segunda-feira, 30 de maio de 2022

JUSTIÇA PARA OS POBRES,

Se não se é capaz de suscitar esperança para os pobres, não haverá esperança para ninguém, nem mesmo para os chamados ricos.

Compreende-se assim que a opção preferencial pelos pobres tem sentido e raízes na autêntica fé em Cristo, o Salvador e Redentor do mundo. A compreensão dessa verdade implica na consideração prioritária dos pobres em tudo, exercício humanístico e espiritual para reconhecer critérios alinhados com a defesa da justiça. Assim, a Igreja se torna, por exigência evangélica, advogada da justiça e defensora dos pobres – desdobramento e efetivação da vivência autêntica da fé. Ora, não se pode desconsiderar que a fé em Cristo nasce também da solidariedade – atitude permanente de encontro, de fraternidade e de serviço. Isto significa fazer valer uma justiça que advoga em defesa da vida, em todas as suas etapas, da concepção ao declínio com a morte natural, englobando a superação de situações ameaçadoras do meio ambiente. Dentre essas situações, uma perspectiva de certos agentes do sistema legal eivada de contaminações, particularmente daquelas advindas do espectro do lucro, de um mercado que manipula escolhas, votações e pareceres, enquadrados, não raramente, na frieza de interpretações que desconsideram a busca pela justiça.

Por isso, longe de qualquer viés ideológico político-partidário, nestes tempos difíceis, faz-se importante e prioritário partir sempre da perspectiva dos pobres, possibilidade para um novo despertar humanístico, na superação dos cenários de exclusão, de discriminações e de desigualdades sociais. O cuidado com os pobres, dedicando-lhes amável prestação de serviço, escutando seus clamores, alicerça o despertar de uma cidadania essencial a uma sociedade que precisa ser mais justa, ou sofrerá com um fracasso generalizado. Urgente é desenvolver, conforme orienta o Papa Francisco, na sua Carta Encíclica sobre a Amizade Social, a capacidade de escutar o próximo, especialmente os pobres, atitude receptiva exemplar, superando perspectivas narcisistas. Mas a cegueira imposta a partir do interesse pelo lucro a todo custo está produzindo uma séria deficiência auditiva. Cegueira moral e deficiência auditiva impostas pelo narcisismo dos que escutam apenas a si mesmos, procurando simplesmente contemplar seus próprios interesses. Posturas egoístas que acentuam freneticamente as disputas, fazendo valer tudo, a qualquer preço.

O bem da humanidade depende do reconhecimento de que todo ser humano é irmão e irmã, princípio essencial para que prevaleça uma amizade social capaz de integrar cada vez mais pessoas. A efetivação dessa meta exige o adequado exercício da política, vivida como elevada expressão da caridade, unindo pessoas em torno de processos construtivos, bem administrando diferenças para alavancar o desenvolvimento humanístico integral. É doloroso e preocupante conviver com os acirramentos, os ódios provocados pelo desarvoro de se buscar a vitória a qualquer custo, sobretudo pela destruição de reputação moral, ilusoriamente alimentando o imaginário que se pauta pela lucratividade. Uma realidade que impõe preço impagável de atrasos, danos ao patrimônio de todos, inclusive à memória histórica. Prejuízos que são fruto da inadequada relação com o meio ambiente e entre os cidadãos, com parâmetros legislativos que impõem atrasos – significativas perdas apresentadas como se fossem “progressos” e “avanços”. O alto preço pago pelos inadequados tratamentos do meio ambiente, dos cidadãos e de seu patrimônio histórico e cultural urge a união de instituições sérias que atuem como advogadas da justiça.

domingo, 15 de maio de 2022

A MÃE E O POETA

A relação com a mãe é o primeiro canal para a transcendência que o ser humano experimenta. Já desde a vida aquática e uterina, nadando nessas águas que o protegem e ao mesmo tempo o alimentam e o mantêm vivo. Uma vez saída do ventre materno, a criança experimenta sua identidade de ser relacional através da mãe, que a pega ao colo, a amamenta, a lava e cuida, e lhe devolve o olhar com o qual começa a vislumbrar a existência.

