domingo, 25 de dezembro de 2022

QUERO UM ANO NOVO

 


Quero um Ano Novo onde, se Deus quiser, todas as crianças, ao ligarem seus apetrechos eletrônicos, recebam um banho de Mozart, Pixinguinha e Noel Rosa; aprendam a diferença entre impressionistas e expressionistas; vejam espetáculos que reconstituem a Balaiada, a Confederação do Equador e a Guerra dos Emboabas; e durmam após fazer suas orações.

Quero um Ano Novo em que, no campo, todos tenham seu pedaço de terra, onde vicejem laranjas e alfaces, e voejem bem-te-vis entre vacas leiteiras. Na cidade, um teto sob o qual reluz o fogão de panelas cheias, a sala atapetada por remendos coloridos, a foto colorida do casal exposta em moldura oval sobre o sofá.

Espero um Ano Novo em que as igrejas abram portas ao silêncio do coração, o órgão sussurre o cantar dos anjos, a Bíblia seja repartida como pão. A fé, de mãos dadas com a justiça, faça com que o céu deixe de concentrar o olhar daqueles aos quais é negada a felicidade nesta terra.

Um Ano Novo Feliz com casais ociosos na arte de amar, o lar recendendo a perfume, os filhos contemplando o rosto apaixonado dos pais, a família tão entretida no diálogo que nem se dá conta de que a TV e os celulares são aparelhos mudos e cegos num canto da sala.

Desejo um Ano Novo em que os sonhos libertários sejam tão fortes que os jovens, com o coração a pulsar ideais, não recorram à química das drogas, não temam o futuro nem se expressem em dialetos ininteligíveis. E que compareceram às urnas em outubro para resgatar as políticas públicas de proteção social, a redução da desigualdade social, a autoestima do povo brasileiro e a soberania nacional.

Espero um Ano Novo em que cada um de nós evite alfinetar rancores nas dobras do coração e lave as paredes da memória de iras e mágoas; não aposte corrida com o tempo nem marque a velocidade do tempo pelos batimentos cardíacos.

Um Ano Novo para saborear a brevidade da vida como se ela fosse perene, em companhia de ourives de encantos.

Quero um Ano Novo em que a cada um seja assegurado o direito do emprego, a honra do salário digno, as condições humanas de trabalho, as potencialidades da profissão e a alegria da vocação.

Rogo por um Ano Novo em que a polícia seja conhecida pelas vidas que protege e não pelos assassinatos que comete; os presos reeducados para a vida social; e que os pobres logrem repor nos olhos da Justiça a tarja da cegueira que lhe imprime isenção.

Um Ano Novo sem políticos mentirosos, autoridades arrogantes, funcionários corruptos, bajuladores de toda espécie. Livre de arroubos infantis, seja a política a multiplicação dos pães sem milagres, dever de uns e direito de todos.

Espero um Ano Novo em que as cidades voltem a ter praças arborizadas; as praças, bancos acolhedores; os bancos, cidadãos entregues ao sadio ócio de contemplar a natureza, ouvir no silêncio a voz de Deus e festejar com os amigos as minudências da vida – um leque de memórias, um jogo de cartas, o riso aberto por aquele que se destaca como o melhor contador de anedotas.

Desejo um Ano Novo em que o homem jamais humilhe a mulher; a professora de cidadania não atire papel no chão; as crianças cedam o lugar aos mais velhos; e a distância entre o público e o privado seja espelhada pela transparência.

Quero um Ano Novo de livros saboreados como pipoca, o corpo menos entupido de gorduras, a mente livre do estresse, o espírito matriculado num corpo de baile ao som dos mistérios mais profundos.

Espero um Ano Novo cujo principal evento seja a inauguração do Salão da Pessoa, onde se apresentem alternativas para que nunca mais um ser humano se sinta ameaçado pela miséria ou privado de pão, paz, saúde, educação, cultura e prazer.

Um Ano Novo em que a competitividade ceda lugar à solidariedade; a acumulação à partilha; a ambição à meditação; a agressão ao respeito; a idolatria ao dinheiro ao espírito das Bem-Aventuranças.

Aspiro a um Ano Novo de pássaros orquestrados pela aurora, rios desnudados pela transparência das águas, pulmões exultantes de ar puro e mesa farta de alimentos despoluídos.

Um Ano Novo que seja o último da Era da Fome.

Desejo um Feliz Ano Novo de muita saúde e paz aos meus pacientes leitores – os que concordam e também os que discordam.

Rogo por um Ano Novo que jamais fique velho, assim como os carvalhos que nos dão sombra, a filosofia dos gregos, a luz do Sol, a sabedoria de Jó, o esplendor das montanhas do Rio Grande do Sul, a literatura de Machado e Rosa.

Desejo um Ano Novo tão novo que traga a impressão de que tudo renasce: o dia, a exuberância do mar, a esperança e a nossa capacidade de amar. Exceto o que no passado nos fez menos belos, generosos e solidários.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

NATAL

 


Neste Natal, não quero o Papai Noel das promoções comerciais, das ceias pantagruélicas, dos presentes caros embrulhados em afetos raros. Quero o Menino nascido esperança em um pasto de Belém, e Maria a cantar que os abastados serão despedidos de mãos vazias e os pobres, saciados de bens.

Não quero o Papai Noel do celofane brilhante das cestas de produtos importados e das garrafas nas quais os néscios afogam tristezas rotuladas de alegrias. Quero o Menino palestino em busca de uma terra onde nascer e viver, o Menino judeu arauto da paz aos homens e mulheres de boa vontade, o Menino poupado da estupidez das guerras.

Neste Natal, dispenso abraços protocolares e sorrisos sob medida, sentimentos retóricos e emoções que encobrem a aridez do coração. Quero o amor sem dor, a oração só louvor, a fé comungada com sabor de justiça. Não quero presentes dos ausentes, a litúrgica reverência às mercadorias, a romaria pagã aos templos consumistas. Quero o pão na boca da criança faminta, o acolhimento aos refugiados, a paz aos espíritos atribulados, o gozo de contemplar o Invisível.

Neste Natal, não quero troca de produtos entre mãos que não se abrem em solidariedade, compaixão e carinho despudorado. Quero o Menino solto no mais íntimo de mim mesmo, a semear ternura em todos os canteiros em que as pedras sufocam as flores. Quero o silêncio indevassável do mistério, o canto harmônico da natureza, a mão que se estende para que o outro se erga, a fraternura de amigos abençoados pela cumplicidade perene.

Neste Natal, não me interessam as oscilações dos índices financeiros, as promessas viciadas dos políticos, os cartões impressos a granel, cheios de colorido e vazios de originalidade. Quero as evocações mais ternas: o cheiro do café coado pela avó, o som do sino da matriz, o rádio Philco exalando sabonete Eucalol, enquanto a babá me via brincar no quintal.

Não quero as amarguras familiares que se guardam como poeira nas dobras da alma, as invejas que me alienam de mim mesmo, as ambições que me tornam tristes como as galinhas, que têm asas e não voam. Quero os joelhos dobrados no átrio da igreja, a cabeça curvada ao Transcendente, a perplexidade de José diante da gravidez inusitada de Maria.

Neste Natal, não irei às ruas febris dos mercadores de bens finitos, não disfarçarei em algodão a neve que se amontoa em meus dessentimentos, nem prenderei falsas sinetas no frontispício de minha indiferença. Quero o segredar dos anjos, a alegria desdentada de um pobre reconhecido em seu direito, a euforia imaculada de um bebê acolhido em braços amados. Não viajarei para longe de mim mesmo. Mergulharei no mais profundo de mim, lá onde as palavras se calam e a voz de Deus se faz ouvir como apelo e desafio.

Neste Natal, não entupirei o meu verão de castanhas e nozes, panetones e carnes gordas. Porei sobre a mesa Deus fatiado em pão, a entornar vinho em cálices alados, e convidarei à festa os famintos de bem-aventuranças. Não rezarei pela bíblia dos que professam o medo, nem acenderei velas aos guardiões do Inferno. Não serei o alpinista de cobiças desmedidas, nem o coveiro de utopias libertárias. Desfraldarei sobre o telhado a bandeira de sonhos inconfessos e semearei estrelas no jardim de meus encantos, lá onde cultivo essa doce paixão que me faz sofrer de saudades do que é terno.

Neste Natal, não aceitarei os brindes de mãos que não se tocam, nem irei às ceias dos que se devoram. Não comerei do bolo que empanturra corações e mentes, nem deixarei que a aurora do Menino me surpreenda empanzinado de sono.

Sairei na noite feliz guiado pela estrela dos magos, dançarei aleluias entre as sendas da Via Láctea e, pela manhã, injetarei poesia em cada raio de sol para que todos acordem inebriados como se fossem borboletas livres do casulo

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

MUNDO A DERIVA.


Até meados do século XX, a mobilidade humana era muito restrita. As pessoas mantinham vínculos comunitários mais estreitos. Relacionavam-se, por toda a vida, com familiares, amigos, frequentadores da mesma igreja ou do mesmo clube. Se viagens ocorriam, eram periódicas, e quase nunca para lugares muito distantes dos limites da cidade. Avós, pais e irmãos moravam, quase todos, próximos uns dos outros. Isso reforçava os elos comunitários, a autoidentidade, o senso de agregação. Os laços de sangue falavam mais alto que o padrão de vida ou o nível de cultura.

Tudo isso ruiu com a mobilidade geográfica facilitada pela pós-modernidade. O barco que conduzia o clã familiar congregado foi de encontro aos penhascos da sociedade consumista e se estilhaçou. Todos ficaram à deriva.

Hoje, nessa enorme gaiola de cimento e ferro, chamada prédio de apartamentos, o vizinho de porta nada sabe a respeito de quem mora ao lado. Estão todos condenados à perda de identidade, ao anonimato, à estranheza. Enquanto na “aldeia” os olhares eram de familiaridade e acolhimento, agora são de suspeita e medo. Como diria Sartre, o outro é, potencialmente, o inferno. Como preservar a autoestima se a pessoa não se sente estimada?

Soma-se a isso um novo fator que agrava a ansiedade, a solidão, as atitudes narcísicas: a aldeia digital. Assim como as pessoas buscam grupos com os quais se identificam (clube, igreja, associação, núcleo cultural etc.), elas também se inserem em vários nichos internáuticos no esforço de se afirmarem socialmente. O ser humano não pode prescindir do olhar benfazejo do outro. Mas o espaço cibernético é substancialmente narcísico. A pessoa posta algo – mensagem, foto, meme etc. – como quem joga um peixe no lago cercado de pescadores. Ansiosa, quer saber quem fisgou a sua postagem, se interagiu e de que maneira. E mergulha no círculo vicioso da digitação constante.

