quinta-feira, 31 de maio de 2018

VIVEMOS NA ERA DAS INCERTEZAS

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Vivemos na era de incertezas. Há mais perguntas que respostas. Mais dúvidas do que certezas. Navegamos à deriva na terceira margem do rio. Abandonamos a primeira, a modernidade com sólidos paradigmas filosóficos e religiosos, e ainda não sabemos como se configurará a segunda, a pós-modernidade.

Estão em crise as grandes instituições pilares da modernidade: o Estado, a Família, a Escola e a Religião. Vigoram modelos e propostas para todos os gostos.

Em meio à turbulência, emerge com nitidez o mundo hegemonizado pelo capitalismo neoliberal. A financeirização da economia supera a produtividade. A regulação da sociedade se desloca das mãos do Estado para as do mercado.

Se no século passado a Europa fez concessões à socialdemocracia como antídoto à ameaça socialista, agora os direitos sociais retrocedem e novas tecnologias tornam obsoleto o trabalho humano.

Como tudo que é sólido desmancha no ar, é preciso criar exceções e dar consistência ao sistema globocolonizado de consumismo e hedonismo. Assim, difunde-se a ideologia da privatização, concomitante ao esgarçamento das instituições. Privatiza-se a política. Já que os políticos fracassaram, entrega-se a administração pública a empresários bem-sucedidos. Já que os partidos se desmoralizaram, cada um que lance mão de seu celular e faça dele sua tribuna de ódio ou aplauso.

Para sustentar essa democracia virtual sobre abissal desigualdade social, cria-se a cultura da apartação. UPPs, não para combater o crime organizado, e sim para assegurar que a turba ignara desça dos morros em fúria ensandecida. Se desaba um prédio ocupado por sem tetos, a culpa é das vítimas. O discurso do ódio é legitimado até pelo STF ao confundir graves ofensas à honra alheia com liberdade de expressão.

Passamos da era analógica à digital. Mudam também os padrões de relacionamentos. O valor do outro depende de sua posição no mercado. E fora do mercado não há salvação.

Nem tudo, entretanto, se ajusta à mercantilização do planeta em detrimento dos direitos humanos. E o maior desajuste reside em nossa relação com a natureza. Esgotou-se o tempo. A ânsia de lucro poluiu o ar, o mar e a terra. Ou mudamos os nossos paradigmas socioambientais ou a Terra voltará a viver como ao longo de milênios, sem a nossa incômoda presença.

Há que se adotar o desenvolvimento sustentável, no qual estejam incluídos o ecológico, o social e o cultural. No fim da década de 1940, o Japão, arruinado pela guerra, era mais pobre que o Brasil. E quarenta anos depois, quando o nosso país se destacou como a 8ª economia do mundo, o Japão já figurava entre as cinco primeiras. Havia promovido uma revolução educacional, o que jamais fizemos.

Nosso modelo de desenvolvimento continua predatório e são tímidas as iniciativas para que, neste país ensolarado, as energias eólica e solar prevaleçam sobre as fósseis, tão poluidoras do meio ambiente. É preciso mudar os paradigmas do que entendemos por progresso e avanço civilizatório. Os países europeus e os EUA comprovam que crescimento do PIB não significa redução da desigualdade social. E como tem acentuado o papa Francisco, desenvolvimento que não tem centralidade no ser humano, e sim do acúmulo do capital privado, é antiético.

Quiçá os índios andinos tenham algo a nos ensinar quando sublinham a diferença entre "viver bem" e "bem viver".

quarta-feira, 30 de maio de 2018

O QUE VOCÊ ESCREVERIA NO PARA CHOQUE DO SEU CAMINHÃO


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Os para choques de caminhões, são conhecidos por nos brindar com frases tanto folclóricas, quanto sapienciais, e que tanto pode nos provocar risos, como também reflexão. Analisando o momento atual que estamos vivenciando com a greve dos caminhoneiros, e, consequentemente, o caos provocado por ela - graças ao desgoverno de Michel Temer - fiquei curioso para saber o que o povo brasileiro escreveria no para choque de seu caminhão, para protestar contra a situação nebulosa a qual nos encontramos.

Apesar de conhecer a criatividade do nosso povo, peço licença a sapiência popular, para sugerir algumas. Ei-las:

1 - A culpa não é minha! Eu votei no Aécio!
2 - Somos milhões de Cunhas!
3 - Intervenção Militar, já!
4 - Quero o meu país de volta!
5 - A solução mais fácil é botar o Michel.
6 - Com o supremo, com tudo!
7 - Não faço nada errado. Só trafico drogas.
8 - Tem que ser um que a gente mata, antes de fazer a delação.
9 - Tem que manter isso, viu?
10 - Não sei como Deus me colocou aqui.
11 - Volta, Dilma! A gente só tava brincando.

Sem querer induzir a escolha de ninguém, mas, eu colocaria a última. E ainda mandaria flores e um pedido de desculpas.

E você?

terça-feira, 29 de maio de 2018

O CORVO (versão do golpe)

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Em uma noite quente

De um país decadente

um humilde servente

Sobre o golpe que apoiara

Estava a meditar



Pensava na democracia morta

Quando ouviu à sua porta

Um barulho a incomodar

Quem és tu criatura que a noite me visitas

Será que queres comida ou é aquela gente esquisita do PT a militar



Na dispensa ele não tinha nada

Apenas uma camisa amarelada

E umas panelas já amassadas de tanto nelas bater

Mas para sua surpresa a visita naquela noite era um corvo perdido, que pedia um abrigo em seu humilde lar



- Ó pássaro das trevas que a noite me visitas

Veio apenas para apreciar meu sofrimento

Meu oculto arrependimento

de um golpe apoiar?

o corvo em tom solene se pôs a falar: foi culpa do PT


- Pássaro de mau agouro

Sabes mesmo falar?

