domingo, 31 de maio de 2020

TO NEM AI!

Você se acha mais evoluído? Tô nem aí! | Papo de Primata

A que ponto chegamos. Em meio a uma praga que diariamente fulmina milhares de vidas mundo afora, lemos, ouvimos, assistimos até pelo confinamento compulsório, supostos luminares preocupados com o que virá depois.

Uma pergunta: e o que está acontecendo agora?

É impressionante ver “especialistas” contabilizarem mortos “inevitáveis”. Chegou-se ao cúmulo de uma assessora de Bolsonaro, Solange Vieira, registrar que os óbitos de agora são velhos em sua maioria e aliviam as contas da Previdência.Assim informam os noticiários, embora ela agora tente desesperadamente desmentir.

Justiça seja feita, não se trata apenas do Brasil. Na maioria dos países dominados pelo grande capital, a grande preocupação é com o fim dos isolamentos, das quarentenas, com a reabertura do comércio, a reativação da indústria e a “retomada da economia”.

Mortos? E daí? To nem aí?

Detalhe: briga entre Moro e Bolsonaro, ambos walking deads, rusgas com o Supremo, Congresso, embates com governadores, claro, têm sua importância. Mas o que o povo quer e precisa saber é o seguinte:

Cadê o auxílio miserável de R$ 600 que 1 em cada três brasileiros ainda não recebeu? Cadê os testes? Cadê os leitos de UTI? Cadê os respiradores? Cadê a esperança? Cadê?

Tantas perguntas sem respostas criam fogueiras de angústia e desassossego: Quem vai morrer amanhã? Qual parente ou amigo vou ver num caixão à distância? E quando for comigo? Com as pessoas que amo?
É uma vergonha.

Poucos dos endinheirados se importam com as mortes que se acumulam HOJE. Em plena avenida Brasil, em São Paulo, o drive thru do chiquérrimo Laboratório Fleury tem fila de carros de luxo na porta. Dentro deles, pessoas que fazem os testes para Covid-19: R$ 450 para saber se você está com o vírus agora; R$ 420 para saber se você já foi contaminado e, portanto, tem anticorpos para a doença. Total: R$ 970 por cabeça. Enquanto isso, os pobres morrem sufocados, afogando-se no seco, sem nem ao menos terem confirmada a causa de tanto sofrimento. É por essas que a doença hoje está matando o povo mais carente na imensa maioria dos casos.

Porta-vozes dos tubarões do 1% mais rico da população nem enrubescem ao afirmar que, não fossem as favelas, a situação já estaria sob controle (Guilherme Benchimol, sócio do Itaú, criador da XP investimentos, o caça níqueis dos incautos, milionários lavadores de dinheiro e que tem como garoto propaganda gente como Luciano Huck).

Sei que prego no deserto dominado pela mídia oficial e seus comparsas. Mas a verdade tem que ser dita.
Os bilhões e bilhões de dólares nas mãos de uns poucos seriam mais do que suficientes para socorrer os milhões que hoje estão à míngua, sem direito a um tratamento digno.

Tem mais: a tecnologia high tech, capaz de tantas proezas, certamente tem condições de encontrar em tempo recorde uma vacina contra um vírus que não passa de uma sequência de outros que já surgiram.

Mas não. O que se observa é uma disputa entre laboratórios farmacêuticos poderosos para ver quem chega primeiro a um remédio ou a uma vacina eficaz para, assim, disparar nas bolsas de valores. Pura especulação. Não há colaboração entre cientistas de ponta. Tampouco os grandes conglomerados multinacionais sentem-se obrigados a reorientar sua produção para equipamentos voltados a salvar as milhares de vida perdidas diariamente. Estão mais preocupados em demitir e cortar salários sob o argumento de que “a economia parou”.
Agora, virou moda falar em “novo normal”. Uma estupidez à altura dos cínicos que engordam seus cofres à custa das vidas dos mais pobres e do sucateamento dos sistemas públicos de saúde promovido pelo neo-liberalismo atroz.

O que precisamos é inaugurar um tempo em que a solidariedade e o respeito aos desvalidos falem mais alto que a ganância desmedida imposta pelo capitalismo imperialista.

sábado, 30 de maio de 2020

UMA VISÃO ENTRE O PODER E JESUS

O PODER DA IMAGEM PESSOAL - Mariana Nardi


Jesus trata a questão do poder em Lucas 22, versículo 24. Entre os discípulos discutiu-se quem seria o mais importante.

Como a questão é atual! Nos apegamos a qualquer funçãozinha, a ponto de nos despersonalizar! Há quem assuma uma função de poder – político, síndico de prédio, gerente do banco, diretor de ONG – e apenas por ocupá-la se despersonaliza. Passa a considerar a função que o reveste mais importante que a própria individualidade. E morre de medo de perder o cargo.

Disse Jesus aos discípulos: “Os reis das nações têm poder sobre elas, e os que sobre elas exercem autoridade são chamados ‘benfeitores’. Entre vocês não deverá ser assim; pelo contrário, o maior seja como o mais novo, e quem governa, como aquele que serve.” Eis o desafio da ética do poder: fazê-lo serviço. Sentir-se no poder como o menor, como quem serve.

Em João 13, versículo 4, Jesus lava os pés dos discípulos. Chegou a vez de Pedro: “Senhor, vai lavar os meus pés?”. Jesus respondeu: “Agora você não sabe o que faço, ficará sabendo mais tarde”. Pedro reagiu: “Não permito que lave os meus pés”. Jesus retrucou: “Se eu não lavar, você não terá parte comigo!”. Simão acedeu: “Então, Senhor, pode lavar, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça”.

Jesus se colocou no lugar do servo, daquele que se abaixa e não se envergonha de servir ao próximo.