Se no espaço urbano, onde os laços familiares estão geograficamente distanciados, prevalece a desconfiança, no virtual isso se torna mais acentuado. Como no paradoxo do gato de Schrodinger, o outro com quem você se relaciona pode ser e pode não ser ele. E, como é natural, cada um busca ser reconhecido dentro daquela bolha. Quando alguém posta é também em busca de si mesmo. O smartphone funciona como um espelho, no qual bilhões esperam ver a sua imagem melhorada. E o retorno, muitas vezes, é a desconstrução de quem postou. Ninguém ingressa na arena de boxe para presenciar a luta, e sim para esmurrar o outro até que ele seja aniquilado. E isso é mais fácil quando o outro é um estranho. O outro, nessa arena virtual, é sempre um concorrente, e não um parceiro.

Daí a usina do ódio, das fake news, de tudo que faça um sobressair sobre os outros. A emoção prevalece sobre a razão. E a imposição sobre o diálogo. Não se procura ter parceiros e, sim, seguidores. Milhões de pequenos ditadores emitem a sua verdade sobre o mundo, ainda que seja uma clamorosa mentira, e assim fuzilam virtualmente todos que se lhe opõem.

Um exemplo dessa tendência de isolamento e agressividade é a crescente venda de veículos utilitários (SUVs), próprios para zonas rurais, nas classes altas de áreas urbanas. Além de não serem adequados para trafegarem na cidade, criam nos passageiros uma sensação de proteção e poder. Muitos adicionam à marca modelos com expressões típicas de conflito e belicismo: Defender (defensor), Raider (agressor), Crossfire (fogo cruzado), Tracker (perseguidor), Compass (renegado), Kicks (chutes).

Convém escutar os sábios: “É chegado o momento, não temos mais o que esperar. Ouçamos o humano que habita em cada um de nós e clama pela nossa humanidade, pela nossa solidariedade, que teima em nos falar e nos fazer ver o outro que dá sentido e é a razão do nosso existir, sem o qual não somos e jamais seremos humanos na expressão da palavra” (Rubens Alves: “A Escutatória”).




Frei Betto

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

ADVENTO DA FRATERNIDADE,

Cantada em verso e em prosa, a trilogia igualdade, fraternidade e liberdade precisa inspirar e desafiar, cotidianamente, os cidadãos. Desafio e inspiração que equilibram e fecundam a identidade e a missão das instituições responsáveis por configurar as feições da sociedade. Desconsiderar os princípios da igualdade, fraternidade e liberdade é enfraquecer a democracia. Significa também distanciar as relações sociais, políticas e econômicas dos parâmetros de inegociável racionalidade e sustentabilidade. As deteriorações humanas, comprovadas pelos cenários de desigualdade social e violência, são consequências desse distanciamento. Por isso mesmo, os princípios essenciais à democracia permanecem consolidados por legislações em cartas magnas, incorporados em indispensáveis e arrojadas políticas públicas, fecundados por valores culturais. Trata-se, pois, de uma luta prioritária trabalhar pela garantia e exequibilidade dessas importantes bases que são também horizontes inspiradores. Ressalte-se: dentre essas bases, o princípio da fraternidade tem peculiaridades e dinâmicas próprias. É determinado por modos de agir que se relacionam com o que cada pessoa leva no coração, sustentando o exercício cidadão nos parâmetros da vocação missionária de se promover o bem comum, a justiça e a paz. O ser humano é instado a ter no horizonte de seu caminho a responsabilidade de manter acesa a chama do advento da fraternidade.

O advento da fraternidade depende de práticas e de referências importantes, inspiradoras e impulsionadoras de novos ciclos, novas dinâmicas. Assim, é capaz de ajudar a construir novos tempos, qualificando o ser humano para se relacionar com o seu semelhante. Isto significa também gerar mais equilíbrio e justiça social na sociedade. No horizonte do advento da fraternidade surge a pessoa de Jesus Cristo, conforme sempre evidencia a Igreja, de modo novo e apaixonado, especialmente no tempo de preparação para o Natal. A pessoa de Jesus Cristo é a centralidade da celebração do Natal, oportunidade para encontrá-lo. O Mestre é Aquele que vem, inspirando a ida de todos ao encontro Dele. A presença de Jesus carrega, no seu significado e alcance, tudo o que se pode encontrar de bom, propício e fecundo em igualdade, liberdade e fraternidade. Sua mensagem condensa as bases da experiência da fraternidade, que alavanca a vivência da liberdade e da igualdade.

A fraternidade tem uma essencialidade simples. Permite, a partir do coração, reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independentemente de sua proximidade física, do ponto da terra onde nasceu ou reside.

Legislações indispensáveis, para garantir a defesa de direitos e a promoção da justiça, são muito importantes, e precisam de redação assertiva ancoradas nos princípios da igualdade e da liberdade. De modo ainda mais profundo, a fraternidade exige o coração humano, que precisa ser berço-fonte de uma espiritualidade que fecunde a interioridade, produzindo convicções capazes de efetivar a longanimidade de um querer bem universal. Universal sem generalizações, mas abrangente na especificidade de ser irmão e irmã de verdade e efetivamente de todos. O advento do Natal do Senhor carrega a força transformadora da fé, garantindo, incondicionalmente, a competência de enxergar o próximo para além de eventuais afinidades, interesses, programas ou projetos partilhados. A fraternidade humana constitui capítulo central na vida dos discípulos de Jesus, comprometidos com a salvaguarda da criação, unidos a todas as pessoas, especialmente aos mais pobres e necessitados. A fraternidade humana é, pois, um valor transcendente, que fortalece a indispensável e urgente solidariedade, inspirando profecia, lucidez das escolhas e respostas para problemas sociais.

Confrontos raivosos ou imposições não comunicam o amor de Deus, não curam feridas e nem levam a entendimentos iluminadores. A fraternidade é o caminho certo e singular para se alcançar a verdadeira paz interior. Uma fonte de sabedoria que conduz o ser humano à justiça, na via da igualdade e da liberdade. Com o advento do Natal do Senhor fecunde-se a efetivação do advento da fraternidade.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

QUANDO PEÇO "CHUVA" LEVO O "GUARDA-CHUVA".

 

Naquele tempo: Os apóstolos disseram ao Senhor: ‘Aumenta a nossa fé!’ O Senhor respondeu: ‘Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: `Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria.

O amigo José Batista, lá das memórias da sua infância, conta uma história que é bem capaz de ajudar na compreensão do Evangelho:

...A seca naquela parte do sertão nordestino já durava mais de ano. Roça perdida, animais em pele e osso. Povo e bicho bebendo do resto da mesma água que resistia no fundo das derradeiras cacimbas. O padre convoca o povo para uma procissão até os pés da Cruz no do morro. Lá no alto o encerramento com a missa implorando pela ansiada chuva. Desde a manhã vão chegando pelas estradas poeirentas homens, mulheres e muitas crianças. Brota gente de toda parte para participar da cerimônia. Ladainhas, terços e variados cantos de súplica são entoados morro acima. Chegados lá no alto o tempo vira de uma vez. Grossas nuvens se aproximam rapidamente. Formam rolos que assustam o bando de crianças ladeando o altar. Várias delas vestidas de anjos. A missa nem começara quando despenca a chuva. Forte e barulhenta ela vem bonita, levanta do chão o agradável cheiro da terra molhada. “Deus é bom!”, grita na alegria o sacerdote para a assembleia. Mais de mil pobres se banhando na água abençoada. É então que ele observa o inusitado. No meio do mar de gente tem um guarda-chuva aberto. Surpreso com o que vê, pergunta ao velho protegido do aguaceiro se ele sabia que iria chover. “Mas o senhor não nos chamou para pedir a Deus pela chuva?” Foi só o que aquele homem lhe respondeu.

O Evangelho de Lucas começa nos falando do pedido dos discípulos para que lhes fosse aumentada a fé. Para que a tivessem a ponto até de provocar a chuva, como o velho da história tinha toda convicção de que viria. E Jesus lhes responde alertando para a pequenez da fé que carregamos. Diz-nos que se ela for aumentada seremos capazes de maravilhas insuspeitadas.

Alargar a fé é o mesmo que nos entregarmos, mais confiadamente, nas mãos de nosso Senhor. Ou, como exorta Paulo a Timóteo, que reavivemos em nós “a chama do dom de Deus”, “guardando o precioso depósito” da fé e do amor no coração.

Aumentar a fé não é abandonar o que precisamos fazer nas mãos do Pai. É fazer tudo, como se cada detalhe só dependesse do trabalho que executamos e confiar plenamente, sabedores de que a obra é dele e que tudo o que é feito de bom é porque Ele está agindo em nós.

Por isto, é necessária a tomada de consciência de que nada do que fizermos será por grandeza, ou mérito próprio. É Deus quem age em cada um, quando construímos algo que torne mais presente o Reino. Fazer o bem é nossa obrigação e é a graça e a bondade do Senhor que nos encaminha para ela.

A fé é sempre um salto no escuro. É um ato de confiança naquele que não vemos, mas sabemos que está conosco, nos protege e acolhe. Por isto, ela não deve permanecer estável, mas viver sempre no dinamismo do crescimento.

Crescer na fé é aceitar que irão ocorrer as dúvidas. Sim, a impossibilidade de enxergar o outro lado gerará a incerteza. Com certeza que a fé pressupõe a dúvida e isto não deve nos causar medo. A dúvida é convite para que entremos mais nos mistérios de Deus, para que estudemos e nos deixemos levar mais pelo seu Amor.

Será na crise que iremos aprofundar as raízes da confiança em Deus no nosso coração. A fé que não experimenta crises, que não se sente interpelada pelas dúvidas, vai perdendo substância. Fica tal qual a árvore que não se enraíza profundamente. Ao primeiro vendaval correrá grande risco de cair. Peçamos ao Senhor que nos dê mais fé, eis que ela é dom, é presente dele para cada um de nós.

Para reflexão:

– Quando peço “chuva” levo o “guarda-chuva”

terça-feira, 29 de novembro de 2022

QUE ANO DURO E DIFÍCIL ESTE TAL DE 22.

Que ano duro e difícil para o povo brasileiro, esse 2022 que se aproxima do fim. Quanta angústia, quanta dor, quanto medo vivido, quanta ansiedade reprimida. Após dois anos de uma pandemia que a todos confinou e tantas perdas dolorosas gerou, parecia que no início do ano anunciava-se uma trégua. As vacinas existiam e estavam disponíveis, muitos as tomamos, sentíamo-nos protegidos.