Estaria eu alucinando ou tu vieste elucubrando apenas para me caçoar?

Tu ouviste o que eu dizia, nos protestos na paulista, e na minha agonia, vieste me imitar?

- foi culpa do PT



Ave negra como a noite

Que me machucas como um açoite

baixa minha adrenalina e responde se a gasolina a menos de 3 reais um dia vou pagar?

- foi culpa do PT



Pássaro ou demônio que negrejas

Profeta ou que for que sejas

vai embora do meu lar

Eu não tenho mantimentos, para seu sustento, mas a ti vou confessar

Tenho saudade daqueles tempos, que ainda bem me lembro, em que fartura havia cá

- foi culpa do PT

domingo, 27 de maio de 2018

ESTAMOS NA ERA DO ESPÍRITO

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É mania, quase uma obsessão, do intelectual, sobretudo do historiador e do filósofo, dividir e fazer as devidas distinções, mas também, classificar, unificando o diferente, para melhor compreender. Devemos isso a Platão, sobretudo, que sabiamente dizia que conhecer é dividir e unificar, separar e juntar. Não é só uma ou outra coisa, são as duas coisas. Assim, dividimos a história em antiga, medieval, moderna e contemporânea. Ou dividimos a história do pensamento, mais ao sabor dos filósofos, em paradigmas: do ser, da consciência e da linguagem. Ou, ainda, em pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade. Cada uma dessas classificações é já uma divisão e uma unificação de características que as definem.

No campo teológico e religioso não é diferente. Há um relativo consenso em pensar a história da experiência religiosa, pelo menos no judaísmo cristão ocidental, em três eras: a era do Pai, a era do Filho e a era do Espírito Santo. Alguns falam em era da fé, era da crença e era do Espírito.

A era do Pai seria a era da antiga aliança (AT), a era do Filho seria a era do cristianismo (NT) e, na continuidade, a era da Igreja e a era do Espírito seria a era da realização da boa notícia, do evangelho, num tempo pós-Igreja. Isso para ficar com o essencial. Possivelmente cada era comporta no seu interior as três eras, o que tornaria a tese ainda mais instigante, mas impossível de ser detalhada aqui...

Importa sublinhar o que definiria a nossa era, a era do Espírito. Se a era do Pai se baseia na criação, queda e restauração pela lei e a justiça, a era do Filho se definiria pelo amor, mas também, no período da Igreja, sobretudo depois de Constantino, pela hierarquia, doutrinas, normas morais, verdades intocáveis, crenças de toda ordem dentro de uma estrutura religiosa constituída como uma esfera do ser, separada e acima das outras esferas do mundo, tal como política e a economia. Pertencer a essa estrutura, à Igreja, é ser salvo, estar fora dela é já a perdição. Haveria assim, duas estruturas, a Igreja e o resto do mundo. O mundo é a perdição, a Igreja a salvação. Daí a síntese de Santo Cipriano: “extra Ecclesiam nulla salus”- fora da igreja não há salvação.

Como isso ressoa no nosso tempo? Num tempo de pluralismo de experiências religiosas como é o nosso, reafirmar que fora da Igreja não há salvação é, no mínimo, extemporâneo. Cada um se salva dentro da sua religião e igreja, e elas são muitas. Essa é a consciência do espírito do nosso tempo. Mas, é mais que isso. Há uma consciência crescente que Deus é que salva e Ele não respeita limites religiosos, hierarquias, dogmas, doutrinas, muros. Deus age livremente e sem intermediários, diretamente em cada corpo vivo de coração e cérebro pensante. Ora, é exatamente isso que se compreende por Era do Espírito, qual seja, Deus que “sopra onde quer” (Jo, 3,8).

O tempo do Espírito é o tempo da livre espiritualidade, para além das estruturas das religiões. As pessoas dizem: “sou uma pessoa espiritual, mas não tenho religião e não frequento igreja”. Isso é cada vez mais comum. É fato que há uma mistura sem fim de espiritualidades e, inclusive, algumas sem encarnação e com um sincretismo típico de uma lógica de supermercado que oferta todos os produtos e cada freguês enche o carrinho com o que achar conveniente. Mas, como não admitir que o Espírito age onde quer? Quem somos nós para conter a sua força transbordante?

Os movimentos carismáticos e espirituais de nosso tempo, que livremente se manifestam, são um sinal visível Deus invisível agindo pelo seu Espírito. Quem pensa a partir da estrutura, hierarquia e doutrinas, pode não se sentir confortável e até resistir a reconhecer o valor de uma espiritualidade para além dos muros das instituições, mas não é prudente desconhecer o fenômeno e, muito menos, se comportar como aquele que olhando para a realidade e percebendo que ela não se adequa a seu pensamento, ao invés de mudar de pensamento diz: pior para a realidade! Esse fenômeno vale, inclusive, para o mundo da política que, não mais se limita aos institucional, aos partidos, às ideologias. Em ambos, tanto na religião quanto na política, vale o lema de Espinosa: “nem rir, nem chorar, compreender”.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

"ESSE TROÇO DE MATAR."

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Matar, assassinar, pôr fim a vidas alheias com motivos políticos, religiosos, ideológicos é algo que a humanidade tem perpetrado frequente e abundantemente ao longo de sua história milenar. As motivações para isso são várias: assalto, autodefesa, paixão não correspondida, ciúmes. Porém, existe uma motivação que se destaca de todas as outras por sua extensão e crueldade: eliminar, exterminar.