Segundo Mateus 16, versículo 13, em Cesárea de Filipe, Jesus perguntou aos discípulos: “O que diz o povo sobre o Filho do Homem?” Quem detém poder – na escola, empresa ou igreja – tem coragem de perguntar aos parceiros: “O que falam de mim?” Possivelmente não; imagina que as pessoas falam dela o que gostaria de ouvir. E morre de medo de saber de fato o que comentam.

Jesus quis saber a opinião das bases sobre ele. Os discípulos responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros ainda, Jeremias ou algum profeta”. E Jesus replicou: “E para vocês, quem sou?”

Quem de nós é capaz de perguntar às pessoas com quem convivemos e trabalhamos: “O que pensam de mim? O que acham do meu desempenho?” É muito difícil aceitar críticas. Em geral, ao deter parcela de poder, ficamos arrogantes, prepotentes, e humilhamos os subalternos.

Na parábola do Bom Samaritano, capítulo 10 de Lucas, o doutor da lei – portanto, um teólogo – perguntou: “Mestre, o que fazer para alcançar a vida eterna?” Nos quatro evangelhos nunca esta pergunta sai da boca de um pobre. Toda vez que se pergunta a Jesus “o que fazer para ganhar a vida eterna”, com certeza é alguém que já ganhou a vida terrena e quer saber como investir na poupança celestial... É a pergunta de Nicodemos, do homem rico e de Zaqueu.

Nunca um pobre pergunta a Jesus “como ganhar a vida eterna”. A pergunta dele é outra: “Senhor, o que fazer para ter vida nesta vida? Minha mão está seca e preciso trabalhar; meu olho está cego e anseio por enxergar; minha filha está doente e desejo vê-la curada; meu irmão está morto e quero-o vivo”. Os pobres pedem vida nesta vida. Aos primeiros, os abastados, Jesus responde com ironia e irritação. Aos pobres, com compaixão e misericórdia.

O doutor da lei perguntou a Jesus: “Quem é o meu próximo?” Então a conversa mudou de figura. Jesus não raciocinava em categorias abstratas. O próximo, para ele, era um ser datado, localizado: “Um homem descia de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos assaltantes, que lhe arrancaram tudo e o espancaram. Depois foram embora e o deixaram quase morto.” Era tempo de festa em Jerusalém. Quem vendia produtos em Jerusalém descia para Jericó com o bolso cheio de moedas. Possivelmente, os ladrões ficaram irritados porque aquele homem quase não tinha dinheiro. Então deram-lhe uma surra.

Jesus não fez nenhuma crítica aos assaltantes, mas observou que um sacerdote, que descia pelo mesmo caminho, viu o homem caído e seguiu em frente. Depois, desceu um levita; também passou indiferente. Ora, podemos supor que o sacerdote e o levita não acudiram por má vontade. Tinham que participar de um ato religioso das 6 em Jericó e, para não se atrasar, deixaram de socorrer o homem… Mas, no ato religioso, incluíram a vítima caída na beira da estrada nas Orações dos Fiéis…

Jesus só levou em conta a ética do samaritano. Este não conhecia o homem, não tinha nada a ver com ele, mas diante de um oprimido, um caído, um explorado, mudou o rumo do seu caminho para socorrê-lo.

Ética é isso! Não é fazer o bem apenas a quem encontro em meu caminho. É ser capaz de mudar o rumo na direção dos mais necessitados. Conversão não é questão de sentimento, e sim de sentido - quem caminha pela indiferença tome agora o rumo da solidariedade.

Esta a atitude que o Evangelho exige: fazer do poder, qualquer forma de poder, serviço, de modo a trazer vida para todos, e vida em plenitude.

Estamos trazendo mais vida, ajudamos a reduzir a desigualdade social e os desequilíbrios ambientais? Não basta eleger, precisamos nos convencer de que temos o poder. Os políticos são nossos empregados, pagamos os salários deles e, por isso, temos o dever e o direito de exigir que prestem contas.

Governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão! Há que fazer os políticos governarem para o povo. Isso significa reforçar o empoderamento popular, fortalecer os movimentos sociais, criar uma nova institucionalidade política, na qual o exercício da democracia seja substancialmente ético. Como afirma Levinas, a política deve ser sempre controlada e criticada a partir da ética. E esta deve ter como paradigma os direitos dos pobres.

COMO MELHORAR A SUA QUARENTENA.


Efeito inesperado! Quarentena do coronavírus reduz atividade ...

Não é que não existam boas notícias; é que, quando o que se planta é negação e hesitação, não há vitória. Há pequenos alívios, sim. Mas mais de mil brasileiros morrem por dia e nada indica mudança na condução da batalha. Se estamos vivendo apenas sob cuidados paliativos, toda notícia positiva será pontual.

É o que temos hoje, e pior sem elas. Até o dramático isolamento social - que ainda não mantém os índices necessários se arrasta longamente sem aperto nem afrouxo - pode se beneficiar desses ajustes. Pesquisadores vinculados ao Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) desenvolveram um modelo para ajudar prefeituras interessadas a criar um sistema de quarentenas alternadas em cidades próximas, criando um protocolo descentralizado. Para proteger sistema de saúde e economia, modelo ajuda a planejar isolamento intermitente, indicando momentos em que cada cidade poderia ter mais ou menos restrições.

Casa onde ficar

Considerando o momento atual, os senadores aprovaram dia (19) a flexibilização de nove pontos do direito civil e do consumidor. O relatório garante que ações de despejo protocoladas a partir de 20 de março fiquem proibidas até 30 de outubro deste ano.

Em São Paulo, o Ministério Público de São Paulo acolheu uma representação feita por representantes da população sem-teto como Guilherme Boulos e padre Júlio Lancelotti pedindo o uso da rede hoteleira e prédios municipais ociosos da capital como abrigo durante a pandemia. O MP recomendou ao prefeito Bruno Covas (PSDB) a adoção dessas medidas para a criação de 8 mil vagas de acolhimento de pessoas em situação de rua durante a pandemia. Medidas similares já são usadas em outras cidades. A Prefeitura tinha lançado edital para acolher idosos em situação de rua em 500 vagas da rede hoteleira, mas a contratação de hotéis foi adiada, além de ser considerada "insuficiente" pelo MP, diante das 25 mil pessoas vivendo nas ruas de São Paulo atualmente.