Porém nesse momento a “outra” pandemia – ou seria a mais real de todas, a única que realmente existiu? – mostrou seu rosto sombrio. E a política polarizada e enraivecida dividiu o país e o povo, rompendo relações e instaurando um clima ameaçador no cotidiano dos brasileiros. A inflação, a subida dos preços, as dificuldades muitas de cada dia pareciam pequenas, menores, diante da terrível perspectiva de que poderíamos ser obrigados a viver mais alguns anos de opressão, impiedade e violência. E talvez, com mais tempo pela frente, essa desolação maior se instalasse e permanecesse roubando-nos para sempre a alegria.

A eleição aconteceu e parecia que a vitória acontecida exorcizava os fantasmas. No entanto, o que se vive agora, neste tempo posterior às urnas, continua a ser obscurecido e ameaçado por manifestações que bloqueiam estradas, impedem o direito de ir e vir, decretam que filhas não podem dar o último abraço à mãe que está morrendo em hospital distante; bloqueiam a ida de um jovem à rodoviária para tomar o ônibus que o levaria à cirurgia que lhe devolveria a visão.

Grupos revestidos com a bandeira brasileira se aglomeram diante de quartéis ou em plena rua, pedindo a intervenção militar em nome da democracia. O nome de Deus é invocado a cada momento, seja ao lado de outras palavras de ordem como pátria e família, seja simbolizado em celulares postos no alto de cabeças na absurda intenção de comunicar-se com seres extraterrestres para que concedam a graça do estado de exceção em nome da liberdade.

Tudo isso leva a desejar mais ardentemente que venha o que se espera: a paz, a vida em abundância, a alegria. E a buscar ansiosamente sinais desse estado de coisas, por mínimos que sejam. Porém, em meio a essa sagrada busca notícias de partidas abruptas de seres admirados e amados por todos, que ajudaram a dar ao Brasil sua identidade, trazem outra vez a dor: Gal Costa, a baiana linda de cabelos negros e cacheados, boca vermelha e voz afinada cai fulminada por um infarto em sua casa. Erasmo Carlos, o gigante gentil, o tremendão amado que embalou juventudes e brasileiros de todas as idades, é derrubado por uma doença já instalada em seu corpo e diz adeus.

Como viver o Advento nesse clima em que parece que nada vem e tudo se vai. Vai-se o bem-estar, o sentir-se livre, as referências afetivas. E o vazio parece instalar-se com ares sombrios de quem veio para ficar. E, no entanto, uma vez mais, somos chamados a voltar-nos para a espera de quem vem. De quem disse que vinha e fielmente vem a cada ano, porque na verdade já veio na história humana há mais de dois mil anos. E vem a cada dia para todo homem e mulher que seja capaz de abertura ao mistério e esteja em busca do sentido maior da vida.

A poesia de mais um artista que graças a Deus se encontra vivo entre nós – Alceu Valença – nomeia a expectativa que insiste em habitar-nos, apesar de todos os percalços, as trevas e o medo.

Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais

Como podemos crer nisso? Como, se tudo ao nosso redor parece desmentir a existência desses sinais e dessa vinda. Como se não enxergamos sinal algum? E, no entanto, a voz do anjo sussurrou a uma jovem que ela seria mãe do Salvador.

A voz do anjo sussurrou no meu ouvido
Eu não duvido, já escuto os teus sinais

Na casa de uma jovem moça em Nazaré da Galileia, o mensageiro de Deus chegou dizendo notícias de começos e boas novas. A voz do anjo sussurrou ao ouvido de Maria, noiva de José o carpinteiro. E ela, embora perplexa, acreditou e se dispôs a ser a serva do Senhor e a tornar-se morada de Sua Palavra. Escutando os sinais que o anjo trouxe, seu corpo engravidou do mistério que anuncia que Deus não se esqueceu da humanidade e uma vez mais foi fiel a seu povo.

Por isso, hoje nosso povo está convidado a escutar esses sinais prenhes de esperança. O anjo sussurra e convoca a estar atentos aos sinais da chegada de quem traz uma vez mais a todos o amor, a união e a paz. Escutar esses sinais é acreditar.

Que tu virias numa manhã de domingo.

Os sinais trazidos pelo mensageiro da alegria e pelo ventre grávido da jovem mãe nos convidam com firmeza e delicadeza a crer, acolher e anunciar sua vinda por cima dos telhados, no fundo dos poços, nos grotões da miséria, no aconchego das casas e nos sinos das catedrais.

Eu te anuncio nos sinos das catedrais.

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

A MULTIPLICAÇÃO DE PERDAS.

Muitas lógicas influenciam o modo de se conduzir a vida, mas, especialmente para os cristãos, um princípio deve ter lugar central: a lógica do Evangelho, que é paradoxal – perde quem acha que está ganhando. Compreender essa realidade ensinada pelo Evangelho é desafio humano e existencial, pois cada vez mais prevalece o primado do lucro a todo custo, da vantagem a todo preço, do ganho inescrupuloso, da busca sem limites pelo acúmulo, do massacre de adversários e daqueles com quem se diverge. Para superar essas atitudes egoístas, e desumanas, a inteligência se qualifica com a luz divina do amor maior.

O princípio do Evangelho é o caminho para superar lógicas que ferem a dignidade humana, desrespeitando a sacralidade intocável da vida de todos. Desrespeito que se revela nas desigualdades sociais, nos preconceitos e discriminações, nas escolhas que passam por cima do dom sagrado da vida, desde a concepção até o declínio com a morte natural. Importante considerar que as lógicas perversas no coração humano abalam o equilíbrio da casa comum. Isto porque muitas atitudes, que buscam vitórias momentâneas, trazem como consequências perdas desproporcionalmente maiores, muitas irreversíveis.  de Deus.

Em resumo, um olhar míope, que leva a sentimentos distantes da misericórdia, na contramão dos valores do Evangelho. Essa distância da misericórdia merece atenção especialmente daqueles que se proclamam cristãos, mas insistem em permanecer alheios aos princípios do Evangelho. Certas atitudes comprovam a distância entre o que se fala e o que se vive, disritmia entre a pregação do amor, princípio basilar da fé cristã, e práticas de certos grupos, sem ética, conduzidos pelo interesse de ganhar a qualquer custo, sem escrúpulos, passando por cima dos outros, disseminando notícias falsas. Posturas na contramão da autenticidade evangélica.

Importante buscar a aprendizagem para se tornar discípulo missionário de Jesus e, assim, não confundir vitórias com passos que levam a grandes perdas. O olhar do discípulo é, pois, instrumento para configurar a realidade com o sabor do Evangelho, neste mundo de aceleradas mudanças. Esse olhar é antídoto contra equívocos nas interpretações e escolhas, provocados por disputas de poder e defesas ideológicas. Ninguém pode achar que domina a realidade, postura que já compromete o sentido de humildade, valor cristão. A ausência de humildade acirra disputas, alimenta ataques sob a pretensão de querer gerar mudanças, inclusive com a disseminação de mentiras e agressividades, revelando a mediocridade de sentimentos.

A civilização contemporânea convive com situações desconcertantes, que distanciam a humanidade da meta de partilhar um só coração. Ao invés disso, cada vez mais pessoas estão fechadas na própria realidade, ilusoriamente bafejadas pelos ventos de defesas partidárias. Só há um jeito para se conquistar o olhar dos discípulos de Jesus, para reconhecer o genuíno sentido da vida e, assim, adotar condutas coerentes com o Evangelho: os cristãos precisam começar o seu caminho a partir de Cristo, sem doentios apegos a perspectivas individuais, de grupos, associações ou partidos. A meta deve ser contemplar quem revelou – e o modo como revelou – a plenitude do cumprimento da vocação humana. Distanciar-se desse caminho faz com que o mundo não seja iluminado pela luz do Evangelho. Com isso, as sementes cairão em pedregulhos e não brotarão; a unidade dos discípulos ficará comprometida, com olhares atrofiados pela nuvem de ódios e disputas. Sem a luminosidade do amor, não haverá vitórias: ao invés disso, a humanidade padecerá, cada vez mais, com a multiplicação de perdas.

sábado, 12 de novembro de 2022

TROPEÇOS NA PALAVRA

Os rumos da sociedade são definidos e alimentados por meio de narrativas, evidenciando, assim, a importância da palavra, que tem propriedade para alavancar intuições e forjar novas respostas. Mas a palavra pode, também, ser uma “pedra de tropeço”, quando se constata dificuldade para valer-se de sua força na configuração de entendimentos. A babel contemporânea comprova a frequente inabilidade para a construção de discursos. Vive-se, atualmente, em uma sociedade que tropeça nas palavras e, por isso, sofre com cenários de desentendimentos, divisões e atrasos civilizatórios. Prejuízos que podem até invalidar conquistas científicas, pois falas distantes da realidade geram obscurecimentos. O livre direito de se expressar, aliado à intrínseca necessidade da palavra para tecer nova cultura, desafia a sociedade: todos estão à mercê das consequências de falas medíocres – tropeços na palavra.

Multiplicam-se as palavras que não geram entendimentos, nem indicam novos rumos. Também não alimentam o sentido que sustenta o próprio viver. Todos têm o direito de se manifestar, mas é cada vez mais frequente os que tropeçam na palavra. Gente que diz o que não convém ou o que não edifica, formulando juízos equivocados, para simplesmente satisfazer a necessidade de se expressar de algum modo. É preciso reconhecer a carga de responsabilidade inerente a cada palavra pronunciada, particularmente na emissão de juízos, na tarefa de se construir entendimentos e interpretações para promover qualificada configuração legislativa, novo estilo de vida e amizade social. O uso da palavra deve ir além do direito de se expressar, pois essa liberdade é indissociável do compromisso com a edificação do bem, da justiça e da paz.

A qualificada cidadania tem compromisso com a palavra e jamais distancia-se da verdade. Cultiva a consciência de que a manifestação de perspectivas deve abrir caminhos, apontar soluções e respostas, sustentar a construção da fraternidade social. Cresça a consciência cidadã quanto à importância do adequado emprego das palavras, com suas propriedades construtivas, trilhando direção bem diferente dos pronunciamentos que confundem, propagam a mentira fazendo-a parecida com a verdade, esvaziando a palavra de sua força profética e poética. O mundo precisa de narrativas que gerem entendimentos e novas escolhas, indispensáveis à configuração de um tempo novo. E a palavra é instrumento fundamental para gerar um mundo aberto, sem divisões.

