sábado, 30 de janeiro de 2021

EXCLUSÃO DIGITAL.

Um dos capítulos se centra nas barreiras existentes à inclusão digital, justamente em um momento em que todos os especialistas afirmam que o coronavírus acelerou drasticamente a chamada Quarta Revolução Industrial, usando termos tão batidos como “transformação digital” nas organizações.

De acordo com o relatório, tanto o teletrabalho como a expansão do comércio eletrônico, a telemedicina e a educação através da internet continuarão modificando nossas interações em relação ao modo como as entendíamos historicamente. No entanto, essa abordagem está levando a um aumento ainda maior da desigualdade, para a qual o relatório adiciona o slogan “digital”. Tanto é que considera que será uma ameaça crítica pelo menos nos próximos dois anos, tornando-se o sétimo risco mais provável a longo prazo.

A exclusão digital é inegável e, com ela, se enfraquece ainda mais a coesão social, já completamente erodida em muitos países, minando as perspectivas de uma recuperação inclusiva. Essa divisão digital, segundo o Fórum Econômico Mundial, aparece nas mais diversas formas, embora entre as mais comuns estejam a própria acessibilidade à tecnologia e as lacunas na regulamentação.

Sem acessibilidade


Segundo o relatório, o uso da internet varia muito de um país para outro, com taxas de penetração superiores a 87% nos países de maior renda e menos de 17% nos mais pobres. Além disso, entre os mais ricos, como pudemos evidenciar na Espanha, milhões de pessoas foram isoladas digitalmente, durante a pandemia, em termos de trabalho, medicina, educação… O Fórum Econômico Mundial não analisa a Espanha, mas o Reino Unido, onde aponta que a maioria das famílias vulneráveis teve que escolher entre conectividade ou alimentos.

Em relação às lacunas na regulamentação, o Fórum Econômico Mundial afirma que 23% dos países proíbem ou censuram notícias, limitando assim o acesso de seus cidadãos aos recursos digitais. Entre aqueles que não se enquadram nessas práticas, a legislação fica aquém da digitalização, o que resultou em um número menor de atores privados concentrando mais poder na internet.

A automação


Outro perigo que o Fórum Econômico Mundial vem alertando há muito tempo é o impacto da automação no emprego. Já em seu último relatório de 2020 sobre “O futuro do emprego”, alertou sobre como a automação pode substituir 85 milhões postos de trabalho em apenas cinco anos. Empregos, em geral, com menor qualificação que, por outro lado, proporcionam renda aos grupos mais vulneráveis. Um despropósito ao qual as economias desenvolvidas e emergentes não estão dando resposta, amparando-se na necessidade de aumentar a produtividade. Da mesma forma, o número de trabalhadores vulneráveis não é menor em todo o mundo: estima-se que a economia paralela emprega 60% da força de trabalho mundial.

Desconexão


O relatório também chama a atenção para o paradoxo de uma sociedade cada vez mais desconectada, apesar do aumento da conectividade. A polarização crescente e a desinformação imparável favorecem que se ampliem as lacunas, aumentando as fraturas sociais. Ao mesmo tempo, alerta sobre os riscos envolvidos no uso de algoritmos e Inteligência Artificial (IA).

O Fórum Econômico Mundial expõe como o rastreamento da produtividade dos funcionários por meio de algoritmos e a previsão de reincidência de pessoas com antecedentes já é uma realidade, ao mesmo tempo em que alerta sobre como indivíduos e grupos não estatais podem acessar algoritmos que podem espalhar conteúdo perigoso com um eficiência, velocidade e alcance nunca antes vistos, aludindo assim à desinformação. O número de países que sofreram campanhas de manipulação por meio das redes sociais organizadas disparou 150%, entre 2017 e 2019.

Análise parcial


Sendo assim, o Fórum Econômico Mundial exige maior apoio à educação básica e a aprendizagem permanente que pode aumentar a alfabetização digital. Infelizmente, nas conclusões deste capítulo, nenhuma menção é feita à impossibilidade de muitos grupos vulneráveis de ter acesso à tecnologia.

Na Espanha, o confronto com a realidade durante o confinamento foi brutal ao ver como o problema para 10% dos alunos não era a falta de conhecimento digital, mas o fato de nem mesmo ter acesso à internet. Mundialmente, segundo dados da UNESCO, o número chega a 40% dos estudantes, com 826 milhões de alunos sem acesso a um computador em casa. Lamentavelmente, análises como as do Fórum Econômico Mundial continuam acentuando os riscos, não só para as sociedades mais ricas, mas também para os seus membros em melhor situação, sem apontar soluções para uma exclusão que avança cada vez
mais.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

"COMECE POR VOCÊ MESMO A MUDANÇA QUE PROPÕE AO MUNDO"

Assim como termômetro denuncia a febre, se houvesse um instrumento que mostrasse o grau de intolerância e violência presente na sociedade, talvez tivéssemos inventar números acima de cem. Parece que, a cada dia, as pessoas se tornam mais incapazes de lidar com diferenças políticas, culturais e religiosas. Há quem se pergunte porque e como chegamos a esse ponto. No Brasil, nenhuma rede de televisão ou órgão de comunicação vai publicar tudo o que tem feito para semear, ódio, racismo e para sustentar no poder não apenas um Bozo qualquer, mas os/as representante daquilo que, com razão, Jessé de Souza chama de “elite do atraso”. Por isso, é urgente buscar algum antídoto para a epidemia da raiva e reencontrar motivos para teimar em termos fé na humanidade. Assim sendo, nunca foi tão necessário e oportuno, nestes últimos dias de janeiro, nos unir aos irmãos e irmãs da Índia, no aniversário do martírio do Mahatma Gandhi. Que a memória da sua vida e da sua mensagem de paz e não violência possam nos ajudar.

Em Dehli, no dia 30 de janeiro de 1948, um hindu fanático assassinou Gandhi pelo fato de que o mestre, sendo hinduísta, decidiu morar em um bairro de muçulmanos para vivenciar o diálogo entre as religiões. Até hoje, na Índia, um partido político prega que ser hindu de nacionalidade significa pertencer à religião hinduísta. E assim todos os hindus que são muçulmanos, judeus ou cristãos são considerados traidores.

Infelizmente, mais de 70 anos depois, o mundo de hoje ainda está menos tolerante e menos capaz de convivência nas diferenças. Por isso, é urgente recordar a herança do Mahatma Gandhi e atualizá-la para nós e para toda a humanidade. Alguns de seus pensamentos percorrem o mundo inteiro e propõem um novo modo de agir: “Comece por você mesmo a mudança que propõe ao mundo”. “Você pode se considerar feliz somente quando o que pensa, diz e o modo como age estiverem em completa harmonia”. Aí está uma profunda indicação de caminho.

