domingo, 15 de maio de 2022

A MÃE E O POETA

A relação com a mãe é o primeiro canal para a transcendência que o ser humano experimenta. Já desde a vida aquática e uterina, nadando nessas águas que o protegem e ao mesmo tempo o alimentam e o mantêm vivo. Uma vez saída do ventre materno, a criança experimenta sua identidade de ser relacional através da mãe, que a pega ao colo, a amamenta, a lava e cuida, e lhe devolve o olhar com o qual começa a vislumbrar a existência.

Há, portanto, na maternidade algo de sagrado, se o sagrado é precisamente esse ponto de encontro e conexão entre o biológico e a emergência da representação e da autotranscedência. São as mães aquelas que primeiro dão à criança a possibilidade de participar da riqueza destas duas dimensões: o biológico e o simbólico; o físico e o espiritual; a unidade e a pluralidade que gera a relacionalidade. É a mãe que começa a ensinar a cada um e cada uma que gestou em seu ventre e pariu para o mundo a bela aventura de viver no cruzamento entre duas exigências: uma fisiológica, corporal, sexual; outra da ordem da representação, dos ideais e dos projetos.

Assim também é a mãe que abre ao filho a possibilidade de realizar sua vocação, que é tornar-se um ser de palavra. A língua mãe será por ela pronunciada e ensinada – ao ouvido, no acalanto, nas canções – e se tornará língua falada, palavra pronunciada nos lábios do bebê que ouve e posteriormente chegará ao milagre da linguagem.

Por isso, ela aproxima o filho e através dele, os outros, da eternidade e do divino. Voltemos sobre isso ao poema de Drummond: “Mãe, na sua graça/É eternidade/Por que Deus se lembra/Mistério profundo/De tirá-la um dia?” Como aquela que tem tão inquebrantável aliança com a vida se vai deixando uma saudade e um vazio que nada preenche?

Não a resposta, mas um começo dela, está no próprio verso do poeta: Mistério Profundo. O mistério da fé é que Deus jamais abandona aquilo que criou. As mães são suas parceiras nessa obra eterna de tecer e voltar a tecer a vida, fazendo-a sempre mais complexa e mais bela. Deus é Espírito, que sopra onde quer e não se sabe de onde vem nem para onde vai. Assim é com as mães que um dia partem. Mas partindo permanecem: nos ensinamentos, na memória, nos traços que ficam nos rostos e nos corpos dos filhos, nos rastros de amor que possibilitaram tantas coisas que talvez sem esse excesso de dedicação e ternura não aconteceriam.

O poeta Drummond, depois de dizer, aborrecido que fosse ele rei do mundo baixaria uma lei de que mãe não morre nunca, chega depois à misteriosa resposta que consola os corações de todas as orfandades: “Mãe ficará sempre/ Junto de seu filho/ E ele, velho embora/ Será pequenino/ Feito grão de milho”. O desejo expresso pelo poeta, embora não seja decreto do Senhor, de certa forma se realiza.

As mães se vão, mas depois da primeira dor da irreparável perda, os filhos vão perceber que elas, de fato, não os deixaram. Estão com eles de modo mais profundo e forte do que antes. E os fazem eternamente sentir-se filhos, crianças, oferecendo seu colo uma outra vez para abrigar todo sentimento e consolar toda dor.

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