Há, portanto, na maternidade algo de sagrado, se o sagrado é precisamente esse ponto de encontro e conexão entre o biológico e a emergência da representação e da autotranscedência. São as mães aquelas que primeiro dão à criança a possibilidade de participar da riqueza destas duas dimensões: o biológico e o simbólico; o físico e o espiritual; a unidade e a pluralidade que gera a relacionalidade. É a mãe que começa a ensinar a cada um e cada uma que gestou em seu ventre e pariu para o mundo a bela aventura de viver no cruzamento entre duas exigências: uma fisiológica, corporal, sexual; outra da ordem da representação, dos ideais e dos projetos.

Assim também é a mãe que abre ao filho a possibilidade de realizar sua vocação, que é tornar-se um ser de palavra. A língua mãe será por ela pronunciada e ensinada – ao ouvido, no acalanto, nas canções – e se tornará língua falada, palavra pronunciada nos lábios do bebê que ouve e posteriormente chegará ao milagre da linguagem.

Por isso, ela aproxima o filho e através dele, os outros, da eternidade e do divino. Voltemos sobre isso ao poema de Drummond: “Mãe, na sua graça/É eternidade/Por que Deus se lembra/Mistério profundo/De tirá-la um dia?” Como aquela que tem tão inquebrantável aliança com a vida se vai deixando uma saudade e um vazio que nada preenche?

Não a resposta, mas um começo dela, está no próprio verso do poeta: Mistério Profundo. O mistério da fé é que Deus jamais abandona aquilo que criou. As mães são suas parceiras nessa obra eterna de tecer e voltar a tecer a vida, fazendo-a sempre mais complexa e mais bela. Deus é Espírito, que sopra onde quer e não se sabe de onde vem nem para onde vai. Assim é com as mães que um dia partem. Mas partindo permanecem: nos ensinamentos, na memória, nos traços que ficam nos rostos e nos corpos dos filhos, nos rastros de amor que possibilitaram tantas coisas que talvez sem esse excesso de dedicação e ternura não aconteceriam.

O poeta Drummond, depois de dizer, aborrecido que fosse ele rei do mundo baixaria uma lei de que mãe não morre nunca, chega depois à misteriosa resposta que consola os corações de todas as orfandades: “Mãe ficará sempre/ Junto de seu filho/ E ele, velho embora/ Será pequenino/ Feito grão de milho”. O desejo expresso pelo poeta, embora não seja decreto do Senhor, de certa forma se realiza.

As mães se vão, mas depois da primeira dor da irreparável perda, os filhos vão perceber que elas, de fato, não os deixaram. Estão com eles de modo mais profundo e forte do que antes. E os fazem eternamente sentir-se filhos, crianças, oferecendo seu colo uma outra vez para abrigar todo sentimento e consolar toda dor.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

HAJA CORAÇAO.

 


Passei uns dias em SP. Momentos tensos e intensos.

A tensão ficou por conta do clima de medo e insegurança que se percebe por toda parte. Com a aproximação do quase fim da pandemia, é preciso buscar um outro jeito de preservar o medo. O vírus vai, ele não.

São Paulo é a capital brasileira do Datena. Parece que você passa 24 horas dentro do Brasil Urgente.

O medo transforma a exceção em regra geral. Um motoqueiro usa a mochila do I Food como disfarce para assaltar e a partir daí todos os entregadores passam a ser suspeitos. E São Paulo é também a capital brasileira dos entregadores de moto. Daí você cruza com o medo, voando em duas rodas, a todo instante.

Não. Não sou ingênuo. A violência está aí para nos tirar qualquer traço de inocência. Há assassinatos brutais nesse tipo de assalto. Minha crítica é contra a forma como a questão é conduzida. Ao invés de se discutir alternativas educativas e oportunidades de trabalho digno para os jovens, um projeto de segurança pública mais eficaz, investimos em propagar o ódio e ampliar o medo. E o medo nos emburrece, nos devolve aos nossos instintos mais primitivos. Reduz nossa inteligência pessoal e coletiva. Ficamos à mercê de gente especialista em ganhar dinheiro com o nosso medo, como o Datena, e ganhar poder, como o presidente.