A realidade do mundo atual é muito diversa da época de Gandhi na qual a Índia era dominada colonialmente pela Inglaterra. No entanto, apesar disso, as principais intuições de Gandhi se mantêm necessárias. Sua luta pacífica, através da Satyagraha, o caminho da verdade e da Ahimsa, a não violência podem ser para nós instrumentos de nossa ação social e política para transformar o mundo.

No século XX, a ação de Gandhi conduziu a Índia à sua independência política. Na África do Sul, inspirou líderes como o bispo Desmond Tutu e Nelson Mandela. Nos Estados Unidos, norteou o pastor Martin-Luther King em sua luta contra a discriminação racial. No Brasil, foi a inspiração para o trabalho de Dom Hélder Câmara contra a ditadura militar e por uma insurreição evangélica, a partir da justiça e da paz.

Na América Latina, muitos movimentos sociais têm se firmado no caminho da não violência ativa como instrumento de luta pacífica pela justiça e pela libertação dos povos. Na Argentina, Adolfo Perez Esquivel, escultor e ativista cristão pelos Direitos Humanos, recebeu o prêmio Nobel da Paz. Também, em 1992, Rigoberta Menchu, índia Maya da Guatemala foi agraciada com o mesmo prêmio por sua luta pacífica pela libertação do seu povo e sua mensagem de esperança para todo o continente.

Nas novas Constituições nacionais, aprovadas no Equador e na Bolívia, um dos princípios fundamentais colocados como meta do Estado é garantir o “bom viver” que cada povo indígena chama de uma forma diferente (suma kawsay ou suma kamana ou ainda com outros nomes), mas significa a opção por uma vida plenamente sadia, baseada no princípio da sustentabilidade ecológica e social e na dignidade de todas as pessoas. O “bom viver” privilegia o coletivo e não o individual e busca uma cultura da sobriedade e da partilha solidária na relação com a Terra e na forma de desenvolver a educação e a saúde. Quem é cristão, logo se recorda de que esta busca de uma vida que seja verdadeira e plenamente vivida é o objetivo pelo qual Jesus de Nazaré define a sua missão: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10, 10).

Apesar de que estes caminhos políticos são intuições latino-americanas e a partir das necessidades do mundo deste século XXI, sem dúvida, podem se considerar uma digna e bela realização da herança do Mahatma Gandhi na vida de nossos povos.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

NÃO DA MAIS PARA ESPERAR

Pacientes agonizando até a morte por falta de oxigênio em Manaus e em outras cidades da região norte. O coronavírus se alastrando pelo interior do Amazonas e atingindo populações ribeirinhas onde sequer há UTIs.

O Rio de Janeiro, segunda maior economia do Brasil, foi a que menos recebeu recursos do Governo Federal em 2020 e encara sua maior crise na pandemia. Não há vagas para internação em leitos intensivos.

A esperança da vacina contra a Covid-19 virou frustração. O Brasil, que era referência mundial em vacinação, e tem dois institutos capazes de produzir imunizantes, vê pesquisadores e cientistas perplexos e em desespero por não conseguir produzir as doses que protegerão os brasileiros do vírus porque não há insumos. Por que não há insumos? Porque a família Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, resolveram insultar o nosso principal parceiro comercial, a China, justamente o fornecedor de insumos para a produção das vacinas. As atitudes irresponsáveis da atual gestão do Itamaraty também nos afastaram de outro possível fornecedor de imunizantes, a Índia. O país que já está exportando milhões de doses para várias nações deixa o Brasil no fim da fila porque o governo Bolsonaro se opôs à defesa feita pelo governo indiano de quebrar as patentes das vacinas contra a Covid-19.

Como se não bastasse, o aplicativo do Ministério da Saúde para orientações sobre a Covid-19 aconselha o uso da cloroquina e ivermectina para qualquer tipo de sintoma, apesar do ministro e general Eduardo Pazuello afirmar que nunca indicou tratamento precoce, o que, aliás, não existe.

Ainda assim, Bolsonaro se sentiu à vontade para fazer ameaças ao afirmar que as Forças Armadas são as responsáveis por decidir se há democracia ou ditadura em um país. Mais uma cortina de fumaça para esconder sua incompetência. No mesmo discurso, ainda foi capaz de dizer que seu governo está há dois anos sem corrupção, ignorando as “rachadinhas” que envolvem a família.

Isso tudo aconteceu em menos de uma semana. É necessário unir todas as forças progressistas para pressionarmos pelo impeachment já. A pandemia está no auge, com níveis de contaminação altíssimos, justamente pela total falta de ação e descaso do governo federal. Mas precisamos nos manifestar e nos unir pelo “Fora Bolsonaro”. Vamos pra rua, sem aglomerações, em carreata. Vale carro, caminhão, moto, bicicleta! 
Todos juntos pelo impeachment! Fora Bolsonaro! Não dá mais para esperar.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

JANEIRO BRANCO - CUIDADO COM A SAÚDE MENTAL

É uma expressão forte, carregada de interpelação, um alerta no horizonte da campanha anual vivida neste mês – o Janeiro Branco -, indicando a importância do cuidado com a saúde mental. Hoje, torna-se particularmente importante cuidar das emoções, pois a Covid-19 escancara, de modo singular, a condição frágil de toda a humanidade. A pandemia amplia descompassos em diferentes países, desafiando instituições, famílias e cidadãos. O distanciamento social deste tempo, as mudanças de hábitos, com o espectro atemorizante do adoecimento, agravado pelo luto imposto a muitas famílias, acentuam a fragilidade emocional da humanidade. Mas é preciso ter presente que o agravamento das doenças psíquicas é fenômeno que antecede a pandemia. Em uma civilização que convive com acelerados processos de mudança, referências são perdidas, com comprometimento de narrativas que geram equilíbrio para o ser humano. Consequentemente, ocorre progressiva e cada vez mais generalizada deterioração da saúde emocional, que é indispensável.

