segunda-feira, 28 de março de 2022

TEMPOS MODERNOS.

É um jogo. Como em todo jogo, há vencidos e vencedores. Foi exatamente isso que perceberam os gregos antigos e, séculos depois, a psicologia captou: no jogo, no esporte, a pulsão humana encontra o seu espaço de catarse. E não faz do adversário inimigo.

O Big Brother, contudo, não se compara ao teatro grego. E dissemina a cultura do buraco da fechadura, favorecida amplamente pelas redes digitais, nas quais predomina o narcisismo. Nesse jogo de espelhos, o usuário expõe, para gáudio ou inveja de seus parceiros de nicho, o que comeu no almoço, a notícia de jornal que lhe despertou mais atenção, o livro que lê, até mesmo fotos e mensagens privadas trocadas com amigos íntimos. Caiu na rede é peixe…

Se uma pessoa posta no Instagram, no Whatsapp, Facebook ou em qualquer outro canal que cortou superficialmente a mão ao usar a faca de cozinha, imediatamente o receptor se faz retransmissor, e o que foi dito a um ressoa em milhares. Como quem conta um conto aumenta um ponto, não será surpresa se, dia seguinte, houver quem diga que fulano teve a mão amputada…

A cultura do buraco da fechadura ganhou tal proporção que, se um parceiro de nicho deixa de dar notícias, logo sofre uma torrente de cobranças. “Está doente?”; “Por que não tem postado?; “O que é feito de sua vida?”

Avesso como sou à invasão de privacidade, bem sei como é isso. O direito de se resguardar virou quase uma desfeita para com os amigos. Agora o axioma não é mais “penso, logo existo”. É “existo, porque me exponho”. Como diria Chacrinha, multidões erguem as mãos na expectativa de que lhes atirem bacalhau…

 

quarta-feira, 23 de março de 2022

EDUCAR COM O CORAÇÃO.

A qualidade da educação vai além da transmissão e do aprendizado de conteúdos informativos e técnicos – essenciais para a condução de processos. Envolve o compartilhamento de convicções e de experiências, emoldurando e fecundando as dinâmicas do contexto educacional. Compreende-se, consequentemente, que ensinar com amor é força pedagógica determinante e investimento importante para que a humanidade consiga revestir-se de um novo tecido civilizatório, com mais fraternidade, justiça e paz. Por isso, abordagens relacionadas aos processos educativos não se limitam aos ambientes das escolas e academias. 

A sociedade pede rápidas mudanças, que podem ser alcançadas por meio de um processo educativo capaz de levar o ser humano a reconhecer a sacralidade da vida e a necessidade de se priorizar a fraternidade universal. Tristemente, o mundo convive com escolhas e decisões equivocadas que inviabilizam esse reconhecimento. Com isso, a justiça e a paz ficam comprometidas, convive-se com os horrores das guerras, com a exclusão social que agrava cenários de miséria e de fome. A vida – da concepção à morte, com o declínio natural – fica permanentemente ameaçada, por escolhas e decisões equivocadas, também de dirigentes e líderes. Convive-se com o envenenamento das manipulações de interesses e até de legislações, para favorecer desmandos e ilegalidades. Atitudes egoístas que atrasam a sociedade na conquista de uma lucidez possível, quando considerados os avanços científicos e as lições oferecidas pela história.

Ensinar com amor é, pois, o desafio a ser assumido para que se possa transformar a realidade. Particularmente, merece atenção o que ocorre no Brasil, onde o ensino formal avançou significativamente nas últimas décadas, mas, ao mesmo tempo, há graves desafios estruturais no campo da educação. As dimensões continentais do País, marcadas pelas singularidades regionais, configuram um cenário complexo, com problemas que, para serem superados, pedem a participação de toda a sociedade, com inteligente e arrojada articulação de instâncias governamentais. De modo especial, é preciso acabar com uma dívida histórica, relacionada à escolarização dos mais pobres. Trata-se de “um dever de casa” que o Brasil não conseguiu concluir.

A atuação de educadores no âmbito formal escolar, na família, nas instâncias governamentais e empresariais é, pois, decisiva. Igualmente importante: cada cidadão compreenda que processos educativos são válidos e cumprem bem o seu papel na medida em que se ensina com amor. Isto significa reconhecer a importância do outro, do sentido de alteridade, conforme ensina a fé cristã. Essa compreensão sublinha a importância do amor, invalidando ódios e disputas. Assim, revela-se prioridade investir na educação dos sentimentos e das emoções, de onde podem nascer preconceitos e discriminações que ferem o tecido civilizacional. Consegue aprender e, consequentemente, ensinar com amor quem se deixa fecundar pela espiritualidade da solidariedade fraterna, curando-se dos extremismos e das polarizações. Trata-se do caminho que leva à competência para falar com sabedoria. O mundo precisa, muito e urgentemente, de quem ensina com amor.

quarta-feira, 16 de março de 2022

PELO DIREITO E CHORAR.

 




Como diz o texto de Lucio Carril: A Globo agora diz por quem você deve chorar. Como não te mandou chorar pelos 500 mil mortos na Síria, você não chorou. Você também não chorou pelos mortos do Iraque, da Líbia, da Iuguslávia, da Somália. Você só chora por quem te mandam chorar.

A CNN mandou você chorar pelos refugiados da Ucrânia. Pessoas desesperadas com as bombas que voam sobre suas cabeças. Mas a CNN não mandou você chorar pelos 6 milhões de refugiados da Síria. Nem pelos 2,7 milhões da Iuguslávia.

A Band mandou você chorar pelas crianças presas na Rússia. Uma abominável atrocidade. Mas a Band não mandou você chorar pelas mais de 100 crianças mortas nas repúblicas de Donetsk e Lugansk, vítimas dos bombardeios de drones mandados por Zelenski.

A mídia que controla teu choro já controla tuas emoções há muito tempo. Teu choro se tornou seletivo porque você só chora por quem te mandam chorar.

Se quer soltar o choro, chore por todos os mortos pelo imperialismo no mundo.

Chore pelo 250 mil mortos de Hiroshina e Nagasaki. Chore pelo povo queimado com napalm no Vietnã. Chore pelas mulheres estupradas pelo exército americano no Afeganistão.

Se quer chorar, chore pelas mulheres, homoafetivos e negros mortos no Brasil.

Não deixe que seu choro seja conduzido por quem cria todos os motivos para que você chore.

Quem diz hoje por quem você deve chorar está por trás de todas as maldades neste mundo. Aquelas maldades que poderiam te fazer explodir de tanta indignação, mas não te contam. Só falam pra você aquilo que querem que te faça chorar.

Mas pense bem. Podemos chorar juntos, mas teremos que fazer de nossas lágrimas um pingo de mudança neste mundo, onde ninguém mais tenha que dominar nosso choro.

E não choraremos mais de tristeza. Todas nossas lágrimas serão de felicidade pela vida que florescerá da paz e da justiça.