Psicoterapia pontual

A discussão sobre cuidados de saúde mental durante a pandemia tem sido uma constante. Não é preciso esperar chegar ao extremo ou ter provas físicas de que algo não vai bem para iniciar o cuidado, muito menos esperar o "tsunami psiquiátrico". Uma reportagem de Viva Bem mostra casos de gente que usou recursos simples, como um aplicativo gratuito, para ficar melhor.

O Ministério da Saúde também lançou serviço de atendimento psicológico para profissionais que atuam na linha de frente do combate à pandemia do coronavírus terem consultas a distância. O projeto, que havia sido iniciado em abril, só começou a funcionar de fato esta semana. Pelo telefone 0800-644-6543, profissionais da saúde terão acesso a teleconsultas psicológicas e psiquiátricas.Sono melhor

Estudos realizados em situações de confinamento mostram que algumas ações diárias podem ajudar a manter o padrão de sono. Há algumas estratégias que podem ajudar a melhorar qualidade do sono durante a quarentena. A equipe do Laboratório do Sono do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP), junto à Associação Brasileira do Sono, elaborou uma lista de recomendações e orientações sobre rotinas do dia e da noite, que pode ser consultada.

Indígenas na pandemia

A agente de saúde Suzane da Silva Pereira, 20, da etnia kokama, foi a primeira indígena a ser diagnosticada com o novo coronavírus no Brasil. Após 25 dias de quarentena, ela voltou ao trabalho nas últimas semanas, na floresta amazônica, para ajudar sua comunidade. Conheça a história dela.
Na sexta (22), o programa "Diálogos na USP" discutiu a situação dos povos indígenas na pandemia. O programa volta a ser apresentado ao vivo pelo Canal USP, e vai tratar de problemas crônicos nas comunidades indígenas, agora, agravados pela Covid-19.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

CIÊNCIA E RELIGIÃO.

A ciência e a religião são compatíveis?


O caos que se apossou do Brasil com a chegada do coronavírus apresenta várias dimensões: sanitária, política, ideológica, econômica. No entanto, há igualmente uma outra dimensão, que eu chamaria aqui de caos do discurso pseudocientífico – em boa parte artificialmente produzido.

Enquanto os cientistas – médicos, pesquisadores, sanitaristas, técnicos em saúde –explicam à população como se porta a doença, quais as medidas necessárias para combatê-la, outras vozes parecem interferir no processo dessa comunicação adotando uma linguagem que instaura a confusão.

A ciência é um dos motores do desenvolvimento da humanidade e da vida. Seu progresso tem sido responsável por grandes melhorias na vida humana, sobretudo no decurso do último século, ainda que os frutos desse progresso não tenham sido repartidos equitativamente pelo mundo. Por outro lado, o mau uso que muitas vezes é feito dos conhecimentos científicos foi, no mesmo século passado, causa das piores provações pelas quais a humanidade teve que passar. Por isso, ainda que o progresso da ciência que a racionalidade moderna possibilitou seja altamente positivo; ainda que se considere correta a afirmação de que a ciência é o motor do desenvolvimento em todas as frentes; os esforços feitos por muitos países e regiões do globo no domínio científico ainda permanecem muito aquém de um mínimo julgado desejável. E boa parte das razões para tal é a manipulação que interesses econômicos, políticos e ideológicos fazem contra a objetividade e a excelência que deve caracterizar toda ciência.

No momento em que explodiu a pandemia viral, a ciência – a medicina, a biologia, a infectologia e todas as áreas científicas que tratam da vida – ocuparam a linha de frente das atenções. Buscaram-se orientações, explicações, argumentos lógicos que ajudassem a administrar a tragédia que vivíamos.

Por outro lado, competições ideológicas e embates políticos, muitas vezes se atravessaram no caminho do trabalho científico. E isso aconteceu por diversas formas: seja a do obscurantismo, que ataca retoricamente a liberdade de pesquisa científica, seja com políticas públicas retrógradas que cortam verbas e esvaziam institutos e laboratórios de pesquisa. Em um momento em que a crise ecológica atinge proporções nunca antes vistas, os impactos climáticos são minimizados, e os alertas emitidos pela comunidade científica desprezados como se não fossem evidências objetivas e sim opiniões casuais e não fundamentadas.

Com o Covid-19 a ciência voltou a ocupar seu papel de baluarte da verdade objetiva e verificável. Tornou-se um refúgio firme para uma sociedade assustada e vulnerabilizada pelo avanço descontrolado da doença e a subida dos números de vítimas fatais. A ciência é, hoje, a linha de frente no combate à pandemia. Fornece à população números, informações, percentagens que permitem ter um quadro do que se passa. E podem ser vistos ao mesmo tempo inúmeros laboratórios empenhados em encontrar remédios que tratem a doença causada pelo vírus, sequenciando o genoma do vírus em tempo recorde, buscando pelos caminhos da pesquisa apaixonada e responsável uma vacina.

Há, no entanto, tentativas de travar esse trabalho, muitas delas invocando o nome de Deus. Contestam-se os dados fornecidos pela ciência, contradizem-se informações precisas e objetivas e se dão orientações conflitantes à população. Afirma-se que Deus salvará a todos do vírus, que o que os cientistas dizem é um exagero, e que o que há que fazer é orar porque Deus nos salvará do vírus.

Desde sempre, em todas as religiões, mas muito concretamente nas religiões monoteístas e mais especificamente no judeu-cristianismo, Deus não se imiscui nos negócios humanos para interferir na ação da própria humanidade na resolução de seus problemas. O Espírito de Deus inspira, anima, orienta, consola, mas não toma as ferramentas das mãos da humanidade para resolver, em um passe de mágica, as dores e os problemas que essa própria humanidade está passando.