A saúde psíquica é importante para se conquistar bem-estar, felicidade, alegria de viver, alicerces primordiais do sentido da vida. Quando a saúde emocional é perdida, reflexos são percebidos em diferentes campos existenciais, com incidências terríveis e demolidoras nas relações, na política, na cultura, na religião e na economia. Por isso mesmo, é preciso recuperar a dimensão psíquica da humanidade. Com a urgência e a indispensabilidade da vacinação contra a Covid-19 está a também emergencial necessidade de se promover a saúde mental e emocional. Essa urgência e necessidade tornam-se evidentes quando são percebidos os desvarios de muitas pessoas. Desvarios em pronunciamentos inconsequentes que, de modo lamentável, ecoam fortemente. O nível de adoecimento da mente, em toda a sociedade, é tão expressivo que discursos e narrativas equivocados têm mais repercussão e adesão que as perspectivas construtivas, educativas, capazes de desencadear qualificada configuração social, política e emocional.

A fragilização emocional constatável em toda sociedade hospeda discursos obscurantistas, sem contribuições para a solução de problemas da civilização contemporânea, mas que contraditoriamente seduzem, atraindo a atenção de muitos. Por isso, a humanidade, ainda mais dolorida pela Covid-19, é convocada a pensar sobre si, avaliar seus erros e acertos, motivando-se a contribuir com novas luzes para dissipar as sombras que a impedem de encontrar novo rumo. Particularmente, é preciso qualificar e promover o humanismo, superando tudo que gera o adoecimento mental e emocional das pessoas. É a falta de humanismo que faz com que o desenvolvimento civilizacional esteja em descompasso com o ritmo dos progressos tecnológicos. E a falta de solidariedade, o crescimento de racismos, discriminações e desigualdades sociais comprovam a incompetência emocional de sociedades na administração de seus recursos, que seriam capazes de sustentar uma realidade mais justa e igualitária.

A dor lancinante sofrida pela humanidade, por suas muitas feridas, por não se saber bem o que fazer para superar as muitas crises, pela adoção de “bandeiras” sustentadas por discursos sem credibilidade, necessita do remédio-bálsamo da espiritualidade. A humanidade está em confronto com o mistério de um amor maior. Sejam, pois, superados discursos viciados e muito propagados, ilusoriamente exitosos, com uma experiência espiritual que gere reunificação, articulando diferenças. Com espiritualidade e humanismo integral, a civilização contemporânea poderá se libertar de fundamentalismos e lideranças caricatas, vencendo o preocupante e pesado analfabetismo emocional.

domingo, 17 de janeiro de 2021

NÃO É PANDEMIA É SANDEMIA



É possível erradicar a pandemia de Covid-19 e preservar o capitalismo? A resposta à pergunta foi dada em setembro de 2019, na prestigiosa revista científica The lancet, por Richard Horton, professor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres e da Universidade de Oslo.

Em artigo intitulado Não é uma pandemia, longe de se posicionar ao lado dos negacionistas, Horton afirma que ocorre mais do que uma pandemia, há uma sindemia, conceito forjado em 1990 pelo epidemiologista Merrill Singer.

Sindemia significa que a doença infecciosa não pode ser encarada isoladamente. Ela se entrelaça com fatores sociais, políticos e econômicos, como desigualdade social, distribuição de riqueza, acesso a bens essenciais, como moradia e saneamento.

O problema, portanto, não é apenas a Covid-19. É o capitalismo sindêmico que, em tudo, prioriza a perversa lógica da acumulação privada da riqueza. Temos visto isso no Brasil, tanto nas propostas que com frequência aparecem na grande mídia, de privatização do SUS disfarçada de parceria público-privada, quanto na corrida empreendida pela iniciativa privada para importar vacinas que estariam ao alcance somente de quem possui recursos para frequentar hospitais e clínicas particulares.

Os ricos podem pagar pela vacina e, assim, furar a fila dos que merecem prioridade, como profissionais da saúde e idosos. Mas investirão também na imunização de seus motoristas, faxineiras, cozinheiras e cuidadores de piscinas?

É sabido que endemias, como a gripe aviária e a SARS (Síndrome respiratória aguda grave), tiveram origem na criação intensiva de animais em cativeiro e destinados ao consumo humano, e nos processamentos da indústria alimentícia.

No livro Grandes granjas, grandes gripes, Rob Wallace, epidemiologista especialista em agroecologia, descreve como são processados os animais consumidos por humanos e como isso facilita o surgimento de novas modalidades de vírus. O capitalismo transformou a natureza em laboratório, onde são aplicados todos os tipos de procedimentos para forçar o aumento da produção e do monopólio sobre os bens naturais, como é o caso dos transgênicos e das sementes “suicidas”, aquelas que o agricultor não consegue reproduzir e se vê obrigado a adquiri-las das gigantes dos venenos agrícolas, como a Monsanto.

Santiago Alba Rico, filósofo espanhol, no artigo Capitalismo pandêmico ressalta que, hoje em dia, há mais mortes causadas por infecções hospitalares que gripes, apesar de todos os protocolos higiênicos adotados. Se ocorre em hospitais, diz ele, imagina nas granjas! O que esperar de animais submetidos a confinamento, iluminação permanente, coquetéis de antibióticos e rações químicas? Wallace afirma: “Ao tornar a natureza capitalista, o capitalismo passa a ser considerado algo natural”.

À debilidade de nossas defesas imunológicas frente às novas ondas virais, acresce-se o apartheid produzido pela desigualdade social. Os “laboratórios naturais” de granjas, currais e frigoríficos geram vírus que infectam sobretudo aqueles que, por razões sociais e etárias, possuem menos defesas naturais: os pobres e idosos. Como diz Rico, “os vírus passam de animais maltratados a humanos maltratados, numa sinergia potencialmente apocalíptica”.

Desde que a OMS declarou o caráter pandêmico da Covi-19, em março de 2020, diferentes países adotaram diferentes maneiras de tentar deter o seu avanço. A China investiu em controle social e tecnológico. A União Europeia adotou medidas sanitárias combinadas com restrições que reduziram a mobilidade e o consumo. EUA e Brasil decidiram priorizar a economia em detrimento de vidas humanas.

Eis um falso dilema: salvar vidas ou a economia? A pergunta embute a odiosa discriminação de classe social, já que só os privilegiados podem se dar ao luxo de ficar confinados em casa e, ao mesmo tempo, trabalhar via online e consumir graças às entregas em domicílio. A questão encobre a sentença de morte aos mais pobres, já que o desconfinamento será inevitavelmente praticado por quem só sobrevive se sair à rua e utilizar transporte coletivo.

A lógica capitalista reforça a sindemia ao aplicar a moderna separação entre Estado e religiões à suposta separação entre economia e política (daí a ênfase na autonomia dos bancos centrais). Como se uma esfera pudesse se distanciar minimamente da outra. E outro dualismo, introduzido pelos negacionistas, é ignorar a palavra da ciência. Isso favorece a relativização das medidas restritivas recomendadas pelos cientistas.

