda da biodiversidade e ameaça a própria produção alimentar - basta vermos o que está acontecendo com as abelhas, insetos extremamente importantes para a polinização de 80% dos alimentos que consumimos.

Mais do que uma produção saudável, fruto da terra, com preço justo, o MST promove educação, cultura, formação cidadã. O alimento saudável é o carro chefe desse movimento, e defendê-lo é sim um ato político! E isso incomoda tanto que os assassinatos no campo, e em terras indígenas ocorrem livremente, contando com a conivência não apenas de um presidente fascista, mas das próprias autoridades que deveriam proibir e impedir esse extermínio.

Sem a posse da terra, não há produção de alimento saudável, nem dignidade e justiça social. A luta que começou há mais de 35 anos, deve continuar.

Lutar é um ato de resistência! Lutar contra o fascismo é nossa obrigação!

sábado, 21 de dezembro de 2019

"O QUE VOCÊ ESTÁ PENSANDO".


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Toda vez que abro o Facebook ele me pergunta: "O que você está pensando...?"

Acho que nem o Mark Zuckerberg tem ideia de como essa pergunta me faz pensar. É que "o pensamento parece uma coisa atoa, mas como é que a gente voa, quando começa a pensar..."

Agora, por exemplo, estou pensando nas milhões de pessoas, país afora, condenadas a ter como quase única opção de informação e lazer a TV aberta.

Estou sozinho num hotel,  O evento que vou assistir é às 17h. Tempo fechado, chuvoso, hotel distante de tudo.

Zapeio a TV: Globo, Band, Record, SBT...

Outros canais, só chuvisco.

Penso que isso explica em parte as cenas recentes de milhares de pessoas enfrentando horas de fila para se despedir do apresentador Gugu Liberato.

Até o presidente Bolsonaro embarcou na comoção geral, em nota oficial onde dizia:

"O país perde um dos maiores nomes da comunicação televisiva, que por décadas levou informação e alegria aos lares brasileiros...".

A morte de qualquer pessoa me empobrece e entristece. Toda pessoa é da família humana a que pertenço. Nesse sentido, lamento a morte do apresentador, ainda mais nas circunstâncias em que ocorreu. Mas... a morte não nos isenta da responsabilidade pelo que fizemos em vida.

Gugu passou sua vida profissional na guerra pela audiência. E nessa guerra valeu tudo. Entrevistas forjadas, erotismo rasteiro, exploração piegas das misérias alheias. Serviu com "brilho" à "comunicação televisiva", esse lixão que, agora, está à minha disposição neste solitário e cinzento quarto de hotel.

Pertenço à minoria que pode pagar a TV a Cabo mais cara do mundo.

Tenho acesso à internet no meu celular. Ouço e interajo com o Rádio. Concordo e discordo do Reinaldo Azevedo.

Tenho meu próprio blog, onde posto minhas ideias e opiniões. Estou conectado, sou confirmado e contestado. Aprendo sempre, com os dois lados. Ou seja, tenho pra onde correr, pra onde possa exercitar meu senso crítico.

Milhões de brasileiros, não. Feito gado aboiado, celulares em riste para fazer a selfie fúnebre, alienados, in-felizes, correm pra fila, chorosos, pra enterrar o Gugu Liberato, sem saber que ele continua bem vivo e ao vivo, no ar, em todos os canais da TV aberta...

"Felicidade foi-se embora...?"

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

OS HERODES DESTE NATAL.


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O Natal sempre possui o seu idílio. Não pode haver tristeza quando nasce a vida, especialmente quando vem ao mundo  o Divino Infante, Jesus. Há anjos que cantam, a estrela de Belém que brilha, os pastores que velam à noite o seu rebanho. Mas lá estão principalmente Maria, o bom José e o Menino deitado numa manjedoura, “porque não havia lugar para eles na hospedaria”. E eis que apareceram também vindo do Oriente, uns sábios, chamados magos, que abriram seus cofres e ofereceram ouro, incenso e mirra, símbolos misteriosos.