Quem mata elimina o outro da existência e de tudo que a constitui: convívio, troca, relação, participação, liberdade. E com essa eliminação, persegue um objetivo mais radical: exterminá-lo, aniquilá-lo. Quando essa eliminação e consequente extermínio tomou, ao longo da história, proporções volumosas e se revelou não como um assassinato pontual com motivações individuais, mas como um projeto coletivo e orquestrado com um fim mais abrangente, foi chamada genocídio.

Muitos genocídios aconteceram na história da humanidade. O que nos é mais próximo foi certamente o holocausto, o extermínio de judeus na segunda guerra mundial, que em sua fase mais aguda chamou-se “solução final”. Tratava-se de limpar a Europa e posteriormente o mundo de todos os judeus. Ao lado destes entravam na lista exterminatória ciganos, homossexuais, comunistas, enfim, todos aqueles que apareciam como incômoda diferença dentro do projeto ariano e nazista que perseguia um mundo formado apenas pela “raça pura”.

Eliminar quem é diferente, quem pensa diferente, quem crê diferente e assim obstaculiza os projetos de determinado grupo é algo que aconteceu e acontece desde que o mundo é mundo. Quando essa eliminação toma proporções coletivas e aumentadas, é considerada crime contra humanidade e, como tal, não prescreve, devendo ser sua memória para sempre execrada e banida da história humana.

O país foi surpreendido recentemente pelas revelações de um documento da CIA tornado público pelo pesquisador de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas Matias Spektor. Nele, o personagem destacado é o general Ernesto Geisel, considerado pelos que acompanham a recente história brasileira, como o homem que iniciou o processo de abertura para a redemocratização do Brasil. A figura de homem honrado, de princípios, que começou a distender os chamados anos de chumbo, emerge do documento secreto como alguém que, ao contrário, apoiava e respaldava as execuções dos guerrilheiros e ativistas de esquerda como algo necessário para o bem do país. Ressaltava, no entanto, que apenas os “subversivos perigosos” deveriam ser executados e que a aprovação prévia do general João Figueiredo – sucessor de Geisel – seria necessária.

O documento comprova, sem deixar lugar a dúvidas, o que já havia aparecido nos registros de diálogos que constam do livro do jornalista Elio Gaspari no terceiro volume da coleção “Ditadura”. Ali é registrada conversa do então presidente Geisel com o então chefe do Centro de Informações do Exército, Vicente Dale Coutinho, onde é avaliado que o crescimento econômico que o país então experimentava só se deu quando se começou a matar. Comenta Geisel que “...esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser.”

Aos 104 executados da lista apresentada por Coutinho, Geisel, com uma frase banal, acabava de abrir uma possibilidade de crescimento exponencial. Os assassinatos continuaram a acontecer, agora com a bênção presidencial. A mesma política teve continuidade quando o general Figueiredo subiu ao poder.

É impressionante perceber os pontos de contato que têm essas declarações do ex-presidente Geisel com outras do ex-presidente argentino Jorge Rafael Videla, entrevistado na prisão pouco antes de sua morte, em 2013. A entrevista feita pelo jornalista Ceferino Reato chocou o continente e o mundo quando o ex-ditador argentino confessa ter usado uma metodologia sistemática de “desaparecimento “ de vários milhares de militantes de esquerda (30 mil, segundo informações de associações de direitos humanos no país).

Tal como Geisel, o general Videla explica que era necessário matar esses subversivos para organizar a sociedade argentina e fazê-la caminhar rumo ao modelo do liberalismo econômico. Mas como não era conveniente que a sociedade se desse conta do massacre genocida, escolheram métodos discretos, quais sejam: os voos da morte, quando os corpos das vítimas eram atirados no Rio da Prata para não serem encontrados; a não existência de listas de nomes que pudessem posteriormente ser encontrados. Em suma: apagar qualquer rastro dos crimes.

A esse projeto genocida o general Videla – um católico de missa diária – chama de “Disposição Final”. Impossível ignorar a analogia com a terminologia nazista “solução final” dos últimos anos da guerra, quando milhões de judeus passavam pelas câmaras de gás e os fornos crematórios.

Pelo visto, “...esse troço de matar”, segundo o General Geisel, é um vírus do qual a humanidade não está livre. Continua ferindo de morte o ethos humano e carcomendo como verme imundo as entranhas da identidade dos povos que lutam por liberdade. Não data apenas de seis décadas, mas foi reproduzido há três. E continua vivo e solto hoje, se voltarmos as costas ao que a memória, com seu poder subversivo e libertador, insiste em desvelar sobre nosso passado recente.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

HÁ VIDA AO NOSSO REDOR

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Ninguém gosta de ser visto como exemplo de um estereótipo. Uma vez fiquei passado porque tenho essa cara de lugar nenhum e depois de várias tentativas frustradas, quando o interlocutor ouviu da minha própria boca que eu não era colombiano, equatoriano, peruano, boliviano, mas brasileiro, exclamou de forma espontânea: “Samba! Carnaval! Rio de Janeiro!” Gente, e eu que sou gaúcho, pasmei.

Mas o violeiro na esquina da minha casa toca todos os dias. Já está de paletó branco às oito horas da manhã. Todos os dias no mesmo bar. Todos os dias com a mesma empolgação, cantando para quem quiser ouvir. No bar da esquina perto da minha casa ninguém paga para sentar na mesinha na calçada. Claro, a minha casa não fica no centro, mas há inúmeros bares na cidade, sem panorama, sem violeiro, sem simpatia, que cobram para a gente tomar o cappuccino sentada.