Mais uma vez o capitalismo fala mais alto, já que ignorar a ciência permite não destinar recursos públicos a auxílios emergenciais, hospitais de campanha, importação de insumos sanitários e vacinas etc.

Somado à descredibilidade da política, esse negacionismo favorece as aglomerações, em especial a indiferença dos jovens frente à ameaça do vírus. Para eles, tudo se explica por alguma teoria conspiratória, como o “comunavírus” denunciado pelo chanceler brasileiro Ernesto Araújo.

sábado, 16 de janeiro de 2021

ÁRVORES: ESTÃO VIVENDO MENOS EM TODO O MUNDO.

 

Mesmo crescendo mais rápido, as árvores de florestas de todo o planeta passaram a ter uma vida mais curta, fenômeno que impacta diretamente a vida na Terra. Menos árvores, mais gás carbônico na atmosfera. Altas concentrações de dióxido de carbono levam ao aumento do efeito-estufa, elevação da temperatura, derretimento das calotas de gelo, elevação dos níveis oceânicos e mudanças nos padrões de chuvas, entre outras consequências. As causas podem estar associadas à baixa disponibilidade de água e ao aumento da temperatura terrestre. 

Para chegar a esses resultados, pesquisadores dos Departamentos de Botânica e de Ecologia, do Instituto de Biociências (IB) da USP, em conjunto com colegas de universidades da Inglaterra, Alemanha e Chile, fizeram análise de dados de praticamente todos os biomas terrestres e trazem informações mais detalhadas sobre a floresta amazônica. “A redução na longevidade das árvores significa que o carbono ficará menos tempo estocado nos troncos. Quando elas morrem, liberam CO2 de volta para a atmosfera, tornando o ciclo do carbono mais dinâmico, reduzindo potencialmente a quantidade de carbono nas florestas tropicais”, explica o biólogo Giuliano Locosselli, pesquisador e o primeiro autor do artigo.

No Brasil, a pesquisa foi conduzida pelo grupo do professor Marcos Buckeridge, do IB. Ele que é um dos autores do artigo diz que os cientistas queriam saber se as plantas que comumente cresciam mais rápido em altas condições de Co2 e de temperatura também morreriam mais cedo. Foi essa a pergunta que o paper procurou responder.

Segundo o estudo, em regiões mais quentes árvores crescem mais rápido e também morrem mais cedo. O pesquisador explica que há uma relação inversa entre longevidade e taxas de crescimento. As árvores que crescem mais rápido possuem tempo de vida menor. As árvores tropicais, por exemplo, crescem, em média, duas vezes mais rápido em comparação com árvores de biomas temperados e boreais e vivem significativamente menos, em média (186 ± 138 anos em comparação com 322 ± 201 anos fora dos trópicos).

Esses padrões de longevidade e taxa de crescimento foram encontrados em florestas de todo o bioma mundial. Conforme se aproximava das regiões tropicais, mais quentes e com maior disponibilidade de água, havia um crescimento mais rápido das árvores, porém, essas mesmas espécies morriam mais rapidamente. Se, por um lado, elas usavam mais CO2 para realizar sua fotossíntese e crescer, cumprindo seu ciclo, por outro, morrem, devolvendo para a atmosfera todo o CO2 retido durante seu desenvolvimento.

O estudo analisou dados de florestas do mundo inteiro e nessas análises foi encontrado um valor crítico de temperatura média anual, que é o de 25,4 graus acima do qual a longevidade das árvores tropicais diminui drasticamente. Na floresta amazônica, por exemplo, estudos mais recentes mostram que a temperatura ambiente vem se mantendo acima dessa medida já há algumas décadas. Já a floresta do Congo, na África Central, a segunda maior floresta tropical do mundo, terá temperatura acima dessa medida até 2050. Há evidências científicas recentes do aumento da mortalidade naquela região que não haviam sido observadas ao longo de décadas.

Como resultado secundário, mas não menos importante, devido ao desmantelamento atual dos órgãos ambientais de fiscalização de desmatamento e queimadas na região amazônica, também foi observado que a longevidade das árvores diminui consistentemente em áreas sob maior influência humana. Dados de monitoramento por satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) relatam aumento de 34% na taxa de desmatamento na Amazônia nos últimos 12 meses, comparado com o mesmo período do ano de 2019.

Anéis de crescimento

Para compreender a evolução do crescimento e longevidade das árvores, este estudo se baseou em centenas de trabalhos científicos nacionais e internacionais publicados nas últimas décadas. Todos estes trabalhos analisaram os anéis de crescimento que estão presentes no tronco das árvores. Cada anel corresponde a um ano de vida da árvore. “Se o anel de crescimento é largo, indica que a planta cresceu rápido, caso contrário, houve crescimento mais lento”, explica Locosselli. As análises do crescimento e longevidade foram feitas em mais de 100 mil árvores de 438 espécies.

Alguns caminhos que minimizariam as condições que estariam levando à morte precoce das árvores incluem a ampliação de políticas públicas ambientais, com foco no aumento do uso de energias renováveis, incentivo aos meios de transportes alternativos, diminuição de combustíveis fósseis e redução do desmatamento e das queimadas de florestas no mundo todo.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

FAKE NEWS: "QUEM COMEÇA E QUEM ESPALHA?"

 

Pode dizer que não teve intenção.
Eu (até) acredito.
O racismo e a misoginia estão tão impregnados que a gente (só) repete, repete, repete…
E a repetição vai fundamentando os preconceitos e afastando e degradando as pessoas…

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Buscando referências sobre notícias falsas, encontrei um link de importante e respeitada organização de caráter internacional.

A matéria com o título “Coronavírus: os sete tipos de pessoas que inventam e disseminam fake news”, de 07 de maio de 2020, de autoria de Marianna Spring e ilustrações de Simon Martin, chamou minha atenção.
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-52584548. Acesso em: 02 e 03 jan. 2021.

A matéria alerta que “Teorias conspiratórias, desinformação e especulações sobre o coronavírus inundaram as redes sociais. Mas quem começa esses rumores? E quem os espalha?”

Enquanto trazendo exemplos de casos e fatos, vamos seguindo o raciocínio da Jornalista, a quem agradeço. A questão é quando seguimos as ilustrações da matéria e, por falta de tempo para leitura da matéria ou por pressa, acabamos por nos fixar nas imagens, todas com legendas, uma para cada “tipo de pessoa que inventa e dissemina”.

Logo no início da matéria, uma enorme imagem com “sete tipos de pessoas”, como é o título da matéria. A imagem tem a intenção de ser plural, diversa, na medida em que retrata os “tipos” homem, mulher, jovem, branco e negro.