Toda tentativa ao longo da história de converter Deus em árbitro da ciência, impedindo-a de avançar, já foi suficientemente desmascarada e situada em seu devido lugar: é falsidade e embuste. Assim, governantes despóticos e irresponsáveis que buscam desautorizar os cientistas que dizem a verdade em meio a um momento grave como o que estamos vivendo terão que responder diante do tribunal da história. E também diante do tribunal divino, que fará cair os véus, desvelando suas tentativas de vendar os olhos do povo com ilusões e falácias, na sua mais atualizada forma: as fake news.

Em meio à pandemia, a comunidade científica tem construído uma rede sólida de informações, colocando a ciência na vanguarda das políticas de combate à pandemia. Assim, se pode combater o obscurantismo institucionalmente, usando de transparência e honestidade, atualizando constantemente as medidas adotadas e procurando adequar as condições da saúde às reais necessidades decorrentes da própria pandemia. E a fé não pode estar ausente dessa rede e desse diálogo.

Falar de Deus em tempos de coronavírus implica dialogar com a ciência e deixar-lhe plena autonomia no campo e competência que lhe é própria. Não misturar epistemologias ou querer tratar o que releva do campo do biológico com instrumentos falsamente espirituais que matam em vez de curar e alimentam políticas genocidas, empurrando as pessoas para o contágio e muito provavelmente para a morte.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

É PRECISO CUIDAR E TUDO E DE TODOS

cuidar de todos cardiologista - lapinga

No horizonte da Carta "Laudato Si’ está a adoção inteligente e imediata dos parâmetros da ecologia integral, com suas dinâmicas que podem garantir dois bens fundamentais, procurados a todo custo: alegria e autenticidade. Uma alegria que dura e sem a qual não se consegue viver adequadamente. Sem essa alegria, a vida perde sentido, torna-se dolorosamente pesada. Já a autenticidade, outro bem necessário, refere-se à capacidade bonita de se exercer a liberdade sem jamais perder o horizonte da própria identidade. A autenticidade gera razões e iluminações condizentes com o grande dom da vida. O ponto de partida inteligente para alcançar alegria e autenticidade parece ingênuo e, por isso, é irracionalmente desconsiderado: dedicar amorosa reverência aos mais pobres da Terra e atenção particular à Criação de Deus.

Esse olhar sensível dedicado à Criação e aos pobres faz abrir o coração, leva à alma valores nobres, cultiva na interioridade humana bons sentimentos e modula cada gesto na dinâmica inigualável da solidariedade. Quando o ser humano verdadeiramente dedica atenção à Criação e aos pobres consegue perceber prioridades que são indissociáveis: a busca pela paz interior, o respeito à natureza e a consciência do dever de trabalhar na edificação de uma sociedade justa e fraterna, com a defesa dos mais pobres. Essas prioridades precisam nortear a conduta social, política, econômica, religiosa, cultural e cidadã. A paz interior, que todos buscam, exige a vivência das lições de uma ecologia integral, para livrar o ser humano do domínio das idolatrias do lucro e do dinheiro, da indiferença ante os clamores dos empobrecidos. Esse domínio do lucro e da indiferença é raiz do uso desenfreado, extrativista e criminoso dos bens da Casa Comum, da adesão à lógica dos privilegiados que é condescendente com o colapso da vida dos vulneráveis.

Parecerá romântico às mentes teleguiadas pelos endurecimentos que alicerçam as pandemias evocar a atitude de São Francisco de Assis. Ao olhar, enamorado, o sol, a lua, minúsculos animais, ele cantava e, consequentemente, envolvia o seu coração com uma sabedoria solidária e uma reverência nobre dedicada a todos – entendia que todos os seres e elementos do universo são irmãos uns dos outros. Assim, ensina o caráter essencial da simplicidade, frequentemente desconsiderada no mundo contemporâneo, dominado por uma irracionalidade fundamentada na desmedida ambição por dinheiro. Em vez da opção pela simplicidade, prioriza-se o acúmulo de bens que compromete a qualidade de vida, gerando distanciamento de toda gratuidade, o que produz massacres e pandemias.

 É preciso cuidar de tudo e de todos. Eis o apelo da "carta", dever inadiável que deve unir a família humana em busca de um desenvolvimento sustentável. O dom precioso é reconhecer e adotar a inteligência criativa fundamentada nos parâmetros da ecologia integral, para superar a indiferença em relação a graves problemas.

A ecologia integral é o caminho mais adequado a ser seguido pela humanidade no seu desafio de repensar condições de vida e de sobrevivência em um mundo adoecido, com sintomas evidentes nos descompassos políticos e sociais, religiosos e econômicos. Há de prevalecer os parâmetros da ecologia integral, em diferentes contextos. O ponto de partida, antes de se pensar nas cúpulas, instâncias legislativas ou conferências, é a vida cotidiana, a atitude de cada pessoa. Chegou a hora, e de agora não se pode passar, considerados os esgotamentos do mundo e da civilização contemporânea, de novas lições serem aprendidas, necessárias para surgir um novo tempo, broto de esperança. Todos, humildemente, possam assumir a condição de aprendizes, na vivência do que ensina a "Carta Laudato Si".

terça-feira, 26 de maio de 2020

CHEGOU A HORA.

RN REGISTRA 229 NOVOS CASOS CONFIRMADOS E 6 MORTES POR CORONAVÍRUS ...


No dia 10 de maio de 1994, Nelson Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul, eleito duas semanas antes, fez um discurso de posse que marcou muita gente. Ele defende em particular os valores da reconciliação e declara: “Chegou a hora de curar as feridas. Chegou a hora de reduzir o abismo que nos separa. O tempo para a construção se aproxima”.