O violeiro não é estereótipo, é resistência a uma vida frenética, que roubou o nosso tempo para a conversa, para a música, para a contemplação. Por exemplo: no meu bairro há colônias de papagaios. Há andorinhas. Há gralhas. Há gatos, muitos gatos. Há cachorros que passeiam com os seus donos. Há velhinhos. Há coisas que não vejo enquanto me apresso para ir ao serviço. Há estrangeiros. O bar onde toca o violeiro do bairro pertence a um estrangeiro.

Quando uma pessoa sorri para você não é estereótipo, é simples alegria de viver. Os brasileiros não andam sorrindo muito, então se alguém sorri por pura felicidade, por ironia, por sarcasmo, por rebeldia contra uma vida difícil, carregada em ônibus lentos e lotados, o que devemos fazer senão retribuir a risada?

Passo pelo violeiro todas as manhãs e lembro do taxista da estação rodoviária. Era uma dessas tardes de verão, quentes, cheias de viajantes, carentes de transporte, transbordando bagagens por todos os poros. Os taxistas formavam uma fila, que andava à velocidade das rodinhas das malas sendo colocadas nos bagageiros. Ele parou no fim da fila com o seu táxi, tirou o violão e começou a tocar. Afinal, a fila não andaria mais rápido, se ele esperasse em respeitoso silêncio.

Talvez seja esse o sentido dos músicos no navio que naufraga. Tocar, sem pensar no futuro inexorável. Economizar o assobio não paga as contas, não reduz a dívida externa, não diminui o índice de desemprego. Amanhã vou passar pela esquina, apressado, ofegante, mas já estou acostumado a esta surpresa cotidiana. Espero que o violeiro não me desaponte. O violeiro na esquina é de Três de Maio. Poderia estar em um filme, mas é a vida. Não levem a mal, mas o violeiro não é um estereótipo, é um ser humano. E é bom passar pela esquina e perceber a vida ao nosso redor.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

O FRIO, O FOGÃO E O PINHÃO.

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O frio chegou sem muito alarde. Quando ele se apresenta desse jeito, o corpo sente mais, até a natureza também se ressente. Particularmente sempre gostei de temperaturas mais baixas. Há quem se arrepia só em pensar nos dias frios. As estações variam as condições climáticas, sem levar em contas os diversos gostos e opiniões. Conforme a agenda, a reunião iniciaria logo cedo, pela manhã. O pessoal foi chegando de diversos lugares. Com um bom dia festivo, um dos participantes chegou com um balde cheio de pinhões. Em dois toques, o fogão à lenha já estava com ardente fogo. Em seguida os pinhões foram levados à chapa quente. Várias mãos se intercalavam para remexê-los. Não faltaram relatos pitorescos, ingênuas piadas e muitos risos. Por uns instantes o passado tornou-se presente. Alguns contaram as façanhas dos tempos de escola, quando os pinhões eram cozidos com os próprios galhos secos dos pinheiros.

A reunião iniciou e os demais foram para suas respectivas atividades. Enquanto fazia outras tarefas, recordei das mãos geladas da infância, rumo à escola. Caminhava-se alguns quilômetros até chegar ao pequeno e aconchegante prédio, que abrigava alunos de diversas séries. As mãozinhas, ao longo do caminho, tocavam o gelo que se formava nas poças d’água. O senso de humor era maior do que o impacto do frio. Hoje, olhando para trás, a sensação é de que na infância não se sentia tanto frio, quanto os adultos sentiam. Tempos que não voltam, saudades que brotam das lembranças, que a idade não consegue deixar no esquecimento. Cada época fornece registros que invadem o pensamento, de acordo com a situação e o momento. Recordações alcançam leveza ao dia, provocam intervalos interessantes, abrem animados espaços nas pesadas agendas do cotidiano.

Mas o frio não é tão afetivo como se pensa. Tem crianças sem agasalhos adequados, tem casas sem aquecimento, fogões que não recebem lenha há tempo. O inverno convoca à solidariedade. Que bom que ainda existe sensibilidade diante do sofrimento alheio. É dolorido ver crianças e idosos passando frio. Por outro lado, há gestos extraordinários: o amor provoca criatividade. Nestes dias, a Pastoral do Pão, que está prestes a completar o jubileu de prata na distribuição de cestas básicas, foi chamada por uma confecção e recebeu 400 casacos infantis. Além de lindas peças, os casaquinhos de lã certamente amenizarão o frio de muitos, que não têm fogão à lenha e muito menos pinhão cozido. Importar-se com aqueles que pouco ou nada possuem não é uma obrigação, mas um privilégio que aquece as mãos que ofertam e, principalmente, as mãos que recebem. Em todas as estações, a caridade sempre será o amor em ação. Pessoas que desejam a felicidade estão caminhando em direção aos que vivem em situação de vulnerabilidade. O mundo prefere registrar tragédias. Nossos olhos ainda conseguem alcançar o crescimento da bondade e da solidariedade. As mãos facilmente ficam geladas por causa do frio. Mas o coração está aquecido por causa do amor.

terça-feira, 22 de maio de 2018

A VOZ DA HISTÓRIA NINGUÉM CALA.

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As Forças Armadas brasileiras preferem tergiversar a respeito dos arquivos da ditadura. Insistem na versão de que foram queimados. Não haveria nada a ser trazido a público. Ora, impossível apagar a memória daqueles 21 anos de atrocidades.

Mais de 70 anos após o inferno nazista, novos dados ainda vêm à tona. Não será aqui no Brasil que haverão de borrar da história o longo período no qual crimes hediondos foram cometidos pelo Estado, em nome do Estado e por ordem do Estado chefiado por militares, como constam nos documentos da CIA.

À semelhança do genocídio nazista, aqui também vítimas sobrevivem. E jamais haverão de esquecer o tempo em que a arma do Direito deu lugar ao direito das armas. Há mortos e desaparecidos, conforme apurou a Comissão da Verdade, e seus parentes e amigos não admitem que se adicione à supressão de suas vidas o selo indelével do silêncio.