> “O piadista” é o primeiro tipo, representado pela figura de um “bobo da corte”.
– Pode ser… como um brincalhão

> “O golpista” é representado por um homem branco com um saco de $ na mão. – Tem a ver.

> “O político”. Quando retrata o político, a matéria oferece o exemplo concreto de D. Trump que sugeriu que as pessoas utilizassem desinfetante para tratar a doença.
– A imagem neste tópico é de um homem negro!!!
Além de não ter a ver com o exemplo, a figura do político que mente para seguir na vida política é aquela do “colarinho branco”, do “crime do colarinho branco”, do “white-collar crime”, como cunhou o sociólogo americano Edwin Shuterland, em 1949, para designar fraudes e outras tramoias de funcionários graduados…
Homens negros têm feito trajetórias de luta aguerridas para se tornarem (inclusive) políticos em várias partes do planeta e são permanentemente boicotados pelos brancos de “colarinho branco”.

> “O autor de teorias da conspiração”
– Neste “tipo” a imagem retrata um jovem (afinal jovens são arruaceiros, desocupados, irresponsáveis…). No entanto, o exemplo trazido na matéria pela jornalista é de um tal de “David Icke”, um homem branco de 68 anos, conforme nos informa a Wikipedia, em verbete do mesmo nome. Acesso em: 03 jan. 2021.

> “O ‘Insider’”. O texto trata de uma mulher da cidade de Crawley (Inglaterra) que teria criado um áudio com tom de voz de pânico…
– Neste “tipo” a imagem retrata um homem branco, com barba e óculos escuros, como muitos que temos visto em iniciativas de “startups”, num esforço de desenvolver modelos de negócio em um mundo capitalista excludente.

> “O parente”. Este “tipo” traz como exemplo uma mulher de nome Danielle Baker, mãe de quatro filhos, que passou adiante mensagem por Facebook Messenger “porque vai que é verdade…”
– Vá lá… apesar de que a imagem de uma mulher com o celular na mão e já digitando é identificação muito característica da “fofoqueira” (desocupada)… Os “homens” das ilustrações estão de braços cruzados ou segurando o saco de $$$ (no golpista). As mulheres já com os celulares nas mãos…

> “A celebridade”. É o ultimo “tipo” e se refere à cantora M.I.A. e ao ator Woody Harrelson que estão entre os que têm divulgado…. e também se refere ao apresentador Eamonn Holmes…
– Ou seja, o “tipo” está caracterizado a partir de 2 homens e 1 mulher e a imagem é de qual ser humano? De uma mulher!!! Celebridade! Socialite! Não temos visto homens “celebridades” serem tratados de “socialite”!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

A LENTIDÃO QUE NOS FALTAVA

Se compararmos a dimensão do corpo humano e a velocidade máxima com que ele consegue correr, entende-se que o ser humano é um dos animais mais lentos do planeta. Talvez por isso ele sempre sonhou em construir próteses – da roda ao míssil – para compensar essa sua deficiência.

Mas a conquista da velocidade não foi acelerada uniformemente. A quase 2.000 anos de distância um do outro, se Júlio César e Napoleão quisessem abranger a distância entre Roma e Paris, levariam o mesmo tempo: algumas semanas a pé, uma semana de carruagem. A 200 anos de Napoleão, se nós também quiséssemos fazer o mesmo trajeto, bastariam apenas algumas poucas horas, mesmo sem gozar de privilégios imperiais.

Foi com o advento industrial que o desafio da velocidade acelerou as suas etapas: em 1903, o primeiro voo dos irmãos Wright durou 59 segundos em uma distância de 260 metros. Seis anos depois, em 1909, Filippo Tommaso Marinetti publicou o “Manifesto do Futurismo”: “Nós afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova; a beleza da velocidade. Um carro de corrida com o seu capô adornado com grandes tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo… um automóvel que ruge, que parece correr sobre uma metralhadora, é mais belo do que a Vitória de Samotrácia”.

Precisamente naqueles anos, Tuiavii de Tiavea, um chefe indígena das Ilhas Samoa, teve a oportunidade de visitar a Europa e de escrever, com um afiado espírito de observação, uma espécie de reportagem antropológica sobre a tribo dos brancos por ele chamados de papalagui. “Acima de tudo – afirma – o papalagui ama aquilo que não se pode aferrar e que, no entanto, está sempre presente: o tempo. Os papalaguis afirmam que nunca têm tempo. Correm ao redor como que desesperados, como que possuídos pelo demônio e, por onde passam, levam a desgraça e o pavor por terem perdido o seu tempo. Essa loucura é um estado horrível, uma doença que não há médico que cure, que contagia muita gente e leva à ruína”.

Dezoito anos depois do “Manifesto Futurista”, em 1927, Lindbergh conseguiu voar de Nova York a Paris em 33 horas. Trinta e cinco anos depois, em 1961, Gagarin foi para o espaço, e, oito anos depois, em 1969, Armstrong pôs os pés na lua.

Epidemia vem de epídemos: o dia em que o deus chega à cidade. Antes que o coronavírus chegasse à cidade do homem, a cidade, atingida pela mosca da velocidade, produzia cada vez mais rápido para consumir e consumia cada vez mais rápido para produzir. Todo mundo estava correndo descontroladamente de um lado para o outro nos vastos espaços do planeta, pulando sem parar de um trem para um avião, de modo que o tempo nunca era suficiente.

Depois, de repente, o confinamento inverteu a situação: agora, blindados em casa, é o espaço que falta. Para ir de uma parede a outra da sala, de uma sala a outra do apartamento, bastam poucos segundos. Abolido o deslocamento entre a casa e o escritório, eliminadas as reuniões com amigos e clientes, o tempo se dilatou, e agora temos muito mais tempo à nossa disposição do que costumávamos ter. A velocidade não representa mais um valor; a pausa não é mais um luxo; e só quem possui o dom da lentidão pode se salvar com a ajuda da sabedoria, mantendo-se equidistante da paranoia das idas e vindas lotadas e da depressão da solidão sedentária.

No fim das contas, a lentidão e a velocidade são sensações relativas. No “Fedro”, Platão descreve Sócrates idoso e cansado que, em uma tarde ensolarada de verão, se refresca do calor: “Que belo lugar para fazer uma pausa! O plátano cobre tanto espaço quanto a sua altura. Em plena floração, o lugar não poderia ser mais perfumado. E o fascínio incomparável desta fonte que corre debaixo do plátano, o frescor das suas águas: basta o pé para me dizer. Mas o requinte mais refinado é este prado, com a doçura natural do seu declive que, quando nos deitamos nele, permite manter a cabeça perfeitamente à vontade”. No entanto, naqueles mesmos anos, Tucídides diz que os gregos “se afanam com dificuldades e perigos todos os dias das suas vidas, com pequenas oportunidades de desfrute”. Aristóteles despreza os comerciantes pela sua vida sem pausas.