Mas havia também um rei mau, Herodes, crudelíssimo a ponto de dizimar toda sua família. Ouviu que nascera na cidade de Davi, Belém, um menino que seria o Salvador. Temendo perder o trono, mandou matar em Belém e arredores, todos os meninos de dois anos para baixo.

Os textos sagrados conservam um lamento dos mais pungentes de todo o Novo Testamento:”Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e muito gemido. É Raquel que chora os filhos e não quer ser consolada porque os perdeu”( Mateus 2,18).

O Natal deste ano nos traz à mente os atuais Herodes que estão dizimando nossas crianças e jovens. Entre 2007-2019, 57 crianças e jovens até 14 anos foram mortos no Brasil por balas perdidas, em ações policiais. Só neste ano de 2019 no Rio de Janeiro, 6 crianças e 19 adolescentes perderam a vida em ações policiais, informa a Plataforma Fogo Cruzado. Houve na região metropolitana do Rio 6.058 tiroteios com arma de fogo, com 2.301 pessoas baleadas das quais 1.213 foram mortas e 1.088 gravemente feridas. O caso mais clamoroso foi da criança de 8 anos Aghata Félix morta por disparo de fuzil pelas costas dentro de uma kombi quando ia para casa com sua mãe.

Seus nomes merecem ser referidos. Embora com poucos anos a mais, tiveram o mesmo destino dos mortos por Herodes: Jenifer Gomes,11 anos; Kauan Peixoto 12 anos; Kauã Rozário 11 anos; Kauê dos Santos 12 anos; Agatha Félix 8 anos; Ketellen Gomes 5 anos.

O governador do Rio de Janeiro com sua polícia feroz vem sendo acusado de crime contra a humanidade pois manda atacar as comunidades com helicópteros e drones, aterrorizando a população. O prefeito Marcelo Crivella confessou que nas 436 escolas instaladas nas comunidades, devido às ações policiais, as crianças perderam 7000 horas de aula.

Junto com a mãe de Aghtata Félix, Vanessa Francisco Sales que carregava no enterro a boneca da Mônica que sua filhinha tanto gostava, fazem-se ouvir as mesmas vozes que a Raquel bíblica: As mães do Morro do Alemão, do Jacarezinho, da Chatuba de Mesquita, da Vila Moretti de Bangu, do Complexo do Chapadão, de Duque de Caxias, da Vila Cruzeiro no Complexo da Penha, de Maricá. Escutemos seus lamentos:

“Ouvem-se muitas vozes, muito choro e muitos gemidos. As mães choram seus queridos, mortos por balas perdidas; não querem consolar-se porque perderam suas crianças para sempre. Pedem uma resposta que não lhes vem de nenhuma instância. Entre lágrimas e muitas lamentações suplicam: parem de matar nossas crianças. Parem, pelo amor de Deus. Queremos elas vivas. Queremos justiça”.

Este é o contexto do Natal de 2019, agravado por uma política oficial que usa os meios perversos da mentira, do fake news, de muita raiva e de ódio visceral. Jesus nasceu pobre e pobre viveu a vida inteira. E surge um presidente que tem frequentemente Jesus em seus lábios e não em seu coração porque difunde ofensas a homoafetivos, a negros, a indígenas e a quilombolas e a mulheres.

Diz abertamente que não gosta de pobres, quer dizer, não gosta daqueles que Jesus disse: “bem-aventurados os pobres”  e que os chamou “meus irmãos e irmãs menores” e que no ocaso da vida serão nossos juízes (Mt 25,40). Não gostar dos pobres significa que não quer governar para as maiorias dos brasileiros que são pobres e até miseráveis, para os quais deveria primeiramente governar e cuidá-los.

Apesar disso tudo, há que se celebrar o Natal. Faz escuro mas festejamos a humanidade e a jovialidade de nosso Deus. Ele se fez criança indefesa. Que felicidade em saber que seremos julgados por uma criança que apenas quer brincar, receber e dar carinho e amor.