O governo dos EUA, que patrocinou o golpe militar de 1964 e adestrou muitos de seus oficiais, mantém robusto arquivo com o registro das confissões dos algozes. A história é feita de fatos cujos significados dependem de versões. Raramente a versão do poder prevalece sobre a dos vencidos, ainda que esta última demore a emergir, como foi o caso do genocídio indígena cometido por espanhóis e portugueses na colonização da América Latina.

O exemplo emblemático de memória subversiva é a que coloca no centro da história do Ocidente um jovem palestino preso, torturado e assassinado na cruz há mais de dois mil anos. Tudo se fez para que as versões do Império Romano prevalecessem. Os discípulos de Jesus de Nazaré foram perseguidos e mortos, a cidade na qual ele morreu foi invadida e arrasada no ano 70, e os historiadores da época, como Flávio Josefo e Plínio, não lhe dedicaram mais do que uma linha.

Seus feitos e suas palavras, no entanto, não caíram no olvido. As comunidades mediterrâneas que nele reconheceram Deus encarnado preservaram os relatos daqueles que com ele conviveram. Trinta anos depois de o pregarem na cruz, as narrativas, hoje conhecidas como evangelhos, se difundiram. O que se tentou apagar veio à luz.

As Forças Armadas brasileiras podem insistir em não separar o joio do trigo, ao contrário do que fizeram os militares da Argentina, do Uruguai e do Chile, que se livraram do estigma de cumplicidade com o horror. Jamais, porém, haverão de apagar da memória nacional as graves violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura.

O pacto de silêncio não cala a voz da história. A memória subversiva não confunde anistia com amnésia. Somente o silêncio das vítimas poderia salvar os algozes. Mas isso é impossível. O grito parado no ar ressoa. E exige justiça.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

PRÓXIMOS E DISTANTES.

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Existem pessoas próximas a nós. Existem pessoas próximas com as quais estamos próximos. E também pessoas próximas das quais nos mantemos distantes.

O distanciamento e a proximidade emocional vão sendo construídos no dia a dia, na emoção do momento, nos registros gravados e ressignificados ao longo do tempo. Imagens, percepções e sensações do que nos acontece e nos conecta ou não com o outro vão se fazendo presentes e edificam nosso andar.

Vamos compondo a proximidade e o distanciamento com as diversas pessoas do nosso dia a dia, dentro e fora de nós. Com as que amamos, com as que nos sufocam ou com as que simplesmente passam por nós. Com as que nos deixaram algo, as que não nos deixaram muito ou aquelas em quem nós é que deixamos registros.

Construir proximidade é uma opção. Ficar numa relação também se apresenta como uma alternativa. Ficar perto de alguém é uma escolha. Também deixar que os outros se acheguem a nós precisa da nossa permissão. Assim, aproximações e afastamentos são construídos. Pessoas próximas e distantes vão moldando um jeito de ser único, que nos afeta por estarem de alguma maneir
 ligadas a nós e à nossa história.

O distanciamento emocional vai se mostrando e se moldando próximo ou distante, ou seja, pessoas que são próximas podem estar distantes e pessoas que são distantes podem estar próximas. Também há aqueles que são e estão próximos e os que são e estão distantes. Relações que vão sendo construídas.

Passando na beira do Rio Uruguai e observando as aves, percebo que elas ocupam lugares com uma distância considerável umas das outras. Nos troncos dentro do rio elas se colocam lado a lado, não perto demais nem longe demais, respeitando o espaço de cada uma... Será que é assim que precisamos repensar o nosso espaço entre as pessoas?

sábado, 19 de maio de 2018

O PÓ DO TEMPO;

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Enquanto o fogo ardia no chão da fazenda, os barrotes queimavam e eu, ali, observava e me embalava nesse queimar. Fogo que incinera, que transforma em pó tudo de que cuidei ou de que não consegui cuidar. Fogo que transforma verdades em sabe-se lá o quê.

Queimando o inimaginável, o não visto, o nunca pronunciado e inclusive o perceptível. Incinerando tudo que dentro de nós precisa acabar, se acalmar ou se deslocar.

Não era fogueira de S. João, mas mostrava que tudo um dia se transforma em pó: nossa rigidez, conceitos e preconceitos herdados, o que mudamos e o que não conseguimos alterar.

Dores sentidas, amores do passado, sentimentos confusos, tudo vai para a infinita caixa de pandora para ser guardado num tempo que não nos pertence mais. Tempo de outrora a se deslocar.

Em brasa ficam até que consigamos serenar e o pó da mudança da vida venha nos aconchegar.

Contradições de cores, de nuances que vêm mostrar que quando é brasa, ela queima, dói dentro de nós, mas que é preciso resgatar esse fogo interno, para que um dia ele possa se acalmar e no pó do tempo venha transformar existências, construindo novas verdades e maneiras de ser.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

A PATOLOGIA DO ÓDIO.

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Nem sempre foi assim no passado. As pessoas discordavam, mas não se odiavam. Mesmo durante a ditadura, divergências políticas não se transformavam necessariamente em antipatias pessoais.

O que sucede? Por que tanta virulência nas redes digitais? Por que xingar desafetos em locais públicos? Por que atirar na caravana do ex-presidente Lula e no acampamento de seus apoiadores?

Nossa racionalidade está esgarçada. A queda do Muro de Berlim fez desabar também as grandes narrativas. O otimismo de Montesquieu cedeu lugar ao niilismo de Nietzsche. A competitividade, exaltada pelo neoliberalismo, se erigiu em valor, desbancando a solidariedade.