Cinco séculos depois, é assim que Lucrécio descreve um rico romano: “Ele corre para sua casa de campo, chicoteando ansiosamente os cavalos, mesmo que a casa não esteja pegando fogo e ele não tenha que apagar as chamas. Então, assim que toca a soleira, ele instantaneamente boceja e cai em um sono profundo, buscando o esquecimento. Ou vai embora às pressas e com fúria, porque sente falta da cidade. Assim, cada um foge de si mesmo, daquele eu do qual, obviamente, não é possível fugir”.

Nenhum grego e nenhum romano da era clássica jamais viajou a uma velocidade superior à do cavalo ou trabalhou mais de cinco ou seis horas por dia. Nunca dois gregos ou dois romanos conseguiram ver e falar permanecendo a mais de 100 metros de distância um do outro. No entanto, nenhum filósofo depois de Platão ou depois de Sêneca jamais produziu reflexões tão vastas e profundas; nenhum artista depois de Sófocles ou depois de Fídias jamais criou obras-primas tão perfeitas; nenhum homem soube gerir o tempo e a vida de maneira tão equilibrada e com uma hierarquia de valores tão precisa: “A guerra visa à paz – diz Aristóteles –, o trabalho visa ao repouso, as coisas úteis visam às coisas belas”.

Na sociedade industrial, aceleramos tanto os nossos ritmos de vida a ponto de consideramos lentos aqueles guerreiros e aqueles comerciantes que pareciam frenéticos aos gregos. Mas, depois, chegou o coronavírus exterminador e nos prendeu a meses de súbita e inevitável lentidão. Nada de trens, nada de aviões.

A multidão dos atarefados, acostumados a cumprir as suas turbulentas atividades materiais, viram-se forçados a um lento e inusual seminário em tempo integral, propício para o exercício espiritual da lentidão, em que também se encontraram involuntariamente envolvidos as almas mais inexperientes e recalcitrantes à busca interior.

A reclusão e a calma impostas pelo vírus nos forçam a exercitar aquela reflexão que a convulsiva sociedade secularizada nos fizeram desaprender e que agora se revela aos nossos olhos e nos obriga a admitir a diferença entre necessário e supérfluo, consistente e fútil, adulto e pueril. Quanto mais o olhar se acalma, mais sentido ele capta nas coisas que vê e que, antes, às pressas, ficavam indiferentes. Assim, aquelas ideias, aqueles objetos finalmente dotados de sentido oferecem ao nosso pensamento mais espaço para relaxar, porque somente a lentidão é capaz de nos fazer captar e amar até mesmo as coisas mínimas, aquelas que os poetas encontram sem a necessidade de um confinamento: “Benditos sejam os instantes, e os milímetros, e as sombras das pequenas coisas”, invocava Fernando Pessoa.

Infelizmente, a lentidão, assim como o ócio, não é um assunto para principiantes. Requer vocação e treinamento. Mas é uma condição imprescindível para alimentar o espírito criativo, que, segundo o testemunho de Le Corbusier, “só se afirma onde reina a serenidade”.

Esta atual e inédita experiência de lentidão, cujo fim não se entrevê, talvez deva ser vivida como um exercício coletivo em vista do futuro próximo em que, confiando às máquinas todas as ações que requerem velocidade e precisão, finalmente restará aos humanos o tempo para saborear as alegrias da criatividade e da sensualidade, da política, da estética e da convivialidade.


Domenico De Masi

sábado, 9 de janeiro de 2021

"UMA NOVA MUDANÇA, EM BREVE VAI ACONTECER"

 

O terrível ano de 2020 se foi. Contudo, nem tudo que o tornou terrível ficará para trás.

Vivemos, no seu final, um aumento das mortes por Covid em todo o mundo e no Brasil. Chegamos a registrar 1194 óbitos em um dos últimos dias do ano, novamente. Ou seja, a pandemia estará aí para nos receber neste 2021.

A guerra comercial entre EUA e China e seus reflexos no mundo estará em pleno vigor – quais serão os próximos capítulos? Ainda seremos regidos por um império em decadência, mas consumindo os produtos feitos em terras chinesas!

Não conseguimos derrubar o governo Bolsonaro, apesar dessa ser uma das medidas mais efetivas contra a pandemia. Portanto, 2021 também nos reserva a continuidade deste desafio.

Com este governo continuaremos sob a hegemonia de uma política econômica neoliberal. O jogo da “direita limpinha” na economia está alinhado ao da “direita suja”, ou seja, continuaremos vivendo em 2021 com uma baita crise econômica.

Suspeito que os piores efeitos desta crise, como o aumento avassalador do desemprego, da fome e da miséria se darão neste ano que se inicia. Ano sem eleição, em que o governo oportunista já afirmou que não haverá mais auxílio emergencial. Pior para o povo.

Outro elemento a transpor a barreira de 2020 será este sentimento de estarmos retroagindo na história, sendo puxados para trás. Sentimento que causa angústia e fere a esperança de que dias melhores virão.

Contudo, há momento na história de nosso mundo, de nosso país e de nossas vidas, em que a espera se impõe, e com ela temos que conviver sem perder a esperança. Façamos, portanto, de nossa espera uma espera de muito fazer, uma espera de preparação, uma espera em ação. Como disse Paulo Freire, façamos da espera a construção de um novo período, que prepare, como o jardineiro, o jardim para a chegada de uma nova primavera.

Nos inspiremos na vitória da legalização do aborto na Argentina, ocorrida no final de 2020. Vencemos, lá, o obscurantismo que leva a morte de centenas de mulheres no Brasil.

Em 2021, vamos agir, proteger, ajudar, transgredir, criticar, educar, brincar e nos divertir, reinventando o combate à pandemia, à exploração das pessoas e à direita no governo. Lutemos por uma alternativa de organização social que supere as mazelas do capitalismo e, junto com isso, lutemos para evitar mortes de negros e LGBTs, violência contra as mulheres, violência policial, retirada de direitos.

Vamos também desconfiar de quem disser que a mudança que esperamos chegará pelas mãos de quem construiu a situação que vivemos hoje; chega de Globo, grandes empresários, agronegócio, Maias e Alcolumbres. Chega de frente ampla de centro!!!