Que o Natal nos conceda um pouco daquela luz que vem da Estrela que encheu de alegria os pastores dos campos de Belém e que orientou o sábios-magos para a gruta. “Sua luz ilumina cada pessoa que vem a este mundo”(Jo 1,9), você e eu, todos, não só os batizados.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

CULPABILIZAR OS RICOS E VITIMAR OS POBRES, NÃO BASTA.


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Segundo o doutor em demografia José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (IHU, 31/10/19; EcoDebate, 30/10/19), a humanidade já esgotou a biocapacidade da Terra. Em 1961, o mundo tinha superávit ambiental de 2,6 bilhões de hectares globais (gha). Devido ao crescimento demoeconômico, o superávit se transformou em déficit a partir da década de 1970. Em 2016, a pegada ecológica total, de 20,6 bilhões de gha, superou a biocapacidade total de 12,2 bilhões de gha. Portanto, o déficit ecológico é de 8,4 bilhões de gha. A Terra está sobrecarregada em 70%.

É equivoco pensar que a devastação ambiental resulta apenas do consumo das nações ricas. A sustentabilidade ecológica depende também da questão demográfica, agravada, sobretudo, pelas mais pobres. Segundo a Global Footprint Network, a população de alta renda era de 1,13 bilhão de habitantes em 2016, com pegada ecológica per capita de 6 gha (a pegada ecológica dos EUA é de cerca de 8 gha). É um índice elevado, porém menor do que os 8,4 bilhões do déficit global existente em 2016.

Alves assinala que, mesmo que todo o consumo dos ricos fosse zerado, o restante da população mundial (sem os ricos) continuaria com déficit ambiental de cerca de 1,6 bilhão de gha. Ou seja, se as pessoas de alta renda do mundo fossem “eliminadas num passe de mágica”, ainda assim o restante da população mundial teria uma pegada ecológica total de 13,8 bilhões de gha, para uma biocapacidade global de 12,2 bilhões de gha. O planeta, sem os ricos, continuaria tendo déficit ambiental de 13% (gasto de 1,13 planeta).

Ele propõe imaginarmos um mundo com o mesmo nível de consumo. E que, graças aos avanços tecnológicos e estilo de vida frugal, esse impacto fosse muito baixo: por exemplo, pegada ecológica de apenas 2 gha por habitante (inferior à pegada ecológica de 2,75 gha do mundo, em 2016).

Considerando que a biocapacidade total da Terra é de 12,2 bilhões de gha, haveria sustentabilidade ambiental neste cenário de pegada ecológica média de somente 2 gha? Sim, haveria superávit ambiental se a população fosse inferior a 6,1 bilhões de habitantes. Mas uma população de quase 8 bilhões de habitantes, como a que se aproxima, viveria em déficit ambiental. Mesmo que a pegada ecológica per capita mundial ficasse em 1,75 gha (como em Papua Nova Guiné, em 2016) só haveria superávit ambiental com uma população inferior a 7 bilhões de habitantes.

Portanto, a solução é reduzir o volume de empreendimentos voltados ao lucro para possibilitar a restauração da vida natural. E superar a dualidade: reduzir o consumo ou o crescimento da população? É preciso reduzir os dois, sem, no entanto, adotar políticas que resultem em extermínio dos pobres!

Segundo Theodore P. Lianos (2018), o ponto de equilíbrio ambiental estaria em uma população global de cerca de 3 bilhões de habitantes. H. Daly (Ecologies of Scale, New Left Review 109, 2018) sugere que a população deve ficar estável em nível compatível com o equilíbrio ecológico, ou seja, 3 bilhões de pessoas. Isso pode ser alcançado se cada família for estimulada a ter menos de dois filhos. O que se obtém elevando o nível de educação da população em geral.

Do ponto de vista climático, o mundo tem prazo até 2030 para reduzir pela metade as emissões de CO2, e zerar as emissões líquidas até 2050, pois o “orçamento carbono” vai se esgotar.