Vejam, por exemplo, o momento histórico que vivemos.

O Brasil se esforça, há décadas, para se firmar como um país sério, civilizado, democrático, mas, no momento estamos mais para uma república de bananas onde prevalece o Estado Autocrático de Direita, presidido por esse inacreditável Jair Bolsonaro. Como um sujeito tão tosco chegou aonde chegou? Graças ao medo…

Ele é tosco, mas sempre foi oportunista. Depois daquela ainda mais tosca facada, conseguiu impor um comportamento idiota a todos nós. E engolimos a isca. Graças ao medo do Lula, do PT, do Comunismo, 57 milhões de brasileiros votaram movidos, não por uma proposta de governo, mas pelo medo. O resultado, entre outros, foi o rebaixamento geral do nível de inteligência das nossas ideias e preocupações.

Gente estranha, tragicômica, grotesca, ainda mais desqualificada que o Mito, chegou com ele e passou a ocupar a cena política: Weintraub, Damares, Araújo, Pazuello, Salles, Guedes, Roberto Jefferson, general Heleno, gente sem nome, rotulada como Zero um, Zero dois e Zero três, até um troglodita descerebrado e irrelevante, Daniel Silveira, esse tipo de gente passou a pautar nossas discussões.

Temas superados, alguns desde a Idade Média, como o Terraplanismo, voltaram à pauta.

Questões sepultadas no século dezenove, como resistência à vacinação e a medidas básicas de segurança sanitária estão aí, contestadas, ridicularizadas.

Pautas de costume, questões morais, dogmas religiosos dignos de um Estado Islâmico Radical, são recheio de discursos hidrófobos da bancada BBB (Bíblia, Boi e Bala).

Educação e Cultura são reprovadas há três anos e meio.

A Ciência foi pru espaço, junto com o ministro astronauta.

O meio ambiente já está chegando a ¼ do ambiente.

Mas, é preciso encontrar um culpado por esse imenso fracasso chamado Brasil Bolsonarista. E achamos. Cruzamos uma cabra com um periscópio e chegamos ao nosso bode expiatório: o entregador do I Food. Ele é o culpado das nossas mazelas e misérias. Cão danado, todos a ele!

Enquanto isso, Daniel Silveira assume cargos de destaque em cinco comissões do Congresso, entre elas, a de Educação e a de Constituição e Justiça.

Vamos ruminando nossos medos, e a boiada continua passando…

sexta-feira, 6 de maio de 2022

CARNAVAL.

 

É parte constitutiva da identidade do ser humano o elemento da festa. A festa interrompe o tempo cotidiano e introduz a diferença do ritual e da celebração, para marcar uma ocasião especial em que é preciso deixar a rotina e voltar os olhos para o extraordinário que irrompe no tempo cronológico.

Todas as festas são eventos pelos quais se entra em “outra” ordem de coisas, onde a fantasia, a imaginação e o desejo tomam lugar. Festejar, portanto, é reafirmar nossa condição de ser humano, é sublinhar o fato de que não somos guiados apenas pelos instintos e pelo kronos que implacavelmente passa. Festejar é demonstrar que temos algum poder sobre o tempo, transfigurando-o com o rito da comemoração e da celebração.

Em tempo de carnaval, mesmo fora de época como no feriado de 21 de abril, as reflexões acima se aplicariam. Somos instigados a refletir sobre o sentido e o objetivo da música e da dança, dos espetáculos cheios de luzes e cores, dos corpos desnudados e fantasiados em desfile, do samba na rua, de tudo que compõe os três dias que o povo espera com sofreguidão. Isso torna-se ainda mais importante no Brasil, país onde o carnaval ocupa lugar central no imaginário do povo. Chamado com justeza país do Carnaval, o Brasil parece que entra em câmara lenta no Ano Novo para só recuperar seu ritmo e dinamismo depois dos festejos momescos.