Com a proximidade do desconfinamento e inspirado nessa frase, Nicolas Hulot, ativista ambiental e ex-ministro da Transição Ecológica e Solidária de Emmanuel Macron, decidiu declinar à sua maneira o seu “chegou a hora”, através de 100 princípios fundadores de um novo mundo para o pós-crise da Covid-19. A Fundação Nicolas Hulot também lançou um site na quarta-feira (6), para convidar todos a assumirem esses princípios.

Eis os princípios:

1. Chegou a hora para juntos lançar as pedras fundamentais de um novo mundo.
2. Chegou a hora de transformar o medo em esperança.
3. Chegou a hora de uma nova maneira de pensar.
4. Chegou a hora da lucidez.
5. Chegou a hora de traçar um horizonte comum.
6. Chegou a hora de não sacrificar mais o futuro pelo presente.
7. Chegou a hora de resistir ao fatalismo.
8. Chegou a hora de não deixar mais o futuro decidir por nós.
9. Chegou a hora de parar de mentir.
10. Chegou a hora de revitalizar nossa humanidade.

11. Chegou a hora da resiliência.
12. Chegou a hora de cuidar e reparar o planeta.
13. Chegou a hora de tratar as raízes das crises.
14. Chegou a hora de apreender conjuntamente as crises ecológica, climática, social, econômica e de saúde como uma única e mesma crise: uma crise de excesso.
15. Chegou a hora de ouvir os jovens e aprender com os anciãos.
16. Chegou a hora de criar vínculos.
17. Chegou a hora de construir ajuda mútua.
18. Chegou a hora de aplaudir a vida.
19. Chegou a hora de honrar a beleza do mundo.
20. Chegou a hora de lembrar que a vida está por um fio.
21. Chegou a hora de reconciliar-se com a natureza.
22. Chegou a hora de respeitar a diversidade e a integridade de tudo o que é vivo.
23. Chegou a hora de deixar espaço para o mundo selvagem.
24. Chegou a hora de tratar os animais respeitando os seus próprios interesses.
25. Chegou a hora de reconhecer a humanidade plural.
26. Chegou a hora de ouvir os povos originários.
27. Chegou a hora de cultivar a diferença.
28. Chegou a hora de ativar nossa comunidade de destino com a família humana e todos os seres vivos.
29. Chegou a hora de reconhecer nossa vulnerabilidade.
30. Chegou a hora de aprender com nossos erros.
31. Chegou a hora de fazer um inventário de nossas fraquezas e de nossas virtudes.
32. Chegou a hora de nos adaptar aos limites planetários.
33. Chegou a hora de mudar de paradigma.
34. Chegou a hora de mudar um sistema caduco.
35. Chegou a hora de redefinir os fins e os meios.
36. Chegou a hora de restaurar o significado do progresso.
37. Chegou a hora da indulgência e da exigência.
38. Chegou a hora de nos libertarmos dos dogmas.
39. Chegou a hora da inteligência coletiva.
40. Chegou a hora de uma globalização que compartilhe, colabore e seja mais complacente com os mais fracos.
41. Chegou a hora de preferir o comércio justo ao livre mercado.
42. Chegou a hora de globalizar o que é virtuoso e de desglobalizar o que é nefasto.
43. Chegou a hora de definir, preservar e proteger os bens comuns.
44. Chegou a hora da solidariedade universal.
45. Chegou a hora da transparência e da responsabilidade.
46. Chegou a hora de uma economia que preserva e redistribui a todos.
47. Chegou a hora de acabar com a desregulamentação, a especulação e a evasão fiscal.
48. Chegou a hora de perdoar a dívida dos países pobres.
49. Chegou a hora de emancipar-se das políticas partidárias.
50. Chegou a hora de libertar-se das ideologias estéreis.
51. Chegou a hora das democracias inclusivas.
52. Chegou a hora de inspirar-se nos cidadãos.
53. Chegou a hora de aplicar o princípio da precaução.
54. Chegou a hora de gravar no direito os princípios de uma política ecológica, social e civilizacional.
55. Chegou a hora de desafiar o determinismo social.
56. Chegou a hora de combater as desigualdades de destino.
57. Chegou a hora da igualdade absoluta entre mulheres e homens.
58. Chegou a hora de estender a mão aos humildes e aos invisíveis.
59. Chegou a hora de expressar mais do que apenas gratidão àquelas e àqueles, geralmente estrangeiros, que em nossos países, ontem e hoje, realizam tarefas ingratas.
60. Chegou a hora de priorizar as profissões que tornam a vida possível.
61. Chegou a hora do trabalho realizador.
62. Chegou a hora do advento da economia social e solidária.
63. Chegou a hora de eximir os serviços públicos da lei do desempenho.
64. Chegou a hora de relocalizar setores inteiros da economia.
65. Chegou a hora da coerência, e de redirecionar as nossas atividades e investimentos para o útil e não para o prejudicial.
66. Chegou a hora de educar nossos filhos para o ser, para o civismo, para o viver juntos, e de ensiná-los a habitar a terra.
67. Chegou a hora de estabelecer limites para o que machuca e nenhum limite para o que cura.
68. Chegou a hora da sobriedade.
69. Chegou a hora de aprender a viver de maneira mais simples.
70. Chegou a hora de nos reapropriar da felicidade.
71. Chegou a hora de nos libertar dos nossos vícios consumistas.
72. Chegou a hora de desacelerar.
73. Chegou a hora de viajar para dentro de nós mesmos.
74. Chegou a hora de nos livrar dos nossos condicionamentos mentais individuais e coletivos.
75. Chegou a hora de fazer eclodir desejos simples.
76. Chegou a hora de distinguir o essencial do supérfluo.
77. Chegou a hora de arbitrar nossos possíveis.
78. Chegou a hora de renunciar àquilo que compromete o futuro.
79. Chegou a hora da criatividade e do impacto positivo.
80. Chegou a hora de vincular nosso “eu” ao “nós”.
81. Chegou a hora de acreditar no outro.
82. Chegou a hora de rever nossos preconceitos.
83. Chegou a hora do discernimento.
84. Chegou a hora de admitir a complexidade.
85. Chegou a hora de sincronizar ciência e consciência.
86. Chegou a hora da unidade.
87. Chegou a hora da humildade.
88. Chegou a hora da bondade.
89. Chegou a hora da empatia.
90. Chegou a hora da dignidade para todos.
91. Chegou a hora de declarar que o racismo é a pior forma de poluição mental.
92. Chegou a hora da modéstia e da ousadia.
93. Chegou a hora de preencher a lacuna entre nossas palavras e nossas ações e de agir em larga escala.
94. Chegou a hora em que cada um deve fazer sua parte e ser o artesão do mundo de amanhã.
95. Chegou a hora do engajamento.
96. Chegou a hora de acreditar que outro mundo é possível.
97. Chegou a hora do ímpeto desenfreado para abrir novos caminhos.
98. Chegou a hora de, com base nesses princípios, escolher, incentivar e acompanhar nossos dirigentes ou representantes.
99. Chegou a hora de todos darem vida a este manifesto.
100. Chegou a hora de criar um lobby das consciências.