O decrescimento populacional é necessário para evitar o colapso ambiental e minorar os danos de uma grave crise ecológica. Porém, não é suficiente. É preciso também reduzir o consumo e mudar o estilo de vida.

Em suma, não basta culpabilizar os ricos e vitimizar os pobres. O esforço para evitar o colapso ambiental terá que ser de todos, mesmo que haja responsabilidades diferenciadas.

sábado, 14 de dezembro de 2019

FORTALECENDO A CAPACIDADE DE SABER ESPERAR



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Saber esperar é um princípio da sabedoria capaz de evitar a precipitação de processos, a desorganização das dinâmicas e prejuízos irreversíveis. Esse princípio da sabedoria equilibra a condição emocional, cura a ansiedade que, além de adoecer, induz a escolhas equivocadas. O exercício existencial de saber esperar inscreve-se na dinâmica psíquico-emocional, requer balizamentos para a garantia de sua conquista. Conduz ao equilíbrio indispensável para as relações interpessoais, no horizonte complexo de decisões que impactam a vida. Assim, saber esperar é um dom necessário para se organizar a sociedade sob os parâmetros do viver fraterno e solidário. Saber esperar conta, de modo determinante, na composição de dinâmicas e marcos civilizatórios, direcionando a sociedade contemporânea na superação de sua incompetência humanística, que configura descompassos irracionais e injustiças.

Por não saber esperar, as pessoas e a sociedade sofrem com fracassos e encontram dificuldades para experimentar a vida como dom inquestionável. Cultivar essa capacidade não é simples. Requer engajamento em processos educativos capazes de consolidar, nas dimensões psíquica e moral, valores e princípios indispensáveis para uma conduta humana nobre, instrumento para a edificação em contraponto a todo tipo de irracionalidades. Mas, em vez dessa necessária qualificação para o exercício da paciência, alarma constatar que as dinâmicas contemporâneas desenvolvem nos cidadãos a incapacidade para saber esperar. A velocidade dos avanços tecnológicos, com o crescente uso de dispositivos eletrônicos para se comunicar, tem contribuído para acentuar essa incapacidade.

A impaciência crescente inviabiliza diálogos e compromete a necessária escuta construtiva, atitude que tece relações humanas e recompõe entendimentos. Por não saber esperar, torna-se cada vez mais comum o comprometimento da civilidade básica, com atitudes balizadas por indiferenças, falta de acolhimento e insensibilidade. A impaciência compromete até mesmo o respeito à boa educação. Esses sérios comprometimentos no conjunto da vida atual, pela falta de paciência, têm, no tempo litúrgico do Advento, vivido 
 em preparação para acolher o Salvador Jesus Cristo, em seu Natal, as dinâmicas que ensinam o coração humano a esperar.

A grande tônica do tempo do Advento é a espera confiante, não emoldurada pela ansiedade, a partir da experiência de se fixar o olhar na pessoa de Jesus Cristo. Trata-se de um exercício de fé que qualifica expectativas e leva a escolhas acertadas, diante dos muitos anseios que efervescem no íntimo de cada ser humano. Saber esperar requer o assentar-se em uma esperança que seja fidedigna. Não se trata de uma aposta “no escuro” ou simplesmente reduzir aquilo que se busca a parâmetros medíocres. Em vez disso, é cultivar a força para enfrentar o tempo presente e avançar até que sejam alcançadas as metas almejadas, sem se deixar abater pelo cansaço do percurso, livrando-se do perigo dos imediatismos e criando as resiliências necessárias para lidar com dissabores, imprevistos.