Pela propriedade da palavra pode-se estabelecer vínculos com o próximo, que é irmão. As ações solidárias são indispensáveis, mas há uma dimensão própria das narrativas que também é muito necessária, capaz de gerar o reconhecimento de que cada pessoa é dom precioso. A palavra precisa ser, pois, instrumento para abrir o ser humano ao amor, vencendo situações de isolamento e de mesquinhez. Assim, os discursos podem promover a corresponsabilidade entre todos os cidadãos na tarefa de edificar civilizações abertas, integradas, solidárias. A palavra também deve alimentar a qualificação existencial de cada indivíduo, livrando-o de pensamentos que levem a atitudes abomináveis. As narrativas precisam ser oportunidade para dar vez aos “sem voz”, aos discriminados, desencadeando processos de libertação e de reconquista da dignidade perdida ou usurpada. Sobre o direito do uso da palavra inscreve-se o compromisso de, por meio dela, construir a fraternidade, a liberdade e a igualdade.

O momento atual sinaliza a força da palavra na configuração de escolhas capazes de compor cenários sociopolíticos. Palavras que têm viciado mentes e estreitado corações precisam ceder lugar às que possam produzir novos sentidos. Sejam, pois, construídas as narrativas adequadas capazes de efetivar estilo de vida renovado, com diferentes modos de se habitar a casa comum e novas maneiras de se estabelecer laços, a partir do respeito à vida de cada pessoa, intocável dom sagrado de Deus. Prevaleça a desconstrução de preconceituosos e discriminações, debelando o racismo e muitos outros males que geram tanta destruição. É essencial, agora, aprender a fazer uso da palavra para não se produzir os prejuízos advindos de quem vive tropeçando na palavra.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

O AMOR QUE VENCE TODO TIPO DE ÓDIO.




Está em curso uma terceira guerra mundial em pedaços. Há uma luta de interesses em que todos se colocam contra todos. Nesta luta, vencer se torna sinônimo de destruir, inviabilizando o levantar a cabeça para reconhecer o vizinho, ou ficar ao lado de quem está caído à beira da estrada. E, assim, pela força do ódio, que vai tomando o lugar do amor, da gratidão e do bem, instaura-se uma insana batalha, onde se busca destruir, inescrupulosamente, até mesmo a reputação alheia. Equivocadamente, pensa-se que essa destruição pode significar uma “escada” para a autopromoção. Esse tipo de pensamento não é novidade e acompanha o ser humano em todos os tempos. Talvez, o que vem mudando sejam os instrumentos para atacar a moral do semelhante, especialmente em razão das facilidades oferecidas pelo campo tecnológico. Mas, ao se reconhecer que a busca pela destruição do próximo é problema histórico, constata-se: a humanidade é permanentemente chamada a protagonizar a fraternidade.

 Nessa centralidade reside o desafio de se respeitar diferenças, tornando-as sempre uma riqueza. Isto significa jamais seguir o caminho da destruição. Assim, quando se considera a sociedade contemporânea, a fé cristã, por sua força de correção, pode indicar caminhos e dinâmicas no processo de iluminação da cidadania e na organização política. Mas é preciso absoluto respeito aos princípios que permitam reconhecer a distinção entre o campo da política e a vivência da fé. Quando não há clareza sobre as fronteiras de cada campo, corre-se o risco de um desvirtuamento da fé, impedindo-a de ser o luzeiro que orienta direções, promove reconciliações e até a relativização de escolhas, especialmente daqueles que se apresentam como “donos da verdade”.

A fé não pode ser reduzida a instrumento para embates no campo político, pois a sua vivência autêntica dissipa a busca pela destruição do outro, reconfigurando discursos e escolhas. A fé cristã tem propriedades específicas com dinâmicas experienciais fortes, capazes de alertar sobre o perigo de semear o ódio, de convencer a respeito da honestidade, que faz parte da vocação de toda pessoa para promover a bondade, o bem comum e uma ordem social justa. Cristãos autênticos não buscam destruir. (Re)constroem com a força da verdade, com a primazia do bem e do respeito moral. O ódio é perigoso e estará sempre na contramão da verdadeira fraternidade ensinada por Jesus. Fraternidade é, pois, o grande investimento a ser feito para efetivar o bem, com a correção de rumos e com a reabilitação da verdade. Sem esse investimento, prevalece um “vale tudo” ensandecido, com ataques a pessoas, instituições, povos e nações. Perde-se a razoabilidade mínima, gera-se descrédito, pois disseminam-se afirmações e informações distantes da verdade, obscurecendo mentes e corações, para se alcançar propósitos a qualquer preço.

O ódio cega, traz justificativas para atitudes inconsequentes, até mesmo quando reputações e vidas estão em jogo. No caminho do ódio, torna-se perdedor não somente adversários e a sociedade, mas, também, aquele que investe na destruição, em nome de um êxito ilusório.  Um método para negar ao outro o direito de existir e pensar de modo diferente. A partir desse mecanismo, recorre-se à estratégia de ridicularizar e de insinuar suspeitas a respeito de condutas, buscando impor um tipo de repressão àqueles com quem se diverge. Um recurso fundamentado no ódio, que manipula e acirra a revolta. Um grave equívoco, pois a verdade sempre prevalece. O bem sempre vence o mal.

Quem se deixa inocular pelo veneno do ódio age em clara oposição à autenticidade da fé cristã. E pode-se correr o sério risco de não se perceber agente do desamor, quando, dentre outros aspectos, deixa-se escravizar pelo mundo obscuro do mercado, da idolatria do dinheiro e, até mesmo, de uma baixa autoestima. Ilusoriamente, tenta-se reagir, buscar reconhecimento, pisando nos outros, com mecanismos de desmoralização. Quem procura construir a própria reputação a partir desses mecanismos não será reconhecido por sua relevância, ou verá, a seu tempo, a própria imagem desmoronar, esvaindo-se feito um castelo na areia. Por isso mesmo, há tanto descrédito em relação à autoridade política, pois muitos que ocupam as instâncias do poder não priorizam a missão de edificar e promover a cidadania. Ao invés disso, atuam a partir dos mecanismos de desmoralização, buscando simplesmente destruir pessoas com perspectivas divergentes.

O horizonte cristão investe no protagonismo da fraternidade – inegociável recurso para um qualificado serviço à sociedade, à promoção da vida como dom de Deus a cada pessoa, sem exceção. Todos, indistintamente, merecem respeito. Oportuno é sempre se recordar de um princípio proclamado pelo apóstolo Paulo: a plenitude da lei é o amor. O amor que vence todo tipo de ódio. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

TÁ AREPENDIDO?

 




A arrogância do bispo Edir Macedo em se julgar capaz de perdoar Lula e convocar o seu rebanho de ovelhas alienadas para acompanhá-lo em seu gesto de grandeza e benevolência, não deveria ter sido respondida pela presidente do PT, Gleisi Hoffman. Era só ter o ignorado, da mesma forma que o líder evangélico ignorou as mortes de centenas de milhares de pessoas durante a pandemia, além de não ter curado nenhuma delas, apesar de sua igreja ser conhecida como realizadora de grandes milagres. Apesar de concordar com a resposta dada pela dama de ferro do PT, acredito que a declaração possa provocar desgaste político, uma vez que Macedo é o dono do partido Republicanos, e reacender a chama do ódio bolsonarista, que ainda está badernando pelas ruas inconformado com a derrota de seu mito.

A verdade é que Lula não precisa do apoio de Edir Macedo para governar, pois ganhou sem tê-lo e ainda enfrentando os mais baixos níveis de Fake News produzidas e disseminadas no ambiente dito evangélico, principalmente, por parte de Macedo, que chegou a declarar que a esquerda era do diabo e Lula um enviado do mal para destruir as famílias brasileiras. Contudo, há quem pense o contrário e apresente bons argumentos par sustentar a sua tese. A pacificação do país, após um longo e tenebroso inverno de polarização, seria um deles. No entanto, eu considero isso o mesmo que você decidir se casar com a lguém que tentou mata-lo um dia. E eu duvido que essa ideia não possa passar novamente pela cabeça do seu, digamos, imprevisível cônjuge.

Obviamente, em se tratando de política as coisas não devem ser analisadas em condições normais. Até porque, a normalidade não faz parte de tal ambiente onde as coisas sempre podem mudar e inimigos podem se tornar aliados. Mesmo sendo uma figura desprezível e sorrateira, Macedo é “dono” de muitas cabeças entre o gado bolsonarista e mentor de suas mentes pouco pensantes. E também é detentor de grande poder econômico, podendo utilizá-lo, por exemplo, para causar instabilidade no governo Lula ajudando a patrocinar manifestações supostamente populares e democráticas, para se vingar da rejeição imposta sobre ele. E ele ainda pode fazer tudo isso em nome de Deus, o que é uma marca registrada do seu mau-caratismo religioso.

Edir Macedo, juntamente com Jair Bolsonaro, incentivou a morte de pessoas por covid, aconselhando os seus fiéis a desobedecerem ao isolamento social, a recusarem a vacina porque ela seria a marca da besta e a acreditarem que a pandemia era uma farsa comunista. Porém, o fariseu do Templo de Salomão foi tomar vacina às escondidas nos USA, enquanto suas ovelhas penavam aguardando a boa vontade do presidente que ele apoiava para comprar a vacina. Aceitar o aceno de um canalha como esse, seria começar o governo muito mal, provocar desconfiança nos eleitores e potencializar a influência dos evangélicos na política brasileira. Dando a eles a sensação de que são fundamentais para dar sustentação a base de qualquer governo. O que seria, ao meu ver, mais uma porrada na cara do estado laico que tanto defendemos.

O que Lula deveria fazer, era instituir um imposto para que as Igrejas evangélicas que faturam milhões anualmente com o dízimo de seus fiéis paguem, como toda empresa faz, e, a maioria dessas grandes igrejas são empresas, e direcionar os recursos para o bolsa família e outros programas assistenciais do governo. Tenho a certeza absoluta de que Jesus aprovaria a ideia, mas os mercenários da fé como Edir Macedo, diriam que era o início da perseguição comunista aos cristãos e incitariam os seus fiéis a uma nova versão do “’não é só por 20 centavos”, para darem um novo golpe no governo. Que o PT fique longe dessa raça de víboras e não decepcione os mais de 60 milhões de brasileiros que elegeram Lula e que estavam do lado oposto à Macedo e sua plêiade de fascistas gospel.