domingo, 24 de maio de 2020

UM OLHAR DE CIENTISTA


5 cientistas famosos que mudaram o mundo

Há muita expectativa sobre o que está por vir – do ponto de vista emocional, o que mudará na humanidade depois da pandemia: a solidariedade será maior? Haverá mais transcendentalismo ou materialismo?

Não sou muito otimista em relação a uma mudança total. Não iremos despertar amanhã, no final desse surto epidêmico, com uma mentalidade coletiva nova. Tenho dúvidas das mudanças que se alcançam por via do medo. Gostaria, no entanto, de acreditar que haverá lições importantes: por exemplo, uma percepção mais clara da importância do Estado, dos sistemas públicos de saúde e de educação, do ideal da cooperação solidária em vez da competição e da exclusão. Gostaria que ficasse mais clara a falência das receitas neoliberais que, em países como Brasil, acabaram destruindo as conquistas sociais dos governos anteriores. Se for verdade que a vacina da BCG ajuda a proteger contra o coronavírus, os brasileiros só podem agradecer esse período de poder popular em que a totalidade da população se beneficiava de campanhas de vacinação e de cuidados médicos básicos. Não será por causa da medicina privada, inspirada no capitalismo selvagem, que nos iremos proteger nem nesta pandemia nem em nenhuma outra situação de sofrimento.

Do ponto de vista político, acredita que haverá alguma mudança na forma de condução dos grandes mandatários?

Receio que não. Veja como os seguidores de Trump continuam apoiando a sua liderança, mesmo depois das suas posturas e declarações completamente imbecis e criminosas. Não quero falar do Brasil, mas receio que seja ainda pior. Os mandatários, conforme refere a pergunta, mandam porque há quem lhes obedeça cegamente. No final de tudo, haverá ainda quem celebre o populismo criminoso em troca de uma falsa promessa de salvação. Tenho, apesar de tudo, esperança que a máscara caia para alguns que não usaram máscara quando era um dever cívico e de respeito pela vida.

Me pergunto como jornalista, é surpreendente acompanhar pesquisadores de várias partes do mundo trocando informações em busca da vacina, algo até então inimaginável em um setor tão competitivo?

Num caso extremo como esse, não vejo um conflito insuperável entre pessoas e empresas, entre interesses públicos e privados. Acredito que, quando se encontrar a vacina, ela será distribuída de forma bastante acessível. Os lucros virão depois, porque este vírus veio para ficar e vai ser preciso vacinar durante anos. E muito provavelmente as vacinas terão que ser ajustadas em função das mutações e das estirpes novas dos vírus. Nessa fase, sim, a descoberta cumprirá a sua vocação de fazer lucro. O mundo não vai mudar a ponto de deixar de ser conduzido pelas razões de mercado. Devia acontecer agora um momento de ruptura, com a imposição dos valores sociais e dos sistemas nacionais de saúde sobrepondo-se à medicina como um meio de negócio privado. Há uma criatura tão invisível como o coronavírus que vai teimar em ficar. Chama-se mercado.

Mais uma vez me pergunto: Se mantenho alguma rotina de escrita ou a reclusão forçada não oferece a mesma comodidade intelectual do habitual?

Não creio que este seja o melhor ambiente para a criação. Primeiro, porque é forçada. Depois, porque não posso esquecer que, apesar de tudo, vivo uma quarentena de luxo. Não é possível pensar que, para a maioria dos brasileiros, esse confinamento tem implicações de sobrevivência muito graves. O sofrimento dessa gente não pode ficar fora das nossas casas por muito que nos fechemos dentro de quatro paredes.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

DISCIPLINA É A EXIGÊNCIA .


Disciplina - Conceito, o que é, Significado


A disciplina do distanciamento social tem sido reconhecida, especialmente por autoridades de saúde, como terapêutica indispensável para o enfrentamento da pandemia da covid-19. Esse isolamento, além das considerações sobre a perspectiva da saúde ou mesmo de seus desdobramentos econômicos, inspira refletir sobre o papel da dimensão disciplinar no sustento e na promoção da vida. Cada indivíduo, com suas inserções nas redes de relação humana, desenha fluxos do tecido social e cultural a partir de hábitos, ajudando a configurar cenários sociopolíticos, religiosos e tantos outros. As ações são alimentadas por hábitos que, para serem qualificados, substituídos ou renovados, dependem visceralmente da disciplina.