O segredo para cultivar a paciência é ter sabedoria para bem definir sobre qual esperança se assenta o viver. É arriscado e perigoso cultivar uma esperança construída sob a hegemonia perversa da idolatria do dinheiro, que alimenta o desejo de apenas acumular posses, riquezas, e resulta em uma felicidade efêmera, que se dilui com o tempo, nas circunstâncias finitas da existência humana. O tempo do Advento permite, a partir de suas celebrações e pedagogia próprias, o enraizamento de uma esperança fidedigna: a oportunidade do encontro com a pessoa de Jesus Cristo. O Mestre vem ao encontro de todos. Acolhê-Lo na centralidade do viver é a providência para perenizar a fonte de uma autêntica capacidade de saber esperar. Permite a cada pessoa conduzir a vida reconhecendo-a como dom.

O tempo do Advento - com a interpelação da Palavra de Deus, na sua beleza, a sensibilizadora liturgia celebrada - pode corrigir a habitual teimosia de se depositar esperança equivocadamente naquilo e naqueles que não podem garantir fontes de fidedigna esperança. A indicação é simples, o desafio existencial é enorme e o resultado é transformador ao se vivenciar a proposta do Advento, pela experiência do encontro e do conhecimento de uma pessoa que muda vidas, dando a elas seu sentido verdadeiro e fortalecendo a capacidade de saber esperar para bem viver. Conhecida esta Pessoa, Jesus Cristo, compreende-se que não são os elementos do cosmo ou as leis da matéria que regem o mundo e o homem, mas Deus, que governa o universo. É reconhecido um largo horizonte, com a estrela de uma esperança fidedigna que aponta o rumo a ser seguido. Aprende-se a esperar, vencendo ansiedades. E, mesmo diante de tropeços ou acontecimentos adversos, a alegria de viver permanece sempre.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

SEMPRE FOI ASSIM.


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A mais perversa armadilha da alienação é acreditar que “sempre foi assim’’ e, portanto” sempre será assim”. A consciência imediata, presa à particularidade da época em que vive, tende a transformar em naturalidade os contextos sócias, culturais e históricos, justificando a inevitabilidade das formas sociais estabelecidas. Por esse motivo, o estudo da história é subversivo, é revolucionário, por que serve ao desmascaramento das ideologias, porque, ao inserirem os contextos particulares em sua história, desvelamos sua pretensões de universalidade.

Quando somos capazes de compreender nossa sociedade como parte da história, podemos compreender o processo pelo qual ela se tornou o que é e, dessa maneira, tentar entender o movimento que conduz à possibilidade de superação da sociedade capitalista e da emancipação humana. Eduardo Galeano, em seu magistral livro Dias e noites de amor à guerra, afirma que nosso sistema odeia tudo que é novo e é por isso que, nas ditaduras que sangraram a América Latina, a história estava proibida, porque insistia em nascer todo dia renovada, assim como os jovens; por isso , a juventude e a história estavam proibidas.

Nós, que queremos mudar o mundo, temos de libertar a história, por que ela está aprisionada por um discurso que a nega.

“A história acabou, a verdade não mais existe, o passado não explica o presente”, gritam todos os matizes pós-modernos que nada mais fazem que reapresentar os velhos motivos que levaram Marx a ironizar o pensamento burguês de sua época afirmando que para aqueles senhores “ houve história, mas não há mais” . A burguesia reorganizou a história para justificar o capitalismo como forma final da sociedade humana, de forma que todas as épocas nada mais são que passos para se chegar na catástrofe atual elevada à condição de única alternativa possível.

Libertar a história significa deixar que os silêncios falem, mas não para que construamos um outro discurso que reorganize o que passou. Toda leitura da história significa um posicionamento aberto a uma determinada escolha de futuro. Marx, por exemplo, ao apontar para a possibilidade da emancipação humana em uma sociedade sem classes e sem Estado, só pôde considerar essa odisséia até aqui realizada como a “pré-história da humanidade”.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

DEMÔNIOS NÃO TRAFEGAM NO MEU MUNDO INTERIOR

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É notório que há no Brasil um clima de ódio e discórdia, agudizado . Não participo dele. Não por virtude, mas por comodismo. Situações de vida me ensinaram a não ter ódio de ninguém nem somatizar conjunturas políticas. Meditação e oração são meus antídotos.