Na Alemanha nazista, os supostos arianos se julgaram no direito de eliminar os “impuros”, como judeus, comunistas, ciganos e homossexuais. Na Rússia de Stalin, os dissidentes padeciam na Sibéria ou eram sumariamente eliminados pela KGB. Nos EUA, os negros eram impedidos de frequentar escolas, restaurantes e transportes coletivos preferidos pelos brancos. E ainda há muitos ianques que se consideram uma raça superior.

A seletividade é uma anomalia do poder que traça limite entre os que estão a favor e os que se posicionam contra. Ora, discordar ou se opor é um direito intrínseco à democracia. Nas relações pessoais ou sociais, a imposição do pensamento único é sintoma de tirania.

Hoje, o esvaziamento das instituições abre espaço à animosidade pessoal. Diferenças e divergências não são debatidas apenas nos fóruns apropriados. A despolitização da sociedade faz com que a discordância se manifeste em “vendetta” individual. Não se contradiz o adversário, procura-se aniquilá-lo. Não se procura contra-argumentar, e sim esmagar. Como nos videogames, cada potencial inimigo deve ser virtualmente eliminado. Só a razão do poder prevalece.

As redes digitais nos empoderam. Permitem a cada usuário ter em mãos a sua tribuna de contestação. Já não se faz necessária a representação política. Nem as ideologias. As grandes narrativas cedem lugar às pequenas celeumas. A emoção sobrepassa a razão. Abdica-se da argumentação para adotar a ridicularização.

O linchamento virtual é o efeito dessa carência de ideias e propostas que traz à tona o ódio inflamado. O ego se arvora em supremo juiz e inviabiliza a alteridade. O outro só é percebido como reflexo da imagem de si projetada no espelho narcísico.

O que fazer? Primeiro, desarmar o próprio espírito. Não engrossar o raivoso exército dos que se julgam donos da verdade absoluta. Não transformar a diferença em divergência. Respeitar a singularidade alheia, ainda que ela questione meus valores. Poupar o coração do ódio, este veneno que se ingere na expectativa de que o outro morra.

Ora, o ódio só faz mal a quem acumula dentro de si este sentimento, jamais a quem é odiado. O preceito evangélico de “amar os inimigos” não significa condescendência com a injustiça, e sim abraçar a tolerância e empenhar-se em eliminar as causas que fazem com que seres humanos atuem como monstros cegos pelo paroxismo do mal.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

SALVE OS PROFISSIONAIS E O SUS

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As doenças desestabilizam o estado de espírito de qualquer ser humano. A situação piora quando é diagnosticada a doença sem os recursos para o combate. A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, assegura a cada brasileiro o direito de ser atendido com os devidos recursos para o tratamento da saúde. Para isto foi criado o SUS, Sistema Único de Saúde, iniciativa pioneira e que merece ser assegurada com políticas e recursos públicos.

O médico cancerologista Dráuzio Varella fez em outubro de 2017 um discurso para seus colegas, em comemoração ao jubileu de ouro de sua formatura na Faculdade de Medicina da USP. Na ocasião defendeu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) como “uma conquista definitiva e um processo em andamento”. Há cinquenta anos acompanhando pessoas que convivem diariamente com a morte, o médico afirma que sua geração de médicos "esteve à frente da maior revolução da história da medicina brasileira: a criação do Sistema Único de Saúde”. Autor de várias obras, como Por um fio, relata como as doenças e enfermidades afetam as pessoas, familiares, amigos e até os profissionais responsáveis pelo tratamento. No citado discurso, Dráuzio Varella afirmou ainda: “Apesar das desigualdades sociais revoltantes, dos desmandos predatórios de representantes políticos que elegemos e de parte de nossa elite financeira mancomunada com eles, levamos a medicina aos quatro cantos do Brasil".

O discurso do renomado profissional de saúde em defesa do SUS associa-se a muitas vozes, como a do deputado federal do Paraná Zeca Dirceu, que conseguiu articular em abril deste ano um apoio parlamentar em defesa dos profissionais e do SUS. Com seu trabalho o Congresso Nacional derrubou o veto de Michel Temer ao Projeto de Lei 6437/2016, que pretendia a reformulação do sistema público de saúde. Conforme o jornalista Marcello Casal Jr., da Agência Brasil, “o Projeto de Lei de Michel Temer precarizava o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde com a retirada de condições para os profissionais e para o sistema de saúde pública, em vista da privatização”.

Embora tenham derrubado o veto de Michel Temer, a Federação Brasileira de Planos de Saúde (FEBRAPLAN), com apoio dos deputados governistas, apresentou uma proposta em substituição ao Sistema Único da Saúde, com corte de orçamento e extinção dos serviços públicos com o objetivo de sua privatização. Os profissionais do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), reunidos em Fórum no dia 10 de abril, em Brasília, alertam que a proposta e as ideias da FEBRAPLAN são "separar a população entre os que podem pagar e os que não podem pagar pela assistência médica”. Também esclarecem a população que a ideia defendida por Alceni Guerra, ex-ministro da Saúde no governo Collor e ex-deputado federal pelo DEM, é a transferência dos recursos do SUS para financiar os planos privados de saúde. Segundo o CEBES, se o governo conseguir sua aprovação grande parte da população brasileira deixaria de ser atendida de forma pública e gratuita, e seria beneficiada a área privada.

Por sua vez, várias entidades não governamentais alertam que o esforço do governo federal junto à Câmara e ao Senado Nacional nos próximos meses é para buscar apoio parlamentar para a privatização do Sistema da Saúde Pública. Também alertam que a Emenda Constitucional 95, a chamada “PEC do Teto de Gastos”, aprovada pelo atual governo, congela os investimentos em saúde e assistência social pelos próximos 20 anos, tendo em vista a privatização do Sistema de Saúde Pública.