Vale ainda chamar a atenção para uma fala de Macedo no vídeo, quando ele diz que perdoar Lula significa ficar bem com Deus e não perder a salvação por seguir nutrindo ódio no coração. Ou seja, ela não retira nada das inverdades que propagou sobre o presidente eleito durantes as eleições, mas está disposto a perdoar Lula por tudo aquilo que ele inventou a respeito do petista, para não ir para o inferno. A distopia continua e de maneira ainda mais diabólica. As Madalenas falsamente arrependidas estão sentindo o cheiro da recuperação do país e do crescimento econômico, e querem garantir de alguma forma o seu quinhão. Macedo é dono de uma concessão de um canal de televisão, que precisa de verba do governo para manter o seu bom funcionamento. É uma equação de fácil resolução. Difícil vai ser ele conseguir nos enganar. Que Lula esteja atento a mais essa marmota evangélica. Tá repreendido!

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

O CARPINTEIRO GALILEU



Depois de tanto barulho e arruaças, para relaxar, uma pequena reflexão:

Não foi médico - e cura todas as enfermidades...

Não foi advogado - e explica os princípios básicos de toda lei...

Não foi escritor - e inspira as maiores obras da literatura mundial...

Não foi poeta nem músico - e é a alma de todos os poemas e de todas as músicas da vida...

Não foi orador - e é o intérprete de todos os corações...

Não foi literato - e escreveu no livro dos séculos a mais bela página...

Não foi artista - e enche de luz os gênios de todos os tempos...

Não foi estadista e fundou as mais sólidas instituições da sociedade...

Não foi general - e conquistou milhões de almas e países inteiros...

Não oi inventor - e inventou o elixir de perene felicidade...

Não foi descobridor - e descobriu aos mortais mundos encantados de imortalidade...

O carpinteiro galileu...

diáfano como um cristal - e misterioso como a noite...

Sublime como a excelsitudes de Deus - e amigo das misérias humanas...

Severo como um juiz - e carinhoso como uma mãe...

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

PASSOU...AGORA VAMOS HIGIENIZAR NOSSAS MENTES.




Autocorrosão: o rancor que lhe consome

Não é seu hábito divagar e viver ilusões, mas às vezes isto é extremamente benfazejo para a mente, e então diretamente salutar também ao corpo, organismo, metabolismo em geral. Todos sabemos, é muito bom ouvir boas músicas, ver bons filmes, apreciar as curiosidades e instigações da cultura, da arte em geral. Faz bem para a cabeça, por instantes esquecemos o peso material de nosso corpo.

Então que seja, se lance, sem medo, para alguns sempre há uma ponta de medo. Ao planejar viagem de carro com amigos imagina-se um acidente, a quebra da biela do sistema mecânico de sabe-se lá o quê. Pense positivo, o que não significa prescindir de precauções.

Pessimismo é autoalimentável, não vá querer imaginar que o carro ao qual você sairá de viagem no feriado prolongado com os melhores amigos, o seu carro, irá colidir de frente com uma vaca em plena luz do dia na divisa com Santa Catarina, e seu melhor amigo desde a infância, sentado no banco do copiloto, esqueceu-se de afivelar o cinto de segurança, bate a cabeça com força no para-brisa a ponto de um traumatismo craniano. Não dá, aí é pessimismo demais. Tudo envolve risco, todos nossos planejamentos nos trazem alguma pitada qualquer de receio, medo, precaução portanto.

"Por que não pensei antes em ir pra praia?". Você se pergunta. Ocorre que, quando estamos estressados, esgotados, o mundo às vezes se fecha, nossa visão periférica escurece, há uma ligeira paralisia, teimamos em não enxergar horizontes além, cenários bem menos anuviados. Muitas vezes teimamos e cismamos com a própria condição negativa, nos afundamos e nos prendemos a tal infeliz condição.

Tanto rancor, raiva, e sua vertente extrema: o ódio. Ódio cego: não há quem aguente, mesmo aqueles que vivem sob permanente tensão. Um vingador tomado de raiva, querendo retribuir à sociedade todo o mal que dela absorveu, um delinquente sempre nervoso, raivoso, estressado, sempre querendo o mal pois foi o mal que sofreu e aprendeu ao longo da infância e adolescência.

Ódio é autocorrosivo. Atesta-se. Também você bem sabe isto, nem precisa ficar sempre lembrando. Uma hora explode, uma bomba-relógio, há gente que está sempre pronta para a briga, abdômen rígido, cenho franzido, mandíbula apertada com os músculos acionados. Há gente que parece sempre odiar a quem não ame. Uma paixão, sentimentos opostos extremos, em geral a paixão é composta de dosagens de amor e ódio, daí crime passional.

Estes rancorosos que nunca aceitam o que lhes contradiga sempre sofrerão, mais e mais, acumularão rancor, mais e mais, raiva, ódio, mais e mais, e então se situarão a um passo ao ódio cego. Em consequência o colapso e a autocorrosão, o intenso sofrer.

Dar um tempo. Nem precisa ferir o orgulho, a honra, inventa-se algo, mente-se pra si próprio, um pouco só que seja. Assuma que está de prontidão para a batalha, mas por outro lado relaxa um pouco, deixa um pouco de lado a guarita, baixa a guarda, faz de conta que não será nenhuma infração militar, e que um comandante supremo generalíssimo ordenou expressamente que você assim aja, sem dar maiores explicações.

Ordenou-lhe: subordinado, deixe a guarita, baixe a guarda, alivie o peso do escudo em seu antebraço, desarme-se, feche os olhos e esqueça-se, entregue-se, também esqueça o mundo ao redor por um único dia, por breves momentos que sejam. Isto ou o colapso, isto ou a implosão.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

SERÁ, SOBRETUDO, UM ATO DE AMOR.



O voto tem poder! É por meio do voto que definimos o rumo do nosso país, mostramos que fazemos parte de uma nação democrática e que nos orgulhamos em exercer a cidadania em sua forma mais pura. Não há nada mais patriótico que votar. Mas o nosso voto deste domingo representará muito mais que o exercício do dever cívico. Será, sobretudo, um ato de amor.

Amor pelo próximo, pelos que passam fome, pelas minorias excluídas, pela Amazônia destruída, pelos desempregados, pelos trabalhadores em empregos precários, por aqueles que perderam um ente querido na pandemia. Amor pelo Brasil e os brasileiros.

No dia 30 de outubro, voltaremos às urnas para eleger o presidente que governará o Brasil pelos próximos quatro anos. Dois candidatos, com propostas bastante distintas, estão na disputa: o atual presidente, com um projeto de continuidade de destruição do Brasil; e o ex-presidente Lula, que traz como principal projeto de governo a reconstrução do Brasil como um país para todas e todos.

No primeiro turno, mais de 30 milhões de eleitores deixaram de votar, quase a mesma quantidade dos habitantes de países como o Canadá, a Polônia e o Peru. Isso significa que essas pessoas deixaram seu futuro nas mãos de outros cidadãos. Precisamos mudar esse cenário. Não é possível que dezenas de milhões de brasileiros não tenham compreensão do momento conturbado que o Brasil atravessa.

Não nos esmoreçamos. Domingo é dia de votar! Será rápido e simples. Como na maioria das unidades federativas terá apenas eleições presidenciais, tudo terá mais agilidade. Menos filas, menos santinhos espalhados pelas ruas, apenas o pirililili democrático do som da urna eletrônica. E o melhor de tudo é que quem não conseguiu ─ ou simplesmente não quis ─ votar no primeiro turno, ainda pode participar da festa da democracia neste 30 de outubro, desde que esteja em dia com a Justiça Eleitoral.

Quando falamos da importância do nosso voto, estamos falando de um forte instrumento de mudança política e social. Um instrumento de poder que eleva os cidadãos. Uma força suprema e independente, como destaca a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º, parágrafo único: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

E é com esse superpoder que derrotaremos o fascismo que já se encontra embrenhado em no nosso país, mas ainda com tempo de ser expurgado. 

Portanto, vote! Vote com o coração!

Vote para o Brasil ser feliz de novo!


terça-feira, 25 de outubro de 2022

ORÇAMENTO SECRETO UMA FÁBRICA DE CORUPÇÃO.




O maior esquema de corrupção institucionalizada da República foi criado por Bolsonaro em compadrio com o gangster alagoano, deputado Arthur Lira.

Esse instrumento de corrosão dos princípios constitucionais da Administração Pública desequilibra a independência entre os poderes e institui a promiscuidade.

1. Princípio da legalidade, é a obrigatoriedade dos agentes públicos de fazerem apenas o que está previsto na Lei.

2. Impessoalidade, é o que garante que a administração pública deva atender a todos os cidadãos de forma igual, sem interesse pessoal, sem privilégio ou discriminação, tendo por finalidade o bem comum. O artigo 5º da Constituição reza que “todos são iguais perante a lei”, e isso é alentado por este segundo e fundamental princípio.

3. Moralidade, é o que impõe ao administrador público os valores ético-jurídicos de retidão, portanto, não basta a legalidade, é necessário também a honestidade.

4. Publicidade, o quarto princípio é o que garante a transparência na administração pública. Obriga levar ao conhecimento do público, detentor do verdadeiro poder, todos os atos estatais, para que a sociedade possa exercer o controle sobre o Estado.

5. Eficiência, significa a obrigatoriedade de, em conformidade com a lei, fazer o uso dos recursos com eficácia, sem desperdício e com qualidade.

A violação desses princípios constitui ato de improbidade administrativa.

O orçamento secreto viola a Carta Magna, altera a independência e harmonia entre os três poderes, trinca o presidencialismo, e colocou nas mãos de duas pessoas, dois presidentes, um do Executivo e outro da Câmara Federal (também o do Senado), a gerência da nação.

Como a população vai cobrar do Executivo o cumprimento do orçamento se a função não é de sua inteira responsabilidade? Como cobrar de Legislativo a fiscalização do Executivo se o cumprimento do orçamento é de ambos? Como cobrar de ambos se não há transparência?

Como efeito dialético, o Judiciário é mais acionado, e acaba, muitas vezes, até mesmo sem provocação, a invadir a seara dos demais poderes, e amiúde ocorre a judicializado da política, vira uma balburdia institucional.

Essa inconstitucional inovação acaba com o balance line entre os poderes e com a arquitetura de pesos e contrapesos no exercício de suas funções primordiais.

O equilibro entre os poderes só é crível se cada um cumprir suas funções sem invadir a do outro, quando ocorre isso, advém a promiscuidade, o desequilíbrio, a desarmonia, e vai-se a independência entre eles.

Com o orçamento secreto, a gestão pública do Estado não é legal, honesta, moral, impessoal, transparente e eficiente, é típico da cosa nostra, é a contrafação institucionalizada.