É obvio, há pessoas das quais prefiro não ser amigo. Não por querer mal a elas, e sim por discordar radicalmente de suas ideias. Ideias que contrariam princípios que norteiam a minha vida. Isso torna o diálogo quase impossível. E não sou de bater boca. Só lamento o sofrimento que causam quando as teses que defendem são levadas à prática. Como é o caso do racismo, da homofobia, do machismo, da arrogância e da opressão.

Evito também quem naturaliza a desigualdade social e defende estruturas sociais e leis que aprofundam o aviltante abismo entre os pouco ricos e os muito pobres.

Repito, não trago em mim sentimento de raiva ou ódio por qualquer pessoa. Nem a quem repudio, como os torturadores e assassinos. Isso não me faz melhor do que ninguém. A vida me ensinou que ódio é um veneno que se toma esperando que o outro morra. Portanto, não abro mão deste bem que me é tão precioso e constitui a razão de minha felicidade: a paz de espírito.

Demônios não trafegam em meu mundo interior. Mantenho relações de amizade com amplo espectro de pessoas de diferentes ideologias, religiões e condições sociais. Todos sabem exatamente o que penso, quem sou, o que faço. Pela simples razão de eu ter atividades  sociais notórias, e expor o que penso em inúmeros artigos que produzo.

Para manter contato com pessoas tão díspares há que reconhecer a importância da virtude da tolerância. Nunca fecho as portas à possibilidade de uma boa amizade. Aliás, condição primeira para ser feliz, frisou o velho Aristóteles, há 24 séculos.  Sustento-me nas relações de amizade. Quase todas, aliás, parceiras. Porque além da amizade que nos aproxima, com a maioria compartilho projetos e ideais comuns: de militantes que lutam por terra e teto a gente muito rica.

Portanto, não incorporo a crise brasileira. Conheço suas causas, e não é o acúmulo de emoções que apontará soluções. Considero perda de tempo as discussões virtuais. Uso moderadamente as redes digitais e jamais polemizo com quem me acessa. Uso parcimoniosamente o Twitter e o WhatsApp. E não gosto de falar ao telefone. Nele sou telegráfico. Jamais o ocupo por mais de dois minutos.

Esta a minha postura nesse conflituoso mapa da diminuta parcela da sociedade brasileira mergulhada nas turbulências desse tempo de intrigas. Diminuta porque há milhões de pessoas que não estão nem aí, não acessam redes digitais, e se encontram muito ocupadas em lutar pela sobrevivência, cuidar dos filhos, de suas lavouras e de seus negócios, levantar cedo para enfrentar dura jornada de trabalho. Essa gente não figura entre os que formam (ou deformam) isso que se denomina “opinião pública”.

Em resumo, a vida é mesmo conturbada e todos nós, humanos, somos tributários das espécies que nos precederam na escala evolutiva, como os répteis egocentrados. Há, contudo, o esforço civilizado de nos descentrarmos e enxergar o próximo. Sem buscar nele a nossa imagem e semelhança, como se ele fosse espelho de nosso olhar narcísico. A boa democracia, tão apregoada e pouco praticada, exige que não se converta a diferença em divergência.

O que temos de comum é o que todos almejamos, amar e ser amados. A essa experiência denomino Deus. Quase todos concordam comigo, exceto em um detalhe: Deus quer ser amado naqueles que Ele criou à sua imagem e semelhança, incluídos índios, negros, gays e pobres.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

COMO ESTÁ E O QUE VEM POR AI.


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“Líder dos caminhoneiros autônomos, Marconi França anunciou que, à zero hora da próxima segunda-feira, dia 16, pelo menos 70% dos cerca de 4,5 milhões de profissionais autônomos e celetistas vão parar em todo o país” (Correio Braziliense).