Disciplina remete a aprendizagens. Aqueles que resistem ao exercício da disciplina podem estar motivados por entendimentos parciais ou equivocados. Muitos consideram uma vida disciplinada semelhante a uma “camisa de força” ou limitação indevida da própria liberdade. É preciso reconhecer a disciplina de modo diferente, entendendo a sua relação com a capacidade para aprender. A própria origem latina da palavra reporta ao sentido de aprendizagem. Torna-se importante retomar uma consideração que pode gerar incômodo ou parecer ingenuidade: todos são, o tempo todo, aprendizes, até mesmo quando há domínio sobre conteúdos e técnicas, experiências e saberes.

Nesse horizonte, é equivocado argumentar que não se pode ou não se deve mudar porque “sempre foi assim”, justificando a permanência do que pode e deve ser transformado, melhorado. Também é sinal de ingenuidade e de fracasso não se deixar interpelar pelas renovações que “pedem passagem”, exigindo aberturas, sobretudo em tempos críticos, que impõem desafios a todos.

A consideração séria e responsável dessa pandemia do novo coronavírus, com seus desdobramentos, remete a sociedade a um processo de reavaliação de hábitos e práticas, o que exige disciplina. A pandemia ameaça especialmente a vida dos mais pobres, mas não poupa ninguém, inclusive os que se acham protegidos em suas redomas caras. É uma exigência, disciplinadamente, adotar novos hábitos que estanquem esgotamentos - ambientais, sociais, políticos e até religiosos, detentores das causas evidentes e invisíveis da produção desta e de outras pandemias.

Constata-se, assim, que a humanidade está desafiada a buscar um novo rumo - o caminho certo. Contribui para seguir na direção adequada retomar a abordagem educativa do que é próprio da pedagogia da disciplina – fundamento para a promoção de hábitos e práticas diferentes, adequados à construção de um futuro melhor. Resistências à renovação já expressam sinal de irracionalidades. Curiosa é a natural pergunta sobre quando será a retomada da “normalidade”. O consenso diz que não é possível o regresso daquela realidade que antecedeu a pandemia, pois se trata de “normalidade” que leva a adoecimentos, sempre com o risco de surgir outro vírus ameaçador.

Na contramão desse caminho, continuará a prevalecer uma indiferença brutal, perpetuando feminicídios, extermínios de moradores de rua, de indígenas e de pobres - muitos privados de direitos fundamentais a todos. Vergonhosamente dizimados pelas pandemias da fome, da violência e da falta de condições mínimas para preservar a saúde. Um novo ciclo civilizatório é comprometido também pela irracionalidade advinda da falta de intuição e inventividade.

A disciplina é exigência para se conquistar novos hábitos que desafiam o tecido cultural, político e religioso a ter uma nova matéria prima, de qualidade, para sustentar o sonho da solidariedade que precisa se tornar realidade. A nova página que precisa ser escrita na história da civilização, pela superação do preço amargo que se está pagando, indica a necessidade da participação de todos na construção de um novo tempo. Do setor político aos lares, dos espaços públicos aos privados, das universidades às igrejas, do comum ao extraordinário, todos são desafiados a intuir novos hábitos e dinâmicas. Exercitar a nobreza da disciplina pode contribuir para efetivar um renovado jeito de ser e de conviver na sociedade.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

NINGUÉM NASCEU POBRE POR DESTINO, OU POR ACASO.

Pobreza extrema cresce no Brasil e afeta 13,5 milhões de pessoas ...

Neste mês em que trabalhadores/as do mundo inteiro celebraram o 1º de maio, é importante perceber que o Capitalismo faz com que pensemos que a pobreza é normal (Deus fez o mundo com ricos e pobres). Por ocasião do mais recente Fórum Econômico Mundial, em Davos (janeiro de 2020), em seu relatório anual sobre a desigualdade econômica, a Oxfam-Solidarity afirma: “2.153 bilionários têm mais riqueza do que os 4,6 bilhões de pessoas, que constituem 60% da população mundial.”

Isso é considerado normal. Há como um pressuposto de que os pobres são culpados por serem pobres, visto que não souberam dar duro e prosperar na vida. Além disso, como são muitos, se tornam pesados para os países. No ano passado, os governos gastaram U$ 1 trilhão e 822 bilhões com armas. Isso significa por dia, uma despesa de mais de R$ 25 milhões. No entanto, afirmam que os sistemas públicos de saúde e de aposentadoria são deficitários. Com esse pretexto, a cada dia, aprovam leis para diminuir direitos dos trabalhadores e da população mais empobrecida.

No quadro atual desta pandemia que assola o mundo, cientistas nos advertem: por causa da poluição das águas, da péssima qualidade do ar e da deterioração das condições de higiene e saúde em todo o mundo, existe a possibilidade real de que, a esta pandemia do coronavírus, se sigam outras. Para sair dessa espiral de destruição e morte, será necessário que a humanidade se organize como humanidade (a ONU é associação de governos). Só a humanidade organizada como tal pode exigir uma transformação das relações sociais e mudar as formas de produção e consumo. É preciso ter coragem de declarar ilegal a pobreza no mundo.

Ninguém nasce pobre por destino, ou por acaso. Há pessoas que nascem com necessidades especiais, físicas ou psíquicas, mas não existem em si pobres. Existem empobrecidos. Atualmente, mais de 90% da humanidade têm de se contentar com menos de 10% dos bens que seriam de todos, porque a elite organizou o mundo para garantir as desigualdades sociais e a mercantilização dos bens que, por natureza, seriam de todos.

Desde 2012, em diversos países, muitos homens e mulheres lançaram uma campanha para fazer com que a Assembleia Geral da ONU aceitasse declarar ilegal a pobreza. Em 2018, quando se comemorava o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, se pedia que a ONU reconhecesse como ilegais as leis, instituições e práticas sociais que produzem e alimentam a pobreza no mundo. Apesar da ONU nunca ter aceitado discutir sobre o assunto, a campanha organizou-se como fundação e se chama “Audácia em nome da Humanidade”. Propõe uma Ágora dos/das Habitantes da Terra e esse encontro da humanidade reconhece todo ser humano como cidadão planetário. Planeja publicar uma Carta dos Direitos da Vida que não pode ser comercializada. Além disso, lutamos pelo reconhecimento da terra, da água, do ar, da saúde e outros elementos como bens comuns de toda a humanidade, aos quais todos os humanos devem ter direito. Para isso, já está em formação um Conselho Internacional de Segurança da Água como bem comum de todo o universo.