Continuar com esse esbulho, o Brasil não terá mais democracia, será a ditadura da corrupção cleptocrata.

Essa batalha contra o orçamento secreto é de toda a sociedade e deve fazer parte de nossas bandeiras a ser levada nas manifestações de ruas e nas redes sociais.

Deixar por conta do novo governo e Congresso, é postergar a necessária e urgente moralidade pública, como mandamento constitucional. É deixar ao sabor único dos arranjos da nova correlação institucional, é permitir a drenagem do dinheiro público para benefícios de políticos fisiológicas e clientelistas.

Essa luta é nossa, não podemos esperar pelo próximo ano, é tarefa nossa, dos militantes da democracia, hastearem essa bandeira em cartazes, nos comícios, nas redes, pelo fim imediato do orçamento secreto, que drena dinheiro das rubricas da educação, da saúde, da assistência social, enfim, das políticas sociais, para uma espécie de “parlamentarismo do compadrio fisiológico”.

Foi esse orçamento secreto que irrigou os bolsonaristas e suas campanhas, sem isso, com certeza, muitos não teriam sido eleitos, até forasteiro em SP conseguiu ir para o segundo turno; idem no ES onde um representante da bala, que fez parte da Scuderia Le Coq (Esquadrão da morte), político sem expressão e cultura, conseguiu estar no segundo turno, com o risco do estado voltar a ser comandado pelo crime organizado.

O orçamento secreto corrompe os representantes do povo, altera o equilíbrio do triângulo equilátero da democracia institucional e será uma camisa de força para o governo Lula.

Para acabar com essa caverna dos ladrões da nação, temos que começar essa batalha já.

sábado, 22 de outubro de 2022

O AMOR VENCE SEMPRE TODO O TIPO DE ÓDIO.

 

Está em curso uma terceira guerra mundial “em pedaços”. Há uma luta de interesses em que todos se colocam contra todos. Nesta luta, vencer se torna sinônimo de destruir, inviabilizando o levantar a cabeça para reconhecer o vizinho, ou ficar ao lado de quem está caído à beira da estrada. E, assim, pela força do ódio, que vai tomando o lugar do amor, da gratidão e do bem, instaura-se uma insana batalha, onde se busca destruir, inescrupulosamente, até mesmo a reputação alheia. Equivocadamente, pensa-se que essa destruição pode significar uma “escada” para a autopromoção. Esse tipo de pensamento não é novidade e acompanha o ser humano em todos os tempos. Talvez, o que vem mudando sejam os instrumentos para atacar a moral do semelhante, especialmente em razão das facilidades oferecidas pelo campo tecnológico. Mas, ao se reconhecer que a busca pela destruição do próximo é problema histórico, constata-se: a humanidade é permanentemente chamada a protagonizar a fraternidade.

Para os cristãos, protagonizar a fraternidade é possível quando se reconhece a centralidade de Cristo Jesus, Mestre e Senhor, na vida e na história. Nessa centralidade reside o desafio de se respeitar diferenças, tornando-as sempre uma riqueza. Isto significa jamais seguir o caminho da destruição. Assim, quando se considera a sociedade contemporânea, a fé cristã, por sua força de correção, pode indicar caminhos e dinâmicas no processo de iluminação da cidadania e na organização política. Mas é preciso absoluto respeito aos princípios que permitam reconhecer a distinção entre o campo da política e a vivência da fé. Quando não há clareza sobre as fronteiras de cada campo, corre-se o risco de um desvirtuamento da fé, impedindo-a de ser o luzeiro que orienta direções, promove reconciliações e até a relativização de escolhas, especialmente daqueles que se apresentam como “donos da verdade”.

A fé não pode ser reduzida a instrumento para embates no campo político, pois a sua vivência autêntica dissipa a busca pela destruição do outro, reconfigurando discursos e escolhas. A fé cristã tem propriedades específicas com dinâmicas experienciais fortes, capazes de alertar sobre o perigo de semear o ódio, de convencer a respeito da honestidade, que faz parte da vocação de toda pessoa para promover a bondade, o bem comum e uma ordem social justa. . Perde-se a razoabilidade mínima, gera-se descrédito, pois disseminam-se afirmações e informações distantes da verdade, obscurecendo mentes e corações, para se alcançar propósitos a qualquer preço.

O ódio cega, traz justificativas para atitudes inconsequentes, até mesmo quando reputações e vidas estão em jogo. No caminho do ódio, torna-se perdedor não somente adversários e a sociedade, mas, também, aquele que investe na destruição, em nome de um êxito ilusório.  Um recurso fundamentado no ódio, que manipula e acirra a revolta. Um grave equívoco, pois a verdade sempre prevalece. O bem sempre vence o mal.

Quem se deixa inocular pelo veneno do ódio age em clara oposição à autenticidade da fé cristã. E pode-se correr o sério risco de não se perceber agente do desamor, quando, dentre outros aspectos, deixa-se escravizar pelo mundo obscuro do mercado, da idolatria do dinheiro e, até mesmo, de uma baixa autoestima. Ilusoriamente, tenta-se reagir, buscar reconhecimento, pisando nos outros, com mecanismos de desmoralização.

Oportuno é sempre se recordar de um princípio proclamado pelo apóstolo Paulo: a plenitude da lei é o amor. O amor que vence todo tipo de ódio. Na tarefa de impulsionar o bem comum, os cristãos, ao lado de dos homens e mulheres de boa vontade, por vocação e missão, devem sempre, e cada vez mais, protagonizar a fraternidade.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

DIABO OU SATÃ?

Nestes tempos de campanha política e presidencial não é raro um candidato satanizar seu adversário. Faz-se inclusive uma divisão esdrúxula entre quem é da parte de Deus e quem é da parte do Diabo ou de Satã.

Esse termo Satã (em hebraico) ou Diabo (em latim) ganhou muitos significados, positivos e negativos, ao longo da história. Isso ocorre em muitas religiões especialmente nas abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo.

No entanto, devemos dizer que ninguém sofreu tantas injustiças e foi tão “satanizado” como o próprio Satã. No inicio não foi assim. Por esta razão é importante fazer brevemente a história de Satã ou do Diabo.

Ele é contado entre os “filhos de Deus” como os demais anjos, como se diz no livro de Jó (1,6). Está na corte celeste. Portanto, é um ser de bondade. Não é a figura má que ganhará mais tarde. Mas recebeu de Deus uma tarefa inusitada e ingrata: deve pôr à prova as pessoas boas como Jó que é “um homem íntegro, reto, temente a Deus e afastado mal”(Jó 1,8). Deve submetê-lo a todo o tipo de provas para ver se, de fato, é aquilo que todos dizem dele:”não há outro igual na terra”(Jo 1,8). Como prova promovida por Satã, ele perde tudo, a família, os bens e os amigos.Mas não perde a fé.

Houve uma grande mutação a partir do século VI aC, quando os judeus viveram no cativeiro babilônico (587aC) na Pérsia. Lá se confrontaram com a doutrina de Zoroastro que estabelecia o confronto entre o “príncipe da luz”com o “príncipe das trevas”. Eles incorporaram esta visão dualista e maniqueísta. Deu-se origem ao Satã como da parte reino das trevas, o “grande acusador” ou “adversário” que induz os seres humanos a atos de maldade. Em seguida, produz-se o confronto entre Deus e Satã. Nos textos judaicos tardios, do século II as, especialmente no livro de Honoch, elabora-se a saga da revolta de anjos chefiados por Satã, agora chamado de Lúcifer, contra Deus. Narra-se a queda de Lucifer e cerca de um terço dos anjos que aderiram e acabaram expulsos do céu.

Surge então a questão: onde colocá-los se foram expulsos? Ai valeu-se da categoria do inferno: do fogo ardente e de todos os horrores,bem descritos por Dante Alighieri na segunda parte de sua Divina Comédia dedicada ao inferno.

No Primeiro Testamento (o Antigo) quase não se fala do diabo (cf.Cron 21,1;Samuel 24,1). No Segundo Testamento (Novo) aparece em alguns relatos”…serão lançados no fornalha de fogo; ali haverá choro e ranger de dentes”(Mt 8,12;13,42-50;Lc 13,27) ou na parábola do rico epulão e o pobre Lázaro (Lc 16,23-24) ou no Apocalipse (16,10-11).

Essa compreensão foi assumida pelos teólogos antigos, de modo especial por Santo Agostinho. Ele influenciou toda a tradição das Igrejas, a doutrina dos Papas e chegou até hoje.

A categoria do inferno e da condenação eterna foi determinante na conversão dos povos originários na América Latina e de outros lugares de missão, produzindo medo e pânico. Seus antepassados, dizia-se, pelo fato de não terem sido cristãos, estão no inferno. E argumentava-se que se eles não se convertessem e não se deixassem batizar conheceriam o mesmo destino.Isso está em todos os catecismos que foram logo após a conquista elaborados com os quais se pretendia converter astecas, incas, mais e outros. Foi o medo, outrora levou e ainda hoje,leva à conversão de multidões como o mostrou o grande historiador francês Jean Delumeau. É apelando ao Diabo, a Satã que hoje em tempos de ira e ódio social, se procura desqualificar o adversário, não raro, feito inimigo a ser desmoralizado e,eventualmente,liquidado.

Aqui devemos superar todo o fundamentalismo do texto bíblico. Não basta citar textos sobre o inferno, mesmo na boca de Jesus. Devemos saber interpretá-los para não cairmos em contradição com o conceito de Deus e mesmo destruir a boa-nova de Jesus,do Pai cheio de misericórdia, como o pai do filho pródigo que acolhe o filho perdido(Lc 15,11-23).

Em primeiro lugar o ser humano busca uma razão pelo mal no mundo. Tem grande dificuldade de assumir a sua própria responsabilidade. Então transfere-a ao Demônio ou aos demônios.

Em segunfo lugar, o significado dos demônios e do inferno dos horrores representam uma pedagogia do medo para, pelo medo, fazer as pessoas buscarem o caminho do bem. Demônio e inferno, portanto, são criações humanas, um espécie de pedagogia sinistra, como ainda mães fazem às crianças:”Se não se comportar direito, de noite,vem o lobo mau morder seu pé”. O ser humano pode ser o Satã da terra e da sociedade. Ele pode criar o “inferno”aos outros pelo ódio, pela opressão e pelos mecanismos de morte, como infelizmente está ocorrendo em nossa sociedade.