Assim, poderemos construir, neste 2021, saídas para as crises e voltar a cantar como Belquior que “uma nova mudança, em breve, vai acontecer”.

Feliz, esperançoso e imunizado 2021!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

A MAIOR FRIA QUE BOLSSONARO ENTROU.



Se já havia um anúncio explícito e bem desenhado por Gregory Meeks, novo presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, de que Bolsonaro vai enfrentar uma amarga e implacável oposição do governo Biden, sua solitária solidariedade a Trump, na fracassada tentativa de golpe com a invasão ao Congresso americano, que já conta com quatro mortes, 14 policiais feridos, sendo um em estado grave, e um número cada vez maior de vândalos golpistas presos, certamente, transformou-se na gota d’água para ser considerado persona non grata pelo presidente que assume a liderança do país norte-americano no próximo dia 20.

Até Netanyahu, um dos mais fieis parceiros de Trump, tirou o cavalo da chuva ácida e picou a mula. Mas saiu atirando em Trump, dizendo ser inaceitável o que ocorreu no Congresso sob o seu comando.

Trump viu a debandada não só de ex-aliados do partido Republicano, como, praticamente, um pedido coletivo de demissão dos principais cargos da Casa Branca, além de uma posição extremamente dura adota pelo seu vice, Mike Pence contra seus devaneios golpistas.

Ou seja, o isolamento de Trump terá peso proporcional ao isolamento que Bolsonaro, com certeza, sofrerá da Casa Branca a partir do dia 20 de janeiro

Sua atitude diante do que o mundo já sabe sobre sua subserviência tanto a Trump quanto a Steve Bannon, somado ao apoio que Trump recebeu de políticos ligados a Bolsonaro e outros que fazem parte da órbita do gabinete do ódio, certamente, estão sendo filmados pela administração Biden.

O custo dessa aventura tresloucada do Trump Paraguaçu será amargo.

Ainda é cedo para afirmar o que acontecerá com Trump, mas tudo indica que a fatura da lambança golpista não será pequena para que este não use esse episódio para estimular o crescimento de um possível trumpismo que conta com celerados dementes e figuras bisonhas do submundo da sociedade americana.

Há muita coisa em jogo, sobretudo no que diz respeito à economia americana que abala a credibilidade da sua democracia e é unânime na imprensa e no próprio universo político dos EUA que uma resposta dura terá que ser dada a esse episódio criminoso, pois, do contrário, o país pagará caro por essa cicatriz deixada por Trump na sua saída da Casa Branca.

E não há dúvidas, Bolsonaro será incluído no pacote de retaliação que, com certeza, virá.

A conferir.



quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

BATE PAPO ENTRE COVID & CORONA




E agora?

Agora o quê, companheiro?

Estamos fritos. Esse povo conseguiu deter o nosso avanço em pouco tempo.

Ora, Corona, você sabe como os chineses são disciplinados. Funcionam como um exército. Quem libertou um país deste tamanho do colonialismo euronipônico, haveria de nos enfrentar com agilidade. E ainda mais agora, que contam com avançadas tecnologias que permitiram detectar com rapidez cada pessoa que conseguimos infectar.

Felizmente, caro Covid, logramos ultrapassar a muralha da China. Bem que você teve a brilhante ideia de nos introduzir nas equipes de resgate de estrangeiros que pousaram em Wuhan para levar de volta americanos, franceses e ingleses.

Mal sabiam eles que, ao penetrarmos na célula humana, em menos de vinte e quatro horas nos reproduzimos em cem mil cópias! Os humanos são a nossa salvação, Corona. Fora deles nosso prazo de validade é muito curto.

Sim, Covid. Segundo nosso Manual de sobrevivência, podemos ter brevíssima vida útil em superfícies plásticas e metálicas. Mas fora da célula não temos salvação.

Nossa saída, agora, é emigrar. Vamos acertar o seguinte: eu viajo pelo mundo e você fica aqui monitorando, combinado?

Combinado, Corona.

"2"

Olá, Covid, como vão as coisas aí na Itália?

Maravilhosas! Giuseppe Sala, prefeito de Milão, declarou que não representamos nenhuma ameaça. Em poucos dias, nossos replicantes já fizeram um enorme estrago na Lombardia. São centenas de mortos a cada vinte e quatro horas e milhares de infectados.

Parabéns, Covid! E as outras regiões do país?

Tomaram precauções. A partir da experiência dos chineses, adotaram medidas preventivas rigorosas, o que dificulta a nossa disseminação. Todo mundo fica em casa, as ruas estão vazias e o comércio fechado. Todos usam máscaras e lavam as mãos diversas vezes ao dia.

Não é uma boa notícia, confesso. Embora sejamos resistentes aos mais potentes antibióticos, descobriram o nosso calcanhar de Aquiles – o sabão. Impossível suportar uma bolha de sabão. Estoura a nossa pele e nos leva imediatamente a óbito.

As máscaras, Corona, retêm as gotículas que nos transportam. Felizmente encontro aqui gente que não faz o uso correto delas e a todo o momento leva as mãos ao rosto.

Esses são os nossos aliados, Covid, considerando que temos apenas três portas de entrada no corpo humano – olhos, narinas e boca. Quanto mais colocarem as mãos no rosto, mais nos liberam o trânsito.

Avançamos também no Reino Unido, cujo primeiro-ministro andou nos desdenhando. Então, decidi infectá-lo. Foi parar num hospital público, onde esteve aos cuidados de uma enfermeira filipina e um enfermeiro português. Logo ele, o homem do Brexit, que defendia a privatização do sistema de saúde e a expulsão de imigrantes e refugiados do país!

Bem feito, amigo! Assim ele abaixa aquele topete despenteado. Quais seus planos agora?

Viajar a dois países cujos presidentes são nossos aliados – Estados Unidos e Brasil.

Excelente ideia, companheiro! Vá em frente!

"3"

Aqui nos Estados Unidos, caro Corona, nosso avanço colhe o maior sucesso! Comecei por Nova York, a fim de dar uma rasteira na petulância da cidade. Ela se julga o umbigo do mundo.

Então encontrou condições favoráveis?

Muito. O presidente Trump me deu o green card no mesmo dia em que cheguei. Favoreceu-nos muito ao minimizar o nosso potencial de letalidade. Pelo jeito, aqui teremos mais êxito. Milhares e milhares de mortos! Diante do desespero da população, Trump sugeriu que os infectados se curassem com injeções de desinfetante. No primeiro dia, após o anúncio, apenas em Nova York morreram trinta pessoas que deram ouvidos à Casa Branca.