Cabe ainda, diante dos interesses do governo em privatizar todo sistema de prestação de serviços públicos, lembrar que há 30 anos, com a promulgação da Constituição Federal, foi criado o SUS; nos governos de Lula e Dilma Rousseff foram criados o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e as UPAs, (Unidade de Pronto Atendimento 24 horas); e em 2003 foi criado o programa Mais Médicos, que garantiu a vinda de 14.462 médicos estrangeiros para cobrir a carência de profissionais para atendimento da população mais pobre. Em caráter de alerta também não pode passar despercebido que os magistrados, com salários exorbitantes, fazem greve em defesa de mordomias como auxílio-moradia, educação, cultura, alimentação, vestuário. Em razão disto é mais que justo que o povo tenha no mínimo o direito de um Sistema de Saúde Pública assegurado.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

UMA DÚVIDA, OU MELHOR, DUAS.


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Como diz a Gislaine Marina: Ultimamente a minha obsessão tem sido a de não cair na tentação das certezas fáceis, a de não amar os lugares como se fossem meus, a de não me iludir com testes genéticos que possam prender a minha alma errante. Perdi os meus passos por uma Porto Alegre que não existe mais: que eu nunca possa achar que Roma é minha. Se isso acontecer, terei de dar lugar para novos bárbaros.

Não sei de onde venho. Rui Barbosa apagou a vergonha da escravidão, eliminando os arquivos que poderiam contar essa história. Escrivães abrasileiraram os sobrenomes estrangeiros, tropicalizaram a pobreza europeia desembarcada do outro lado do oceano. A antroponímia ficou estropiada genuinamente. Os índios não têm sobrenome. Somos todos Silva ou da Silva, às vezes as duas coisas na mesma família. As preposições não têm heráldica abaixo do equador. Ou somos dos Santos, dos Anjos, de Deus. Minha bisavó dizia que não era de ninguém, não queria nome cristão que contasse de uma posse escravocrata, sem floreios genealógicos. Herdei a sua falta de hipocrisia. Dela recebi a ausência, o silêncio e a coragem de caminhar sem balizas. A carência ensina a dar saltos, quem não prende raízes flutua, inventa, cria.

Tenho a tendência osmótica para a empatia, encontrar as mínguas de mim nos outros, deixar-me preencher por sorrisos. O que não é meu me completa. Sinto-me à vontade com perguntas, minha curiosidade infantil usa saltos altos. É assim que me equilibro e por vezes caio, esfolando os joelhos na minha finitude. Caminhar por entre as dúvidas é a minha arte.

E quanto menos sei, quanto mais incertezas me informam, mais dignifico a vida que tateio. Não tenho vocação para a resignação, mas para a esperança. Não aceito prognósticos, desconfio das probabilidades. Dou crédito a quem deveria, por bom senso, ser objeto de escárnio. Tenho amor pelos palhaços e pelos idealistas. Um palhaço faz rir quando cai, o idealista quando falha. Eu admiro os que se levantam depois do tombo e os que resistem à queda.

A esperança é o dom de quem sabe que nada dura, mas tudo pode ser feito. É o destino de quem não sabe até onde vai a estrada. É a certidão dos que não receberam herança e títulos de nobreza. É a paga dos que não têm riqueza. É uma espécie ternura para com os coices que a realidade nos reserva a cada dia. É um privilégio que resulta da soma das nossas carestias, é um vetor que aponta para o infinito, porque não prende, não rotula, não caracteriza. A esperança nos eleva para lugares nos quais ninguém mais acredita. Este lugar se chama utopia e é daí que saem as coisas mais surpreendentes do mundo: a arte, o sonho, o amor, a luta para mudar o mundo. Vou contar uma coisa: a esperança não morre porque é o oposto de qualquer ideia sensata, com os pés no chão. Não afunda, não apodrece. A esperança não se agarra e não se deixa apanhar. A esperança vaga, se esconde e reaparece de improviso, é incontrolável. Não digamos ao Brasil que estamos cheios de esperançosos entre nós. Façamos uma bela surpresa.

domingo, 13 de maio de 2018

UMA AVENTURA PERIGOSA

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Já bem dizia o grande escritor João Guimarães Rosa pela boca do jagunço Riobaldo, no grande romance Grande Sertão Veredas, que viver é muito perigoso. Referia-se, porém, aos perigos existenciais, que cercam o cotidiano humano, obrigado a lidar com surpresas, riscos, atropelos e obstáculos. Não falava diretamente da verdadeira roleta russa que passou a significar a existência humana nas cidades brasileiras.

Falo das cidades sem esquecer nem menosprezar o campo. Ali também o risco campeia e surpreende na emboscada, na atalaia, na bala que atinge aquele ou aquela que menos espera, como foi o caso da missionária Dorothy Stang, morta em 2005, ao dirigir-se a uma reunião de oração com a Bíblia na mão. Mas, residente urbana que sou, falo daquilo que passou a ser a vida nas grandes cidades do nosso país.

O que origina minha reflexão neste momento é o incêndio e queda do prédio Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, na madrugada do feriado do Dia do Trabalho. Ao que parece a origem do incêndio e consequente desabamento foi uma briga de casal no quinto andar, seguida de uma explosão de panela de pressão. No entanto, o pastor da igreja luterana vizinha ao prédio afirma que há muito tempo observava que o mesmo se encontrava cada vez mais inclinado para a rua. Havia avisado às autoridades, mas providências não foram tomadas.