Em terceiro lugar, Satã ou o Diabo é uma criatura de Deus. Dizer que é uma criatura de Deus, significa que, em cada momento, Deus está criando e recriando esta criatura, mesmo no fogo do inferno.Pode Deus que é amor e bondade infinita se propor a isso? Bem diz o livro da Sabedoria:”Sim, tu amas todos os seres e nada detestas do que fizeste; se odiasses alguma coisa não a terias criado; e como poderia subsistir alguma coisa se não a quisesses…a todos poupas porque te pertencem, oh soberano amante da vida”(Sab 11,24-26). Não existe condenação eterna; ela é só para este mundo”.

Em quarto lugar, a grande mensagem de Jesus é a infinita misericórdia de Deus-Abba (paizinho querido) que ama a todos, também os “ingratos e maus” (Lc 6,35). A afirmação do castigo eterno no inferno destrói diretamente a boa-nova de Jesus.Um Deus castigador é incompatível com o Jesus histórico que anunciou a infinita amorosidade de Deus para com todos,também para com os pecadores. O salmo 103 já havia intuído isso:”O Senhor é compassivo e clemente, lento para a cólera e rico em misericórdia. Não está sempre acusando nem guarda rancor para sempre.Não nos trata segundo nossos pecados…como pai sente compaixão pelos seus filhos e filhas, assim o Senhor se compadecerá com os que o amam,porque ele conhece nossa natureza e se lembra de que somos pó…A misericórdia do Senhor é desde sempre para sempre”(103,8-17). Deus não pode nunca perder nenhuma criatura, por mais perversa que seja. Se ele a perdesse, mesmo que seja uma só, ele teria fracassado em seu amor. Ora, isso não pode acontecer.

A misericórdia sempre será maior que qualquer pecado e ninguém poderá pôr limites ao amor do Deus que perdoa”(Misericordiae vultus, 2)

Isso não significa que se entrará no céu de qualquer maneira. Todos passarão pelo juízo e pela clínica de Deus, para lá purificar-se, reconhecer seus pecados, aprender a amar e finalmente entrar no Reino da Trindade. É o purgatório que não é a ante-sala do inferno, mas a ante-sala do céu. Quem está lá se purificando já participa do mundo dos redimidos.

O inferno e os demônios e o principal deles, Satã, são projeções nossas da maldade que existe na história ou que nós mesmos produzimos e das quais não queremos nos resonsabilizar e as projetamos nestas figuras sinistras.

Temos que libertar-nos, finalmente, de tais projeções, para vivermos a alegria da mensagem de salvação universal de Jesus Cristo. Isso deslegitima toda satanização em qualquer situação, especialmente, em política e nas igrejas pentecostais que usam de forma totalmente exorbitante a figura do demônio e do inferno. Antes assusta os fiéis do que os conforta com o amor e a infinita misericórdia de Deus.

domingo, 16 de outubro de 2022

UMA RETAFINAL COM MUITA TENSÃO.

Bolsonaro está arruinando o país para comprar votos. Está chamando os seus fanáticos para constranger eleitores. Está prometendo ataques aos locais de votação para questionar os resultados. Mas ele depende da avaliação do MD para a operação visando a anulação do pleito. A pergunta é: que vai fazer o Alto Comando do exército? Esconder a dita avaliação? Endossar o questionamento dos resultados? Ou, como afirma o artigo da Folha, vai aceitá-lo?

Se a última pergunta for respondida positivamente, Bolsonaro não terá outra opção senão apelar para uma rebelião dos oficiais de nível médio contra os comandos maiores. Este apelo é pouco provável, pelos imensos riscos deste salto no escuro. Ele significa propor uma insurreição que pode levar à sua imediata prisão se os comandos de tropa se mantiverem na obediência devida à hierarquia militar. E se a rebelião tiver apoio, Bolsonaro vai gerar uma crise militar única na nossa história, com risco de uma guerra civil. O desfecho mais provável de uma posição republicana do Alto Comando é Bolsonaro aceitar a derrota e botar a viola no saco e ir comer pão com leite moça no seu condomínio na Barra da Tijuca. E rezar para que a enxurrada de processos pendentes contra ele não chegue a sua conclusão final, que o levaria a ir jogar gamão com Sérgio Cabral em um presidio do Rio de Janeiro.

Estamos diante de duas situações de alto risco. A primeira terá que ser enfrentada por cada um de nós, aceitando bravamente os perigos de ir votar enfrentando a máfia bolsonarista ameaçando-nos fisicamente. A segunda é a decisão do Alto Comando do exército, endossando os atentados bolsonaristas ou tirando o tapete do protoditador.

No interminável rol de riscos de última hora poderemos ver a repetição da jogada político-jurídica operada em Alagoas. A Polícia Federal, com o apoio do STJ, interveio na disputa eleitoral daquele pequeno estado para favorecer Bolsonaro e seus apoiadores locais, Artur Lira como emblema. Como parece estar dando certo, podemos esperar outras operações de mesmo tipo em outros estados, e a reação do STF, como sempre, será depois que os efeitos políticos da ação tenham dado seus resultados.

Tudo indica que estamos por decidir o futuro do país por uma margem muito estreita de votos. Isto é inacreditável para qualquer um que tenha dez mil réis de inteligência, mas este é mundo em que vivemos. O mal está mandando e o bem na defensiva. Lula é, gostemos dele ou não, o último baluarte contra a barbárie nas relações sociais e políticas. O nosso esforço, enquanto brasileiros conscientes, é tentar afastar as trevas que se avolumam e ganhar tempo para redefinirmos que país queremos para nós e nossos filhos e netos. Tempo para reencontrar um espaço de diálogo entre os divergentes. Tempo para encontrar racionalidade na busca de soluções para os nossos imensos problemas sociais, muito agravados pelos quatro anos de promoção da divisão, do ódio, da doença, da miséria e do horror.

As manifestações de rua aquecem os nossos corações, mas esta eleição vai ser decidida no voto dos amigos e parentes iludidos com o monte de mentiras disseminados pela máquina de propaganda de Bolsonaro. O esforço pela vitória da civilização contra a barbárie depende de cada um de nós, na busca de tentar entender as motivações de amigos e parentes que votam no fim do futuro, que se atiram voluntariamente no buraco da destruição.

Vamos sair da bolha e buscar os outros. Escolhamos o caminho da amizade, do amor, da compreensão. Aceitemos as diferenças para tentarmos superá-las. O tempo é curto e a emergência é fatal.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

A TARDIA DECEPÇÃO DOS EVANGÉLICOS: BOLSONARO NA MAÇONARIA.


Jair Bolsonaro, o candidato que se apresenta como o defensor da família e dos valões cristãos na sociedade brasileira, parece ter caído em desgraça com o povo de Deus. Tudo por causa de um vídeo antigo, provavelmente de 2018, quando ele estava se lançando como candidato à presidência, onde ele aparece discursando dentro de um templo da maçonaria. Observando a repercussão do vídeo nas redes sociais, principalmente, entre os seus apoiadores cristãos, percebe-se como a influência da religião é capaz de produzir raciocínios que colocam a sua doutrina acima do senso de humanidade das pessoas.

Durante a pandemia, enquanto milhares de pessoas morriam e outras tantas se desesperavam para se manterem vivas, Bolsonaro promoveu aglomerações, passeou de jet ski, andou à cavalo, reuniu selvagens para exibirem suas motocicletas, comeu picanha de 1.799 reais o quilo, enquanto o povo estava na fila do osso, fez piada com a falta de ar de quem estava morrendo de covid, disse que não era coveiro para enterrar os mortos, fez campanha contra o isolamento social, relutou em liberar o auxílio emergencial para a população, contrariou ciência e receitou cloroquina como tratamento precoce e deixou de comprar a vacina em tempo hábil para impedir que, no mínimo, umas 200 mil pessoas tivessem morrido. Sem falar nas incontáveis mentiras ditas por ele.

Apesar de ter se comportado como um verdadeiro anticristo, não só durante a pandemia, mas como em toda a sua vida pública, dando declarações racistas, homofóbicas, machistas, aporofóbicas e violentas, só agora, apenas por vê-lo participando de uma sessão maçônica, é que os evangélicos que sempre o apoiaram em tudo decidiram se decepcionar com ele. Como se o fato de ele ter entrado numa loja da maçonaria, fosse pior do que ele ter se comportado como um sujeito sem alma em toda a sua existência. A religiosidade cristã e suas incoerências. Eis um dos motivos que não me deixa enxergar com bons olhos a junção política e religião. Uma combinação que historicamente sempre produziu um mal cheiro dentro das sociedades.

O problema, pelo menos ao meu ver, não é Bolsonaro ter estado na maçonaria ou recebido o apoio da misteriosa ordem para se eleger presidente. O problema é Bolsonaro ser o que ele é. Desumano, desonesto, criminoso, nefasto, mentiroso, corrupto, preconceituoso e genocida. Porém, para muitos ditos cristãos, a hipocrisia do discurso vale mais do que o resultado das ações praticadas. Obviamente, precisamos lembrar que Bolsonaro, além de se declarar cristão, também costuma se apresentar como o único presidente em toda a história do país que fala de Deus. Afirmações estas que não permitiriam que ele se associasse à maçonaria, uma vez que a igreja a qual ele diz pertencer condena tal prática. Fato, é que Jair agora está sendo demonizado por muitos que o adoravam e o tinham como o salvador da pátria. Uma decepção tardia e distópica, característica de pessoas que vivem uma realidade paralela produzida pela alienante ”verdade” religiosa.

Assim como Al Capone, Bolsonaro pode acabar pagando por todos os seus terríveis erros e crimes hediondos, sendo condenado e execrado publicamente pelo menos letal deles todos. A sua falsidade religiosa. Para a maioria da população que votou em Lula no primeiro turno, por entender que já chega desse faz de conta político, social, religioso e humano, tanto faz se Bolsonaro será punido pelas mortes que ajudou a produzir durante a pandemia ou por ter sido desmascarado como um dos falsos profetas previstos na Bíblia. O importante é que ele desapareça, se escafeda, suma do mapa. Seja derrotado nas urnas no segundo turno ou queimado vivo na fogueira da santa hipocrisia cristã.





Ricardo Nêggo Tom

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

DESCULPEM, MAS DA PARA GANHAR - (Texto para refletir)


1. O RESULTADO DAS ELEIÇÕES deste 2 de outubro é impactante em vários aspectos. O primeiro e mais evidente é o da falha gritante das pesquisas: elas não captaram a força do bolsonarismo e de seus agregados na sociedade brasileira.