E o Brasil?

Também o presidente preparou um terreno muito propício à nossa expansão. Declarou que o nosso efeito na saúde humana não passa de uma “gripezinha”, e todo fim de semana ele dá o exemplo de que não se deve guardar quarentena. Assim, circula pelas ruas sem máscara, põe as mãos no rosto, cumprimenta e abraça as pessoas. Um grande aliado!

Tive notícias aqui, Covid, de que o Sars e o Mers, gerações viróticas que nos antecederam, estão com muita inveja de nosso sucesso. Não conseguiram se disseminar tanto como nós e foram logo contidos por eficazes vacinas.

Vai ser difícil os humanos nos deterem, Corona. Os laboratórios atuam na lógica capitalista, de acirrada concorrência. Os da Alemanha não compartilham suas pesquisas com os dos Estados Unidos e nem os deste país com os da França. É a nossa sorte. Houvesse cooperação entre eles, uma vacina já teria sido criada para nos exterminar.

Que belo estrago causamos, amigo! O sistema capitalista ficou de joelhos. Agora as Bolsas de Valores deveriam ser chamadas de Bolsas de Desvalorização, tão profunda foi a queda do valor das ações. Com a redução dos transportes terrestres, aéreos e marítimos em todo o planeta, o preço do barril de petróleo despencou e as empresas petroleiras já não dispõem de tanques para estocar combustível. O desemprego aumentou em todo o mundo. Nos Estados Unidos subiu, em duas semanas, de 16 milhões de desocupados para mais de 35 milhões. O rombo na economia global será maior do que o causado pela crise de 1929, a grande depressão.

Quem manda essa gente não investir em sistema público de saúde! Transformaram a medicina em mercadoria e hastearam, como panaceia para todos os males, a bandeira da privatização. Resultado: falta o básico nos hospitais, como pessoal qualificado, respiradores, equipamentos de proteção individual, e até álcool em gel, essa gelatina que nos faz escorregar para o corredor da morte.

Não sou ingênuo, Covid. Sei que um dia seremos contidos por uma vacina. O que me consola é a certeza de que teremos descendentes, assim como somos o nono galho de nossa árvore genealógica viral.

Por que diz isso com segurança, Corona?

Porque os humanos continuarão a criar condições para novos coronavírus enquanto devastarem o planeta, alterarem seu equilíbrio ambiental e aumentarem o aquecimento global. Apesar da rasteira que levaram agora com a nossa ofensiva global, os humanos voltarão a ser indiferentes à desigualdade social, e bilhões deles não terão como sobreviver senão em locais desprovidos de saneamento básico e, portanto, propícios ao surgimento de nossos descendentes.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

INVESTIR NA CULTURA DO CUIDADO.



O papa Francisco, em sua mensagem dedicada ao Dia Mundial da Paz, faz importante indicação para resgatar a humanidade dos seus estreitamentos sufocantes: trata-se da sabedoria do cuidado. Se o ser humano não aprender a cuidar do próximo e da Casa Comum, continuará a conviver com as vergonhosas desigualdades sociais, com a gradativa perda do sentido da vida, aprisionando-se em correntes escravizadoras. A interpelação central da mensagem do papa Francisco, chamando a atenção para a sabedoria do cuidado, não permite flexibilizações. Sem a sabedoria do cuidado, a humanidade continuará ameaçada por esta pandemia e por muitas outras terríveis crises de saúde, econômica, social e político-cultural. Orienta o papa Francisco: a escolha racional para superar tantos problemas é todos se tornarem profetas e testemunhas da cultura do cuidado.

A compreensão de que a humanidade deve se unir e remar no mesmo “barco”, cujo “leme” é a dignidade de cada pessoa, deve inspirar, interpelar e desafiar o ser humano. Não tem outro caminho para se alcançar uma civilização melhor. Na contramão dessa via está a irracionalidade. Por isso mesmo, todos se reconheçam aprendizes – de governantes a cientistas renomados – da ciência do cuidado. Isto, entre outras medidas, exige combater “negacionismos” que buscam minimizar a gravidade da atual crise sanitária, social, ambiental e política. Saber cuidar, na contemporaneidade, inclui também investir na ciência e em suas pesquisas, capazes de conceber vacinas eficazes no combate à pandemia que ameaça a humanidade. Nos campos da religião, da política e da cultura, saber cuidar refere-se à capacidade de aprender novo estilo de vida, reconhecendo a dignidade de cada pessoa.

Na direção oposta do compromisso com o cuidado, multiplicam-se palavrórios, invectivas que apenas provocam curiosidades e alimentam o número de visualizações nas redes sociais, reforçando dimensões existenciais patológicas e juízos condenatórios sobre os outros. Proliferam-se discursos obscurantistas camuflados de fidelidade a um arcabouço doutrinário confessional. Para a humanidade é urgente a aprendizagem do saber cuidar, ciência da vida que inclui o zelo pela ecologia, avanços em clarividências políticas, intuição de novos caminhos civilizacionais, capazes de substituir situações de violência por mais respeito à dignidade humana – sem racismos, exclusões ou outras formas de discriminação.

Saber cuidar é o caminho novo para estabelecer adequadamente o nobre sentido da autoridade política, alicerçado na efetiva defesa de valores e princípios indispensáveis à sociedade, vencendo incoerências. Política qualificada é a que se dedica a cuidar, jamais agindo com indiferença. Nessa mesma perspectiva, uma civilização se qualifica quando todos, igualmente, são respeitados em seus direitos e reconhecem seus deveres – todos cuidando uns dos outros. Também a vivência autêntica da fé, especialmente da fé cristã, exige incondicional adesão à cultura do cuidado.


Saber cuidar é ciência existencial que, para ser aprendida, exige profunda conversão do próprio coração. O cotidiano da humanidade com as suas lógicas clama por essa ciência existencial que pede conversões, para que seja edificada a paz na solidariedade e na fraternidade, dissipando as artimanhas de poderosos que manipulam opiniões para não cumprir com seus deveres em relação aos empobrecidos do planeta. Essencial e urgente é investir na cultura do cuidado. Trata-se de um resgate do que é genuinamente humano, pois saber cuidar é habilidade que gera humanização.

A regeneração da civilização contemporânea exige disciplina no exercício do cuidado – com o outro, que é irmão, e com a Terra, a Casa Comum. Sem esse exercício, continuarão a se multiplicar calvários para a humanidade. A novidade esperada para o ano que se inicia depende da dedicação de todos à ciência capaz de resgatar a humanidade de seus abismos: a ciência do saber cuidar.