E o que aconteceu diante de nossos olhos estupefatos foi aquele prédio de 24 andares dissolvendo-se em chamas quando caía, qual um castelo de cartas. Os moradores eram desabrigados, sem teto, que ocupavam o prédio por não terem onde morar. Muitos não poderiam celebrar o Dia do Trabalho por estarem desempregados. Viviam em pequenos espaços separados por divisórias improvisadas de madeirite e papelão, cujo aluguel pagavam com ajuda de familiares, amigos etc. Hoje encontram-se duplamente espoliados. Além de não terem trabalho, tampouco têm teto.

Vários foram obrigados a passar a noite na rua, experimentando a surpresa de estar vivos, mas de haver perdido tudo. Foram os esforços de uma vida que o fogo levou sem deixar vestígios. Quando saírem da estupefação em que se encontram, terão de recomeçar do zero uma vez mais. E viver sem saber se o perigo estará à espreita em um trem descarrilado, em um tiroteio com balas perdidas a esmo que atingem alvos não buscados, em um ônibus tomado por assaltantes, em um prédio condenado que finalmente desaba.

As cidades brasileiras submetem seus moradores a situações de perigo cada vez maiores. No Rio de Janeiro, não se pode ir a determinado lugar porque no caminho está havendo tiroteio. E assim como se busca nos aplicativos do celular o caminho mais curto para chegar ao destino, busca-se igualmente o caminho onde haja menos probabilidade de passar por um tiroteio, ser atingido e nunca mais chegar.

As redes sociais converteram-se em alerta para situações de perigo acontecendo dentro do perímetro urbano. Não apenas tiroteios, mas arrastões, rolés, assaltos. Enviam-se fotos de assaltantes que tentaram entrar em residências disfarçados de técnicos, entregadores de pizza etc.

Nada, porém, é comparável ao que esse perigo constante faz com as vidas dos pobres. Se é verdade que todos os moradores das cidades maiores do Brasil estão permanentemente submetidos a tais situações, aqueles cuja vida é uma insegurança permanente experimentam essa periculosidade diuturna em muito maior proporção.

Agora mesmo o centro de São Paulo está cheio de pessoas que moravam no prédio desabado. Alguns se recusaram a ir para abrigos e preferiram dormir na rua. O tempo vai esfriando e ficarão expostos à intempérie e às temperaturas baixas, ao relento. Na pressa para escapar do fogo e salvar a vida não puderam levar nada a não ser a roupa que vestiam. Agora dependem da caridade de vizinhos e moradores da cidade que lhes oferecem alimentação, abrigo, agasalhos.

Não se sabe ao certo a origem do incêndio. Nem se tem um diagnóstico preciso sobre as condições do prédio. Possivelmente já estivesse frágil e instável, vulnerável a qualquer acontecimento inesperado. O fogo acabou de derrubá-lo e o país viu, estarrecido, a fragilidade de sua estrutura. Os prédios vizinhos causam medo. Não estarão na mesma situação.

Seguimos nós todos, teimosamente, insistindo em viver neste país. Acreditamos que vale a pena, que é possível melhorar. Acontecimentos como este, no entanto, mostram com evidência assustadora que ser brasileiro é, a cada dia que passa, uma aventura sempre mais perigosa.

sábado, 12 de maio de 2018

ENTREGAR A CASA DA MOEDA?

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Temer se convenceu de que não convém privatizar a Casa da Moeda. Resta agora encontrar recursos para mantê-la.

Fundada em 1694, ali são fabricados papel-moeda, moedas, medalhas, passaportes, selos postais, certificação digital, diplomas, comendas etc.

A moeda é um símbolo nacional. Nela são gravadas estampas de pessoas que se destacaram na história do país, evocações de feitos heroicos ou imagens de nossa flora e fauna.

Entregar a Casa da Moeda a uma empresa privada, possivelmente de capital estrangeiro, equivaleria a desfigurar a nossa bandeira ou deturpar a letra do Hino Nacional. Isso reduziria a autoestima da nação.

Ninguém ignora que o Brasil é, hoje, um país colonizado, que depende de investimentos vindos de fora e da importação de produtos manufaturados e de primeira necessidade, como trigo. Nossa indústria foi sucateada. Sequer fabricamos nossos próprios veículos, apesar de dispormos de tecnologia para tanto.

No Grupo Escolar Santos Dumond em Gramado, aprendi que a história do Brasil se divide em ciclos de exportação de matérias-primas. Primeiro, o pau-brasil, que deu nome ao país, em seguida cana-de-açúcar, ouro, café etc.

Desses ciclos não nos libertamos até hoje. A diferença é que, agora, as matérias-primas têm o elegante nome de commodities. Produzimos para o mercado externo, não para o interno. E ainda há quem acredite que os exportadores trazem para as finanças nacionais todo o lucro do que vendem aos estrangeiros, como se não existissem paraísos fiscais.

Entregar a Casa da Moeda à iniciativa privada seria correr o sério risco de estimular a corrupção. Se ela já é endêmica com o dinheiro público, pode-se supor o que aconteceria quando o real passasse a ser fabricado por uma empresa particular! E como o único objetivo do capital é o lucro, isso tornaria mais cara a nossa moeda, pois o governo teria de pagar por ela.

Agora o governo Temer insiste em privatizar a Eletrobrás. Não me surpreenderei se, em breve, se decidir privatizar o Estado brasileiro, entregando-o à Confederação Nacional da Indústria. Então já não haverá nem mais Estado mínimo, objetivo dos neoliberais. A nação se tornará uma grande corporação, na qual a cidadania cederá lugar ao clientelismo; os direitos civis, às ofertas do mercado; e a política, à mera administração do negócio chamado Brasil. E, como em qualquer empresa, serão alijados todos aqueles que não forem produtivos, já que manter aposentados, enfermos e idosos é muito dispendioso para a Previdência Social, quanto mais para o capital privado!