2. O BRASIL É MUITO MAIS CONSERVADOR do que supunha nossa vã filosofia. Para qualquer um, que se paute por um pensamento democrático e progressista, é chocante ver gente como Hamilton Mourão, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Ricardo Salles, Mario Frias, Damares Alves, Magno Malta e semelhantes serem consagrados pelo voto popular. Temos aqui o enraizamento social da extrema-direita após os quase 700 mil mortos da pandemia, os 33 milhões com fome, a apologia das armas e de tudo o mais. O fascismo não nos é mais um corpo estranho; foi naturalizado. Ao mesmo tempo, esse é o país que gera o fenômeno Boulos, que trafega em sentido contrário, com um milhão de votos.

3. ENTENDER COMO e porque isso acontece é tarefa dura e longa. Interessa saber como essa brutalização da vida social se torna atraente para milhões de pessoas.

4. SOMOS UM PAÍS TREMENDAMENTE DESIGUAL, com a maioria dos trabalhadores fora do mercado formal, sem direitos trabalhistas (ou de cidadania), mal formados (pela exclusão educacional proporcionada pela precariedade da escola pública), mal informados (por redes sociais e por uma mídia que não está aí para isso), sem tempo para o lazer, brutalizada pela dura batalha do dia a dia e sem perspectiva de futuro. Somos, além disso, uma coletividade fragmentada, marcada por um individualismo atroz, na qual há raros incentivos para que se estabeleçam laços de solidariedade.

5. SOMOS, ENFIM, UMA SOCIEDADE em que o lumpesinato tem enorme peso em sua composição e em que o favor, o compadrio e o ódio são manifestações usuais nas relações humanas. Esse estilhaçamento comunitário, potencializado pelo desmonte do mundo do trabalho ao longo de quatro décadas de neoliberalismo nos torna sensíveis a um tipo de liderança salvacionista e inorgânica – uma espécie de neopopulismo – , capaz de direcionar vontades e de transformar a raiva social em força política. Esse é o resumo do resumo do caldo de cultura que possibilita a ascensão do bolsonarismo. E isso nós – alinhados a um pensamento democrático e progressista – ainda não conhecemos totalmente.

6. QUE SOCIEDADE É ESSA cujas vontades não são captadas pelas sondagens de vários institutos? Ou melhor, que pesquisas são essas que não conseguem apreender e tabular preferências imediatas? Como é possível que siga se repetindo o fenômeno notado na eleição do Rio de Janeiro de 2018, que possibilitou a um desconhecido até a última semana de campanha se tornasse governador? A situação se generaliza, com o quadro paulista, que inverte a folgada dianteira aferida em favor de Fernando Haddad em sua disputa com Tarcísio de Freitas a poucos dias da votação.

7. O BOLSONARISMO OCULTO – ou envergonhado – é fenômeno que desafia as estatísticas. Ao lado da arrogância dos que exibem armas na cintura estão aqueles que sentem vergonha de se declararem eleitores de Bolsonaro fora da solidão da urna. Por que isso acontece?

8. EM SITUAÇÕES NORMAIS – ou seja, num estudo acadêmico e fora das eleições – tais constatações podem gerar copiosas teses de doutorado. Aqui se trata de avaliar resultados das urnas com um propósito definido: ganhar no segundo turno.

9. SE ERRARAM EM BOA PARTE das disputas estaduais, as pesquisas acertaram em cheio a votação nacional de Lula. Os prognósticos davam entre 47% e 51% de votos ao ex-presidente. Ele terminou o enfrentamento com 48,43% dos válidos. Faltou 1,57% dos sufrágios para uma vitória perfeitamente possível em primeiro turno! O equívoco das pesquisas ficou no segundo colocado. Segundo os institutos, Bolsonaro teria entre 37% e 41%. Ele terminou com 43,2%, ou 5,23% atrás do ex-presidente. Em números redondos, quase 6,2 milhões de votos atrás.

10. O SEGUNDO TURNO É UMA NOVA ELEIÇÃO. A vantagem aberta por Lula o coloca de saída em condição de vantagem. A soma do eleitorado de Ciro e de Simone Tebet totaliza 7,2%. É uma incógnita saber para onde penderão esses quase 7,6 milhões de eleitores, decisivos para o resultado final. Na hipótese – agora fluida – das pesquisas – todas - estarem corretas, Lula derrota Bolsonaro.

11. EXAMINANDO OS APOIOS ESTADUAIS, a vantagem se inverte. Apoiadores de Bolsonaro ganharam em 9 estados no primeiro turno (AC, DF, GO, MG, MT, PR, RJ, RO e TO), que somam 49.115.309 eleitores. Partidários de Lula levaram em 6 (AP, CE, MA, PA, PI, RN), onde vivem 23.592.589 eleitores. A comparação mostra que o bolsonarismo não é fenômeno dos grotões. Em 12 estados a contenda se resolverá na segunda volta (AL, AM, BA, ES, MS, PA, PE, SC, SE, SP, RO, e RS). Nesse último grupo haverá campanha acirrada dos presidenciáveis com os candidatos locais. Não se sabe como se comportarão os demais, onde o placar local está decidido.

12. A LUTA SERÁ DURÍSSIMA. É possível Lula ganhar no dia 30. Para isso, a campanha bem que poderia mudar de tom.

13. A PRIMEIRA COISA SERIA ABOLIR o passado e o salto alto nos discursos. Chega de “No meu governo o povo tinha isso e mais aquilo”. O que passou, passou e agora é hora de se dizer claramente o que será feito. Vai ter comida para todo mundo? Se tiver, vai ser barata? Vai ter emprego? Com salário de quanto? A gasolina ficará com o preço baixo? Minhas dívidas vão ser resolvidas? Vai ter saúde? Como resolver? Não é o eleitor quem tem de responder, mas a campanha.

14. TEREMOS UMA CAMPANHA COM COMÍCIOS que se parecem com shows do Rock in Rio, nos quais a plateia assiste, se deleita e vai para casa? Ou haverá um mínimo de chamamento à mobilização? Vai ter material? Anunciaram lá atrás um comitê voltado para essas coisas. Vai ter? A campanha de TV sairá do pieguismo brega do início, ou manterá o tom de combate dos últimos dias? Vão ficar repetindo feito matracas que Bolsonaro tem 51 imóveis comprados com dinheiro vivo ou uma equipe de reportagem irá atrás de pelo menos dois ou três e mostrará o valor, onde ficam, se são de luxo ou não? Ou seja, ficarão na conversa ou farão como a Globo agiu no caso do sítio de Atibaia, atribuído a Lula? Ali mostraram dos pedalinhos às torres dos cabos de internet, passando pelo laguinho doméstico. A campanha será concreta ou doutrinária?

15. ACIMA DE TUDO, é preciso termos uma jornada empolgante, que convoque as pessoas à luta por mais votos. Lambamos as feridas deste fim de semana para a batalha que se aproxima. Será dura, mas valerá a pena.

(Texto do Maringoni, para refletir)

terça-feira, 27 de setembro de 2022

TEM QUE SER NO PRIMEIRO TURNO.



Que Lula é o candidato mais preparado para fazer o Brasil feliz de novo, não há dúvidas. E isso tem sido comprovado dia após dia. Todas as pesquisas de intenção de votos têm mostrado que o povo brasileiro sabe muito bem em quem votar para ter de volta os anos de ouro vividos nas gestões dos governos do PT.

Só que, mais que trazer a esperança de novo, Lula tem representado também um suspiro à democracia, que tem estado em constante ameaça sob o governo Bolsonaro. Há pouco mais de uma semana para as eleições e com Lula crescendo, os ataques ao estado democrático de direitos se intensificaram de forma significativa.

Agora, além de colocar em dúvida a segurança das urnas eletrônicas, Bolsonaro tem contestado também as pesquisas eleitorais que o mostram em segundo lugar e sem chances reais de reeleição, seja no primeiro ou segundo turno. Isso, atrelado ao seu apreço pelo regime ditatorial que pendurou no país por 21 anos, traz um alerta de que o capitão reformado e seus apoiadores podem não aceitar pacificamente os resultados das urnas.

Neste sentido, em uma tentativa de pôr fim a qualquer tentativa de golpe, Lula recebeu o apoio de oito ex-candidatos à Presidência dos mais diversos campos políticos ─ inclusive, candidatos que, outrora, foram seus opositores políticos. A ideia é formar uma frente ampla para derrotar, logo no primeiro turno, o governo genocida de Bolsonaro. As diferenças de ideias permanecem, mas há algo muito maior que os une: a defesa da democracia.


A iniciativa foi vista como um importante passo para vitória e comprovou que Lula é um dos maiores políticos da história do Brasil, com capacidade de dialogar até mesmo com opositores, algo impensável para Bolsonaro.

Prova de tal capacidade de diálogo, típico de governos democráticos, foi a escolha do seu vice. Quando muitos esperavam que fosse escolhido alguém do campo progressista, Lula foi lá e optou por formar chapa com Alckmin, com quem concorreu na disputa majoritária em 2006, e o teria repetido em 2018, se não fosse impedido de se candidatar.

Agora, em mais um ato de grandeza, Lula soube costurar conversas com oito ex-candidatos. No encontro que reuniu os ex-presidenciáveis, todos ressaltaram a importância e a urgência em derrotar o projeto fascista de Bolsonaro, além da competência de Lula para colocar o Brasil nos eixos.

A imagem de políticos tão distintos sentados à mesa foi divulgada amplamente pelos veículos de comunicação. Mais que demonstrar a união por um projeto popular, reforçou o que temos denunciado há anos. Bolsonaro é um líder da extrema direita, incapaz de dialogar com quem quer que ouse contrariar seus desejos. É mesquinho, pequeno para o cargo que ocupa, e com um projeto de governo que não é voltado para o povo.

E essa mesma avidez que une ex-adversários tem chegado aos eleitores e, nos últimos dias, impulsionado a onda do chamado voto útil ─ que é quando o cidadão deixa de votar no seu candidato preferencial para depositar voto naquele que possui mais chances de vencer o pleito e derrotar um mal em comum.

Artistas dos mais diversos segmentos também têm fortalecido a ação. Precisa ser no primeiro turno! Quanto menores as chances de Bolsonaro ser reeleito, melhor.

Os Comitês Populares de Luta, espalhados pelo Brasil ─ um pedido de Lula para ampliar o dialogo com a população ─, também têm feito seu papel nas ruas. A mesma tarefa tem sido desempenhada com maestria pelos sindicatos e movimentos sociais. Há um consenso entre todos os campos democráticos que esse pleito não é igual aos anteriores. Já não é mais sobre a disputa de poder. É sobre a ampliação dos direitos, o fim da fome e sobre a manutenção da democracia, tão duramente atacada.

O mal precisa ser derrotado – e o será - no primeiro turno!