O desafio de todas essas iniciativas é que, como as árvores começam pela semente e só crescem se firmarem raízes, todo esse processo precisa partir de sementes boas de comunhão amorosa. Se essa luta pacífica aqui descrita não se enraizar nas bases dos movimentos sociais e dos grupos locais, pode se conseguir uma boa articulação nacional e internacional, mas será como uma árvore frondosa em que a raiz não tem profundidade.

“Se a atual pandemia é uma guerra, vocês combatem com a arma do senso comunitário”. O senso de que dependemos uns dos outros e só juntos podemos salvar a terra e a vida de todos. Para quem é cristão, esse é o caminho através do qual podemos testemunhar e viver uma vida nova de toda a humanidade e do planeta, que é nossa casa comum.

terça-feira, 19 de maio de 2020

ESCRAVIDÃO AINDA EXISTE?


Escravidão Africana – contexto, como ocorreu e o destino dos cativos

Atualmente, no Brasil, poucas pessoas recordam o 13 de maio como data a ser celebrada. De fato, a lei áurea que, em 1888, decretou a abolição da escravatura deixou a população escrava sem qualquer amparo. Assim, serviu para propiciar novas formas de escravidão até mais econômicas e mais seguras para os senhores. Atualmente, o próprio governo federal esvazia órgãos de proteção ao trabalhador, sanciona leis que favorecem o trabalho precário, incentiva invasão de terras indígenas e criminaliza movimentos sociais. Apesar disso, nos últimos 20 anos, pela força de organismos da sociedade civil e de Igrejas, quase 50 mil pessoas foram libertadas de fazendas, nas quais trabalhavam acorrentadas, ou sob mira de armas ou apenas para ganhar comida e leito para dormir. Apesar disso, em todo o país, ainda existem empresas rurais, carvoarias e fábricas de fundo de quintal que empregam pessoas em condições semelhantes à escravidão. Conforme pesquisas atuais, no Brasil, 50% da escravidão atual acontece no setor pecuário.

De acordo com Jessé de Souza, em seu livro A classe média no espelho, a sociedade brasileira ainda é profundamente escravagista. Em um país de 210 milhões de habitantes, apenas 800 pessoas determinam tudo o que acontece no país. Há mais de cem anos, a maioria da classe média se junta sempre com a elite, para explorar os milhões de pessoas mais pobres. A elite controla todos os grandes meios de comunicação e garante que sua ideologia continue defendida por intelectuais poderosos e algumas universidades importantes. Se, por acaso, ocorrer que um presidente ou governante quiser mexer na exclusão das massas, basta acenar com a palavra mágica “corrupção”. Afinal, sempre foi esta a arma para derrubar presidentes. Em 1954, forçaram Getúlio Vargas a suicidar-se. Em 1964, com este mesmo pretexto, derrubaram o presidente João Goulart e instalaram a ditadura militar. Em 2016, inventaram o impedimento da presidente eleita, assim como em 2018, condenaram sem provas o ex-presidente Lula. Nestes dias, em plena pandemia, empresários e representantes do capital fizeram manifestações em São Paulo. Devidamente fechados em seus carros de luxo, os carros de som gritavam: O Brasil não pode parar. Assim, diziam: vocês, trabalhadores pobres têm de voltar para produzir riqueza para nós. Se a abertura de fábricas e do comércio contagiar mais gente e produzir mais mortes, não tem importância porque será entre vocês pobres. Nós, ricos, estaremos protegidos em nossos castelos, ou apartamentos de luxo.

Infelizmente, o retrato do resto do mundo não é diferente. De acordo com a Walk Free Foundation (Fundação Caminhar em Liberdade), ONG que compila anualmente um Índice Global da Escravidão, calcula-se que, atualmente, mais de 60 milhões de pessoas vivam como escravos/as. A pesquisa aponta que a escravidão existe em 167 países, mesmo na Europa e na América do Norte. As formas atuais da escravidão podem ser trabalhos precários e desumanos, o tráfico de escravas e escravos sexuais, trabalho infantil não remunerado e assim por diante. Na Inglaterra, Kevin Bales, professor de sociologia da Universidade de Surrey, declarou que, já no começo do século XXI, no Reino Unido, 27 milhões de pessoas viviam na escravidão. Como será atualmente?

A Oxfam- Solidarity afirma que antigamente um escravo era um investimento pesado. No século 19, comprar um escravo era como, atualmente, adquirir um trator. Atualmente, no mundo escravos são baratos e numerosos. Na Europa, um migrante clandestino pode ser adqurido como escravo por módicos 125 euros. No Fórum Econômico Mundial que aconteceu em janeiro de 2020 em Davos, Suiça, a Oxfam mostrou que esta realidade vem do fato de que, no mundo inteiro, “2.153 bilionários têm mais riqueza do que os 4,6 bilhões de pessoas, que constituem 60% da população mundial.” Movimentos sociais protestaram que a desigualdade ainda é muito maior do que esta aí revelada.

Para quem tem fé, o pior é saber: os países que sustentam esta estrutura são aqueles que têm o nome de Deus na sua Constituição e se dizem cristãos. Os que têm menor desigualdade social são os que se dizem não religiosos. Na Idade Média, escrevia um místico cristão: "Que Deus nos livre de Deus!" (isto é, desta imagem de Deus que aparece na célula do dólar e na parede dos palácios dos que zombam do nome divino). Para salvar o nome de Deus que anda tao mal falado, temos mesmo de lutar contra todo tipo de escravidão.