A alegria do povo que vai às ruas fazer festa é bendita. É cura para as dores e catarse para as opressões vividas e padecidas. Assim foi esse carnaval extemporâneo, acontecido depois da Páscoa, mas onde se expressou uma alegria pascal após tanto luto e tanta morte, como as que assolaram o povo brasileiro nos últimos dois anos. Essa demonstração de alegria encontra seu paradigma no mistério que configura o cristianismo e sua esperança no amor que é mais forte que a morte.

segunda-feira, 2 de maio de 2022

SOCIÓLOGO CONSTATA O REBAIXAMENTO DA INTELIGÊNCIA DOS BRASILEIROS.


 “Neste momento, vocês estão nas mãos de um ditador”, disse o sociólogo italiano Domenico de Masi, autor de O Ócio Criativo, argumentando que Mussolini, Hitler e Erdogan também foram eleitos.

Leia trechos da entrevista:

“Esta ditadura reduz a inteligência coletiva do Brasil. Durante esta pandemia, Bolsonaro se comportou como uma criança, de um jeito maluco. Ou seja, o ditador conseguiu impor um comportamento idiota em um país muito inteligente. Porque é isso que fazem as ditaduras.

Este me parece um fato tão óbvio que às vezes nos passa despercebido. Quando o país é comandado por pessoas tão tacanhas, a tendência é o rebaixamento geral do nível cognitivo da sua população.

É fácil entender por quê. Sob Bolsonaro, Damares, Araújo, Pazuello, Salles, Guedes & Cia, vemo-nos obrigados a retomar debates passados, alguns situados na Idade Média, ou no século 19, como se fossem novidades.

Terraplanismo, resistência à vacinação e a medidas básicas de segurança sanitária, pautas morais entendidas como questões de Estado, descaso com o meio ambiente, tudo isso remete a um passado que considerávamos longínquo.

Quando entramos nesse tipo de debate entre nós, ou com as “autoridades”, é como se voltássemos da pós-graduação às primeiras letras do curso elementar. Somos forçados a recapitular consensos estabelecidos há décadas, como se nada tivéssemos aprendido.

É como forçar cientistas a provar de novo a esfericidade da Terra ou a demonstrar eficácia da vacinação. Ou defender, outra vez, a necessária separação entre Igreja e Estado, mais de 230 anos depois da Revolução Francesa.

É muita regressão e ela nos atinge. De repente, nos surpreendemos discutindo o óbvio, gastando tempo com temas batidos e desperdiçando energia arrombando portas abertas séculos atrás na história da humanidade.

À parte a necessária luta política para nos livrarmos o quanto antes dessa gente, entendo que existe uma luta particular e que depende de cada um de nós: a luta para não emburrecer.

Manter a lucidez e a inteligência através da leitura de bons autores e da escrita. Manter viva a sensibilidade pela conversa com pessoas normais e pela boa música. Assistir a bons filmes para contrabalançar a barbárie proposta pela vida diária e pelas redes sociais.

Enfim, mantermo-nos íntegros e fortes para a reconstrução futura do país. Não podemos ser como eles. Não devemos imitá-los em sua violência cega. Não podemos nos deixar contaminar por sua estupidez. Eles passarão. E estaremos aqui, para recomeçar.

Provavelmente, o que leva a esse rebaixamento é o ódio e o ressentimento por levar as pessoas a se sentirem, no fundo, perdedoras (é o caso de todos os bolsonaristas que conheci mais de perto) e ter de encontrar bodes expiatórios para culpá-los. A cultura competitiva, que estabelece, com critérios perniciosos, o que é ter sucesso, faz com que quem entra nesse jogo perverso, sinta-se, no final das contas, sempre um perdedor.”

No destaque, o sociólogo Domenico de Masi (Foto: Ricardo Stuchert)