“Seremos muito mais exigentes no trato com o governo. A bancada dá sustentação política e tem de ter o respeito que merece. Certamente, vamos subir o volume da nossa voz para exigir do governo decisões que defendemos” (deputado Alceu Moreira, presidente da frente parlamentar do agronegócio, também conhecida como a bancada do boi, em entrevista ao Estadão).

Essas notícias não estão nas manchetes, mas deveriam, porque a ordem unida da imprensa agora é dizer que a economia desencalhou e o pior já passou, o Natal vai ser uma beleza.

As maiores ameaças ao governo, às vésperas de completar um ano, não vêm da oposição, mas de seus aliados de primeira hora, os 14% da população, segundo o Datafolha deste domingo, que formam o “gado bolsonarista”, núcleo duro da extrema-direita de raiz.

Fundamentais na sua eleição, caminhoneiros e ruralistas têm as mesmas queixas, uns acusando os outros de serem beneficiários do governo.

O que está em jogo é o preço do combustível e o valor do frete, fantasmas que já fizeram o país parar outras vezes.

“O governo não cumpriu nada do que prometeu. O preço do diesel teve 11 altas consecutivas, em 2019. Não aguentamos mais ser enganados pelo senhor Jair Messias Bolsonaro, que protege o agronegócio e diz que o caminhoneiro só sabe destruir rodovias”, acusou o líder dos caminhoneiros.

De outro lado, com 247 deputados e 40 senadores, a bancada ruralista é um dos paus da barraca do governo bolsonarista.

Alceu Moreira, que sucedeu Teresa Cristina, hoje ministra, na liderança da bancada, considera inaceitável a redução de recursos para o Ministério da Agricultura em 2020.

O impasse está criado. Se aumentar o valor do frete para evitar a greve dos caminhões, o governo desagrada a bancada do boi porque vão aumentar os custos do transporte.

Como a Petrobras e o ministro Paulo Guedes nem pensam em reduzir o preço dos combustíveis, o cobertor é curto para abrigar as demandas do “gado bolsonarista”.

Sem partido e sem articulação política no Congresso, Bolsonaro precisa dessas bancadas temáticas para se manter no poder.

Não pode contar só com os evangélicos da “bancada da Bíblia”, que já prometeram lhe entregar cinco milhões de assinaturas para legalizar a Aliança para o Brasil, em troca de apenas dois ministérios.

No troca-troca instalado pela “nova política” em Brasília, só quem sai perdendo é o baixo clero do eleitorado do capitão, com o aumento do preço dos alimentos, a começar pela carne.

Com apenas 30% de aprovação no novo levantamento do Datafolha e rejeitado por 38% dos brasileiros, Bolsonaro é o mais mal avaliado presidente eleito no primeiro ano de governo, empatado com Fernando Collor.

Alguns colunistas mais deslumbrados com o crescimento de 0,6% do PIB, na falta de um tucano competitivo, agora deram para achar que o governo é uma maravilha e a reeleição são favas contadas.

Vivemos num mundo de fantasia, que se desfaz quando vamos à feira ( a inflação está sob controle…) e contamos quantos dias ainda faltam para acabar o mês, sempre antes do salário.

Metade do contingente de trabalhadores brasileiros já está na informalidade e não deve surpreender a ninguém que os maiores índices de aprovação de Bolsonaro estejam entre os homens brancos, mais ricos e moradores do Sul.

Entre os empresários, depois das reformas trabalhista e previdenciária, o apoio chega a 58%.

De abril a dezembro, na população em geral, o otimismo com o governo caiu de 59% para 43%.

Para 55%, a crise deve demorar para acabar e o Brasil não vai voltar a crescer tão cedo.

Toda pesquisa permite mil leituras, mas o índice que mais deveria preocupar o capitão-presidente é a sua falta de credibilidade: 80% dizem ao menos desconfiar de declarações de Bolsonaro.

Entre eles, encontram-se agora caminhoneiros e ruralistas _ e aí está o perigo.

Só 19% ainda acreditam em tudo o que ele fala, depois de menos de um ano de governo.

É o que temos para hoje.