quinta-feira, 24 de maio de 2018

HÁ VIDA AO NOSSO REDOR

Resultado de imagem para TOCANDO VIOLÃO NA ESQUINA

Ninguém gosta de ser visto como exemplo de um estereótipo. Uma vez fiquei passado porque tenho essa cara de lugar nenhum e depois de várias tentativas frustradas, quando o interlocutor ouviu da minha própria boca que eu não era colombiano, equatoriano, peruano, boliviano, mas brasileiro, exclamou de forma espontânea: “Samba! Carnaval! Rio de Janeiro!” Gente, e eu que sou gaúcho, pasmei.

Mas o violeiro na esquina da minha casa toca todos os dias. Já está de paletó branco às oito horas da manhã. Todos os dias no mesmo bar. Todos os dias com a mesma empolgação, cantando para quem quiser ouvir. No bar da esquina perto da minha casa ninguém paga para sentar na mesinha na calçada. Claro, a minha casa não fica no centro, mas há inúmeros bares na cidade, sem panorama, sem violeiro, sem simpatia, que cobram para a gente tomar o cappuccino sentada.

O violeiro não é estereótipo, é resistência a uma vida frenética, que roubou o nosso tempo para a conversa, para a música, para a contemplação. Por exemplo: no meu bairro há colônias de papagaios. Há andorinhas. Há gralhas. Há gatos, muitos gatos. Há cachorros que passeiam com os seus donos. Há velhinhos. Há coisas que não vejo enquanto me apresso para ir ao serviço. Há estrangeiros. O bar onde toca o violeiro do bairro pertence a um estrangeiro.

Quando uma pessoa sorri para você não é estereótipo, é simples alegria de viver. Os brasileiros não andam sorrindo muito, então se alguém sorri por pura felicidade, por ironia, por sarcasmo, por rebeldia contra uma vida difícil, carregada em ônibus lentos e lotados, o que devemos fazer senão retribuir a risada?

Passo pelo violeiro todas as manhãs e lembro do taxista da estação rodoviária. Era uma dessas tardes de verão, quentes, cheias de viajantes, carentes de transporte, transbordando bagagens por todos os poros. Os taxistas formavam uma fila, que andava à velocidade das rodinhas das malas sendo colocadas nos bagageiros. Ele parou no fim da fila com o seu táxi, tirou o violão e começou a tocar. Afinal, a fila não andaria mais rápido, se ele esperasse em respeitoso silêncio.

Talvez seja esse o sentido dos músicos no navio que naufraga. Tocar, sem pensar no futuro inexorável. Economizar o assobio não paga as contas, não reduz a dívida externa, não diminui o índice de desemprego. Amanhã vou passar pela esquina, apressado, ofegante, mas já estou acostumado a esta surpresa cotidiana. Espero que o violeiro não me desaponte. O violeiro na esquina é de Três de Maio. Poderia estar em um filme, mas é a vida. Não levem a mal, mas o violeiro não é um estereótipo, é um ser humano. E é bom passar pela esquina e perceber a vida ao nosso redor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário