sexta-feira, 30 de julho de 2021

OA RICOS MAIS RICOS A CUSTA DOS POBRES MAIS POBRES


Há um ano, a Organização Não Governamental Oxfam publicou a notícia segundo a qual entre os meses de março a julho de 2020, o patrimônio de 42 bilionários do Brasil tinha crescido 34 bilhões, passando de US$ 123,1 bilhões para US$ 157,1, bilhões. No dia 7 de abril deste ano, a Forbes anunciava que o número de bilionários do país tinha saltado de 45 para 65, ou seja, 20 novas fortunas ganhavam o estatuto de bilionárias. Ao mesmo tempo, nos últimos meses, vários analistas econômicos não cessam de alardear uma suposta retomada da economia nacional, com índices de crescimento que apontariam para o “início do fim da crise”, que começou em 2013 e se agudizou ao longo da pandemia.

Como não se pode “tapar o sol com a peneira” e as notícias precisam ser veiculadas de forma completa, a grande mídia também anunciou quais são os setores responsáveis pela retomada do crescimento econômico no país: fundamentalmente o agronegócio e a mineração. Alguns veículos de informação também têm dado as cifras dos efeitos da pandemia sobre os mais pobres.

Com relação ao “fim da crise”, é importante observar que, desde que assumiu o poder, o atual governo faz de tudo para “passar a boiada”, e as organizações envolvidas na defesa da Amazônia e dos povos originários não cessam de denunciar o desmonte dos órgãos que monitoram o avanço da destruição da floresta e o atual genocídio de indígenas em curso na região, através da impunidade de garimpeiros e da concessão de mineração em terras indígenas. Por sinal, muitos dos deputados e senadores que dão sustentação a esse tipo de política do atual governo são patrocinados pelo capital dessas áreas da economia nacional ou são eles mesmos seus representantes.

Muitas pessoas que se dizem cristãs, mas não gostam do discurso social da Igreja, se perguntam por que a teologia e tantas lideranças eclesiais insistem em “misturar” religião e economia, ou, em outro âmbito, fé e política. A religião não deveria se ocupar apenas das coisas espirituais? Jesus não veio anunciar um “reino dos céus”, ou seja, um mundo futuro, que diz respeito à salvação de nossas almas? Por que as igrejas não se ocupam, então em oferecer um discurso e uma prática religiosa voltada para esse âmbito?

Certamente esse tipo de argumento ignora o que é próprio da fé cristã, cujas origens remontam ao judaísmo. O primeiro momento da revelação no Antigo Testamento, diretamente relacionado ao assim chamado “povo eleito”, tem em Abraão sua figura. O chamado que Deus lhe faz aponta para três promessas, todas relacionadas com a vida em suas várias dimensões: descendência, terra e o reconhecimento das demais nações (Gn 12,1-3), ou seja, a Abraão, que não tinha filhos, Deus promete uma posteridade, à qual associa uma terra, a partir da qual toda a humanidade seria abençoada.

Algo parecido acontece quando os descendentes de Abraão se tornam escravos no Egito e Deus chama Moisés para libertá-los e o levá-los à terra da promessa. Deus diz a seu enviado: “Eu vi a humilhação de meu povo no Egito e ouvi seu clamor por causa da dureza dos feitores. Sim, eu conheço seu sofrimento. Desci para livrá-los das mãos dos egípcios […] e levá-los a uma terra boa e espaçosa, terra onde corre leite e mel” (Ex 3,7-8). Não por acaso, a lei dada ao povo no caminho para a terra prometida, conclama-o ao respeito ao órfão, à viúva, ao estrangeiro, ao pobre (Dt 27,19). Essa lei é o coração da profecia em Israel, sendo muitas vezes reiterada por aqueles a quem Deus chama para seu exercício (Zc 7,10).

Jesus de Nazaré, a quem os cristãos confessam como Cristo, Senhor, Filho de Deus, é de muitas maneiras apresentado no Novo Testamento ocupado com coisas muito terrenas, como a cura dos enfermos, a partilha dos pães, a acolhida às pessoas de “má vida”, como publicanos e prostitutas. O reino que ele anunciava próximo, apesar de ser confundido por muitos cristãos como um reino meramente transcendente, pertencia a uma categoria teológica que evocava as visitas de Deus a seu povo no Antigo Testamento, dando-lhe paz numa terra da promessa, na qual todos pudessem viver em harmonia, na prática da justiça, sobretudo para com os mais vulneráveis: órfãos, viúvas, estrangeiros e pobres. O coração da fé cristã, a ressurreição, está associado a um corpo, ou seja, Deus promete a salvação definitiva que inclui não só uma alma, mas um corpo glorificado, corpo que alcançou todas as suas plenitudes, através do qual a glória divina é celebrada.

A doutrina social da Igreja e suas reiteradas denúncias às inúmeras transgressões dos direitos fundamentais da pessoa humana constitui, portanto, o cerne mesmo da fé cristã. Nesse sentido, a frase de João Paulo II, “ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres”, pronunciada em 1979, no discurso inaugural da III Conferência do CELAM, em Puebla, México, é confirmada nesse enriquecimento dos mais ricos em tempos de pandemia. Ela necessita ser de novo retomada e redita, não só pela hierarquia da Igreja, mas por todos(as) os que se dizem discípulos(as) de Jesus de Nazaré.

Com efeito, o próprio Nazareno, segundo o Evangelho de Lucas, inaugura sua missão profética à luz da profecia de Isaías, segundo a qual ele tinha sido ungido e enviado para “anunciar a boa nova aos pobres, proclamar a liberdade aos cativos, fazer ver os cegos, dar a liberdade aos oprimidos e anunciar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,19). Suas bem-aventuranças, segundo o mesmo Evangelho (Lc 6,20-26), não só apontam os bem-aventurados, mas denunciam os ricos, os que se fartam, os que riem e quem é elogiado.

Corajosamente, várias instâncias da Igreja e muitos grupos comprometidos com a defesa dos povos indígenas e o cuidado da Amazônia, têm denunciado os atentados contra a vida das populações originárias daquela região, como também o desmonte das instâncias de proteção à floresta e ao que ela representa para o equilíbrio da vida no planeta. Mas, como diz a sabedoria popular, “uma andorinha só não faz verão”.

Portanto, são necessárias muitas vozes, não só as das igrejas, que possam engrossar o coro dos que se levantam contra os que têm procedido a um desmonte das leis do Estado de direito, não em função do bem da nação, mas de grupos minoritários, que se tornam cada vez mais ricos, às custas de milhões de brasileiros(as) que conhecem cada vez mais a dor da miséria.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

CUIDADOS MATERNOS

Parece não ser só no futebol que os argentinos superam o Brasil neste momento. Também em outras áreas consideravelmente mais importantes como a justiça e a equidade. O primeiro lugar na competição pela Taça Libertadores, maior torneio de futebol da América Latina, foi uma vitória respeitada e merecida, garantida já no início do primeiro tempo pelo jogador Di Maria, que fez o gol da vitória. Agora, no entanto, é já na prorrogação do segundo tempo que as mulheres argentinas trazem sua pátria para a frente do debate, após lavrarem um tento mais que esperado e merecido por parte da República Rio-Platense.

Desde o início desta semana, a Argentina passou a considerar o cuidado materno como trabalho, na tentativa de reparar parte das desigualdades estruturais que as mulheres sofrem e enfrentam ao longo da vida e derivam, muitas vezes, da sobrecarga de tarefas domésticas somadas às profissionais. Essa situação é ainda mais desafiante e injusta por acontecer em um mercado de trabalho que já é muito mais difícil para as mulheres.

Agora a Argentina regularizou a legislação, de forma que os 44% das mulheres em idade de aposentadoria que não têm acesso ao benefício possam finalmente dele usufruir. A medida legal alcançará cerca de 155 mil mulheres do país com 60 anos ou mais, que saíram do mercado de trabalho para se dedicarem ao cuidado dos filhos. Poderão somar ao tempo de contribuição da previdência aquelas que estiverem nos seguintes casos: um ano de contribuição por filho como regra geral; dois anos por filho em caso de adoção de criança ou adolescente menor de idade; dois anos para as mães de filho deficiente e três anos caso haja recebido o benefício mensal do governo destinado a pais ou responsáveis que estejam desempregados ou sejam de extração social de baixa renda.

O Brasil previa na sua legislação a inclusão da licença-maternidade como tempo de contribuição para a Previdência. A Argentina incorpora agora esse direito em sua legislação. Finalmente, as mães veem as políticas públicas indo ao encontro da valorização da maternidade.

Sente-se no que acontece na Argentina o eco das palavras de um argentino que hoje se encontra longe de sua terra natal, em Roma: Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco. Desde que foi eleito papa, Francisco repete incansavelmente sua preocupação com os idosos, os anciãos, aqueles que com suas vidas, seu trabalho, sua dedicação construíram o mundo em que vivemos e muitas vezes, chegados à idade avançada, são vistos como inúteis e como tal, marginalizados e descartados, vendo negada sua importância, seu valor, seus direitos plenos.

Bem vê o Papa – e parece que seus conterrâneos igualmente – que uma sociedade que não pensa nos idosos perdeu sua ética. Uma sociedade onde a vida é possível e floresce plenamente é aquela que reconhece o que deve aos idosos, valoriza sua memória e aporte, e reafirma seu valor quando chegam à idade em que se encontram vulneráveis e mais frágeis.

Em se tratando das mulheres, essa vulnerabilidade e fragilidade são mais fortes e evidentes. Elas constituem boa parte das pessoas que se encontram em situação de pobreza no mundo. Daí a expressão “feminização da pobreza”, significando aquelas que são duplamente pobres: por viver em dificuldade econômica e por seu gênero feminino. Juntamente com as mulheres estão as crianças, os filhos que só contam com elas para sobreviver a cada dia. Como elas, essas crianças são vítimas da violência e da injustiça que caracteriza nossas sociedades.

Hoje vemos que a maternidade e a natalidade estão em decréscimo nas sociedades mais desenvolvidas. Temos a tendência de culpar o secularismo, o relativismo e quantos mais “ismos” haja. E, em parte, isso pode ser verdade. Esquecemo-nos, no entanto, que a quase total ausência de políticas públicas que auxiliem a mulher a levar adiante sua maternidade, com um mínimo de garantia de poder cuidar plenamente de seus filhos como o requer a primeira infância, tem igualmente uma importante parcela de responsabilidade na ausência de fecundidade em nossas sociedades.

Muitas vezes a mulher que se torna mãe precisa afastar-se momentaneamente do trabalho, para dedicar-se plenamente a este cuidado. E em uma sociedade que não contempla os direitos da maternidade, é perfeitamente compreensível que as mulheres temam embarcar na aventura para a qual seus corpos são criados – a de ser habitadas pelo outro, a de dar à luz outro ser humano – sem condições ou garantias de sobreviver com um mínimo de dignidade pelo afastamento do trabalho que isso implicará.

As mulheres agradecem às irmãs argentinas. Agradecemos todos e todas. É urgente resgatar a importância do cuidado em um mundo que privilegiou quase que unicamente a eficácia e a produção rentáveis e que por isso está à beira do colapso. E entre os diversos cuidados que a vida em todas as suas formas requer, certamente o materno é um dos mais belos e mais exigentes. E por isso deve ser olhado com especial carinho e consideração.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

LUTAR POR UMA POLÍTICA MELHOR.

 

A sociedade brasileira costuma enjaular o diálogo em torno de nomes ao tratar sobre política. As reflexões a respeito de candidaturas constituem capítulo indispensável, especialmente no contexto da política partidária, pois possibilitam realçar nomes com condições adequadas para representar o povo. Mas é importante que essas reflexões sobre candidaturas sejam precedidas e, permanentemente, emolduradas pelo diálogo que promove a política melhor.  Ora, o povo, no cumprimento de sua tarefa cidadã, em conformidade com a Constituição Federal, é o grande protagonista do processo eleitoral, garantia de uma democracia amadurecida. Neste momento em que o País antecipa discussões sobre o processo eleitoral de 2022, priorizando debates sobre nomes que podem ser submetidos ao voto, há de se evitar sério risco: não se investir na recomposição de adequados entendimentos sociais – imprescindíveis para que a sociedade brasileira construa uma política melhor.

Quando são consideradas as polarizações sociais e as dificuldades de se elaborar percepções para rumos novos, comprova-se a importância de se promover, massivamente, situações que favoreçam a construção de entendimentos, a partir do diálogo que leva à política melhor. Assim, atende-se a uma necessidade educativa e civilizatória no caminho da recuperação da sociedade, que sofre injunções pesadas – dentre as mais graves, as consequências da pandemia da covid-19, além dos muitos retrocessos que golpeiam a jovem democracia brasileira. Por isso é necessário investir no diálogo que promove a política melhor, uma oportunidade de exercitar a capacidade de ouvir, para adquirir o conhecimento que afasta o contexto político de irracionalidades e manipulações. Esse diálogo qualificado, consequentemente, pode levar a escolhas mais acertadas de nomes submetidos a sufrágios eleitorais. É caminho, pois, para vencer esquemas de corrupção que promovem – e se alimentam – das vergonhosas desigualdades sociais, dos atentados contra o meio ambiente, do desrespeito a direitos, vitimando povos indígenas, dentre outras minorias.

A sociedade brasileira, com suas instituições e segmentos, precisa se dedicar à recomposição de sua realidade sociopolítica, o que exige muito investimento. É preciso cuidado para que o País não se envolva, simplesmente, na discussão de nomes, desobrigando-se da tarefa de construir um entendimento civilizatório mais lúcido e abrangente, a ser alcançado com a contribuição da ciência, de estudos e debates. Sem a construção desse entendimento civilizatório, corre-se o risco de empobrecer o processo eleitoral, conferindo-lhe características das disputas entre torcidas no âmbito do esporte. Escolhas políticas jamais podem se estreitar nos parâmetros das simpatias e escolhas esportivas, pois são determinantes na configuração dos rumos de uma sociedade. Se essas escolhas forem equivocadas, consolidam-se práticas irresponsáveis e sem o lastro humanístico necessário para o exercício da liderança que está a serviço do povo, do seu destino e da sua identidade.

A história mostra que escolhas equivocadas levam sociedades ao fracasso. Por isso mesmo, é preciso lutar e contribuir para o adequado funcionamento das instituições democráticas e pelo exercício da cidadania – todos reconhecendo seus direitos e deveres. O processo eleitoral deve constituir uma importante oportunidade para o debate social – com o objetivo de consolidar a política melhor. A sociedade depende muito de qualificada politização dos seus cidadãos, que não podem deixar-se aprisionar por polarizações, negacionismos e escolhas parciais. Debates sobre temas e valores constituem desafio para sociedades pluralistas com sérias lacunas humanísticas e carência de princípios morais.

Investir agora no diálogo que promove a política melhor permite desenvolver critérios adequados que possibilitem eleger representantes do povo com a competência para ajudar na recomposição da sociedade, promovendo reformas em interlocução com diferentes segmentos. Aos que pretendem se candidatar a cargos nos poderes, é importante lembrar: não é adequado apresentar-se como defensor de alguns princípios, atendendo expectativas de grupos específicos, mesmo com prejuízos a uma política salutar, capaz de reformar instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos para a superação de pressões e inércias viciosas. O  papel da política melhor não pode ser substituído pela economia. Importa muito, agora, mesmo na exiguidade do tempo e considerado o tamanho da demanda, intensamente dialogar sobre a política melhor.

quinta-feira, 15 de julho de 2021

11 DE JULHO FOI O DIA MUNDIAL DA POPULAÇÃO.

A ONU consagra o 11 de julho como Dia Mundial da População. Há quem veja nessa data um alerta para se encontrar meios de diminuir a população da Terra. Atualmente a população humana está chegando perto de oito bilhões de pessoas no mundo. O planeta Terra teria recursos para alimentar e prover a vida de 11 bilhões de seres humanos. No entanto, isso não será possível se a atual geração se comporta de forma irresponsável e egoísta no uso da água, dos alimentos e dos bens que deveriam ser comuns a toda a humanidade.

Com este Dia Mundial da População, a ONU quer chamar a atenção da humanidade para a urgência de um planejamento mais cuidadoso para favorecer a vida de todos e maior cuidado com o planeta, para que a terra não se torne inabitável. A cada ano, a população da Terra registra um aumento de mais ou menos 75 milhões de pessoas.

Não temos os dados a partir da pandemia, mas sabemos que a população cresce na África e diminui em alguns países ricos. Além disso, é escandaloso saber que, enquanto no Japão, na Suécia e outros países ricos, a média de vida é de 80 anos, em países africanos, como a Zâmbia e o Zimbabue, é considerado feliz quem atinge a idade de 35. Atualmente, nos países ricos, quem quer está vacinado. Em países pobres, a taxa de pessoas vacinadas mal ultrapassa 10% e em alguns países mais estranhos, surgem perguntas até sobre as datas de validade das vacinas.

Como afirmava o Mahatma Gandhi, a terra é suficientemente fértil e pode alimentar quase o dobro da população humana. No entanto, não basta para saciar a ambição da pequena elite econômica que domina o planeta. Em 2015, a ONU publicou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para o Mundo, a serem alcançados nesses próximos quinze anos. De acordo com essa meta, esperava-se que até 2030, a humanidade tivesse conseguido proporcionar segurança alimentar e água potável para toda a população da terra. A pandemia veio revelar que essa meta fica cada vez mais longe de ser alcançada. Em plena pandemia, desigualdades sociais se multiplicaram, os mais ricos triplicaram os seus ganhos e muitos governos aumentaram os gastos em armamentos.

Cada vez mais fica claro: se a sociedade dominante não mudar o modo de organizar o mundo, todo o sistema de vida no planeta Terra está ameaçado. Com o aquecimento global e a destruição provocada pela sociedade capitalista na natureza, mudou a temperatura na superfície do planeta e na sua atmosfera. Entramos em uma nova era geológica.

Essa nova idade da Terra, que se sucedeu ao Holoceno, recebeu dos cientistas o nome de Antropoceno, porque é provocada pelo ser humano (antropos). Cientistas de diversos países estudaram a quantidade de energia ou calor que entra na atmosfera. Essa energia se acumula nos reservatórios do planeta, como os oceanos, as geleiras e o próprio solo da terra. Eles compararam e descobriram que o calor ali acumulado é equivalente a 0,58 W/m2. Segundo eles, é um calor equivalente ao provocado pela explosão de 400 mil bombas atômicas. Diante dessa realidade, é urgente que a sociedade civil se organize mais e pressione os governos e empresas para que assumam sua responsabilidade em relação ao futuro. No Dia Mundial da População, é importante refletir sobre que mundo entregaremos aos filhos dos nossos filhos.

Quem crê em Deus como Amor sabe que, ao agredir a natureza, se ataca o próprio Criador. Ao mesmo tempo, quando trabalhamos para salvar uma nascente de água, preservar um pedaço de mata ou simplesmente possibilitar uma agricultura ecológica, estamos cuidando da vida e, concretamente, do futuro da população humana. Se somos crentes, estamos colaborando com o Espírito Mãe da Vida que, no universo, mantém permanentemente o evoluir de sua criação.

“Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos e filhas dessa mesma terra que nos abriga a todos e todas, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos e irmãs”.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

O QUE IMPORTA É A COMPAIXÃO

 

Um manto de sofrimento e de dor cobre toda a humanidade, ameaçada pelo Covid-19. A cultura do capital, dentro da qual vivemos, se caracteriza pelo individualismo e por uma clamorosa falta de cooperação. Nossa cultura moderna nos tirou a compaixão pelos nossos semelhantes; nós nos tornamos incapazes de chorar.

Parece que a inflação de racionalidade instrumental e analítica nos causou uma espécie de lobotomia: fizemo-nos insensíveis ao sofrimento do outro. O atual presidente é a mais trágica comprovação desta indiferença. Jamais visitou um hospital superlotado de contaminados pelo Covid-19, muitos morrendo sufocados. Sem qualquer sentimento leu num discurso público uma frase fria que lhe preparam mas que se sentia não vir de um coração sensibilizado pelas quase 630 mil vidas ceifadas por sua política necrófila.

A pandemia nos fez descobrir a nossa profunda humanidade: a centralidade da vida, a interdependência entre todos, a solidariedade e o cuidado necessário. Fez-nos mais sensíveis. Trouxe de volta a compaixão.

Ter compaixão não é ter pena dos outros, olhando-os de cima para baixo. Compaixão é a capacidade de sentir e compartilhar a paixão do outro, dizer-lhe o ouvido palavras de esperança, oferecer-lhe um ombro e dizer que está ai junto para o que der e vier, é ser capaz de chorar juntos mas também de mutuamente animar-se.

A compaixão é um sentimento humano transcultural. Encontra-se em todas as culturas: todos se vergam sobre o caído e se inclinam diante da dignidade do sofrimento do outro.

Tempos atrás descobriu-se um ancestral túmulo egípcio com esta inscrição, cheia de compaixão: eu fui alguém que escutou a queixa da viúva; fui alguém que chorou por uma desgraça e consolei o abatido; fui alguém que ouviu o soluço da menina órfã e enxuguei-lhe as lágrimas; fui alguém que teve compaixão de uma mulher desesperada”.

Hoje os familiares dos mortos e afetados pelo Covid-19 que deixou nos curados sequelas graves nos conclamam a viver este lado melhor de nossa humanidade: a compaixão. A compaixão é mais excelente que o amor ao próximo; este se dirige ao outro; a compaixão se dirige ao outro que sofre.

Da física quântica, da cosmologia contemporânea e da bio antropologia aprendemos que a lei fundamental de todas as coisas e do inteiro universo não é a competição e o triunfo do mais capaz de adaptação, mas é a cooperação e a sinergia de todos com todos. Até com o menor e mais fraco tem que de viver pois possui o seu lugar no conjunto dos seres e carrega em si uma mensagem a ser ouvida por todos. Neste campo também vale a compaixão entre todos os seres para além dos humanos.

De São Francisco que se compadecia especialmente dos hansenianos (leprosos), da minhoca que não conseguia fazer um buraco no solo duro do caminho e a tirava, compassivo, e a levava à terra úmida ou do galhinho quebrado, se conta a seguinte legenda:

Encontrou um menino que levava numa gaiola pombinhas para serem vendidas no mercado. Suplicou-lhe: “bom menino, dê-me estas pombinhas tão humildes e inocentes para que não sejam mortas e comidas pelos homens”. O menino, tocado pelo amor inocente de São Francisco deu-lhe a gaiola com as pombinhas. Sussurando, disse-lhes São Francisco: “minhas queridas irmãzinhas, tolas e simples, por que vos deixastes apanhar? Eis que vou libertar-vos”. Abriu a gaiola. Ao invés de saírem voando, elas foram se alinhar em seu peito e em seu capuz e não queriam sair. São Francisco levou-as para a ermida e lhes disse: “multiplicai-vos como vosso Criador o quer”. Tiveram muitos filhotes. Não saiam da companhia de São Francisco e dos frades, como se fossem domésticos. Só levantaram voo e saíram pelos ares quando São Francisco as abençoou e as deixou ir embora.

Como se depreende, a compaixão, bem na linha do budismo e do “Fundamento da moral”(1840) de Arthur Schopenhauer, toda fundada da ilimitada compaixão para com todos os seres, não é importantíssima só para quem está sofrendo atualmente, mas para toda a criação.

Concluamos com as palavras inspiradoras de Dalai Lama: "Quer você creia em Deus, quer não creia, quer creia em Buda ou não …Temos que participar dos sofrimentos das outras pessoas. Mesmo que você não possa ajudá-las com dinheiro, mesmo assim sempre é válido expressar apoio moral e empatia. Esta deve ser a base de nosso agir. Se chamamos isto de religião ou não, é o que menos importa” O que importa é a compaixão.

sexta-feira, 9 de julho de 2021

"FOI UM RIO QUE PASSOU EM MINHA VIDA..."


Um dos desafios da espiritualidade é aprender a ‘ordenar os afetos’. Um exercício exigente e permanente. Tenho tentado, continuo tentando, mas, às vezes, em momentos de desolação como o que vivo agora, a gente não sabe bem ao certo onde colocar os sentimentos.

Inácio de Loyola recomenda que, nessas situações, não se tome nenhuma decisão radical; “em tempo de desolação, nunca fazer mudança…”.

Como todo exercício, nem sempre é fácil. O sangue, às vezes, ferve. Em especial porque, ontem, perdi mais uma pessoa muito querida para o vírus.

O filme passa todo, de novo.

No dia da morte do Peterson, alguém me mandou uma mensagem cheia de ufanismo bolsonarista que começava dizendo: “Só boas notícias! Vacinas a rodo chegando ao país!!!

Respondi, sugerindo distribuir as vacinas a quem de direito e enfiar o rodo lá onde você pensou de quem postou!

O postante levou um baita susto. Me conhece bem, sabe que grosseria não é do meu feitio. Mas foi. E ainda não me sinto pronto pra me desculpar. Que fique lá o rodo, por enquanto.

Quando minha dor amenizar um pouco, vou pedir à raiva que estou sentindo que se assente à minha frente para conversarmos. Vou perguntar a ela: de onde você veio? O que espera de mim?

Costumo fazer isso com meus sentimentos. Converso com eles. Imagino-os como uma pessoa que está diante de mim, questionando, provocando, esperando uma reação, um troco. Às vezes, rapidamente ele ganha um rosto familiar. É um diálogo difícil, às vezes constrangedor, mas necessário.

Saber a origem das nossas emoções, de onde e porque elas vêm, ajuda a ordená-las e decidir o que fazer com elas. Afinal, não governamos o sentir, mas podemos e devemos discernir sobre o consentir.

Pensei nisso quando Marcos, pai do Peterson, me abraçou no velório e disse: “obrigado por ter me ajudado a criar meu filho”….

Entendi o exagero e retribui a gratidão: “Eu é que tive o privilégio de receber seu carinho”…

Pensei além, nos muitos e muitas adolescentes e jovens que passaram pela minha vida. Com muitos deles construí essa relação de paternidade.

Pensei na minha experiência com meus dois filhos únicos. Esse amor visceral, que vai muito além do código genético.

Um sentimento de responsabilidade vem à tona, ao lado de uma sensação de imensa saudade, própria de quem já tem os filhos criados como eu, ou que se foram, mundo a fora.

Nossas emoções são muito mais líquidas do que imaginamos. Mais de 70% do corpo humano é feito de água. Talvez também por isso, nossas emoções gerem tanta energia.
Peterson: vida, energia, música…

Paulinho da Viola canta na minha memória emocionada. E eu, livremente adapto: “O Peterson foi um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar”…

Vai pra onde, coração?

Por enquanto, está muito presente a ira santa.

Mas ira é diferente de ódio.

Indignação é diferente de raiva.

Rebeldia é diferente de revolta.

Vou me educando.

O Peterson merece.

terça-feira, 6 de julho de 2021

TROPEÇANDO NA PALAVRA

Os rumos da sociedade são definidos e alimentados por meio de narrativas, evidenciando, assim, a importância da palavra, que tem propriedade para alavancar intuições e forjar novas respostas. Mas a palavra pode, também, ser uma “pedra de tropeço”, quando se constata dificuldade para valer-se de sua força na configuração de entendimentos. A babel contemporânea comprova a frequente inabilidade para a construção de discursos. Vive-se, atualmente, em uma sociedade que tropeça nas palavras e, por isso, sofre com cenários de desentendimentos, divisões e atrasos civilizatórios. Prejuízos que podem até invalidar conquistas científicas, pois falas distantes da realidade geram obscurecimentos. O livre direito de se expressar, aliado à intrínseca necessidade da palavra para tecer nova cultura, desafia a sociedade: todos estão à mercê das consequências de falas medíocres – tropeços na palavra.

Multiplicam-se as palavras que não geram entendimentos, nem indicam novos rumos. Também não alimentam o sentido que sustenta o próprio viver. Todos têm o direito de se manifestar, mas é cada vez mais frequente os que tropeçam na palavra. Gente que diz o que não convém ou o que não edifica, formulando juízos equivocados, para simplesmente satisfazer a necessidade de se expressar de algum modo. É preciso reconhecer a carga de responsabilidade inerente a cada palavra pronunciada, particularmente na emissão de juízos, na tarefa de se construir entendimentos e interpretações para promover qualificada configuração legislativa, novo estilo de vida e amizade social. O uso da palavra deve ir além do direito de se expressar, pois essa liberdade é indissociável do compromisso com a edificação do bem, da justiça e da paz.

A qualificada cidadania tem compromisso com a palavra e jamais distancia-se da verdade. Cultiva a consciência de que a manifestação de perspectivas deve abrir caminhos, apontar soluções e respostas, sustentar a construção da fraternidade social. Cresça a consciência cidadã quanto à importância do adequado emprego das palavras, com suas propriedades construtivas, trilhando direção bem diferente dos pronunciamentos que confundem, propagam a mentira fazendo-a parecida com a verdade, esvaziando a palavra de sua força profética e poética. O mundo precisa de narrativas que gerem entendimentos e novas escolhas, indispensáveis à configuração de um tempo novo. E a palavra é instrumento fundamental para gerar um mundo aberto, sem divisões.

Pela propriedade da palavra pode-se estabelecer vínculos com o próximo, que é irmão. As ações solidárias são indispensáveis, mas há uma dimensão própria das narrativas que também é muito necessária, capaz de gerar o reconhecimento de que cada pessoa é dom precioso. A palavra precisa ser, pois, instrumento para abrir o ser humano ao amor, vencendo situações de isolamento e de mesquinhez. Assim, os discursos podem promover a corresponsabilidade entre todos os cidadãos na tarefa de edificar civilizações abertas, integradas, solidárias. A palavra também deve alimentar a qualificação existencial de cada indivíduo, livrando-o de pensamentos que levem a atitudes abomináveis. As narrativas precisam ser oportunidade para dar vez aos “sem voz”, aos discriminados, desencadeando processos de libertação e de reconquista da dignidade perdida ou usurpada. Sobre o direito do uso da palavra inscreve-se o compromisso de, por meio dela, construir a fraternidade, a liberdade e a igualdade.

O momento atual sinaliza a força da palavra na configuração de escolhas capazes de compor cenários sociopolíticos. Palavras que têm viciado mentes e estreitado corações precisam ceder lugar às que possam produzir novos sentidos. Sejam, pois, construídas as narrativas adequadas capazes de efetivar estilo de vida renovado, com diferentes modos de se habitar a casa comum e novas maneiras de se estabelecer laços, a partir do respeito à vida de cada pessoa, intocável dom sagrado de Deus. Prevaleça a desconstrução de preconceituosos e discriminações, debelando o racismo e muitos outros males que geram tanta destruição. É essencial, agora, aprender a fazer uso da palavra para não se produzir os prejuízos advindos de quem vive tropeçando na palavra.

domingo, 4 de julho de 2021

(RE) CONSTRUIR O BRASIL.

Reconstruir é um processo intrínseco a todo percurso histórico, seja na vida pessoal ou quando se considera o conjunto de uma sociedade. Historiadores e outros mestres de saberes contribuem para que a importância dos processos de reconstrução seja ainda mais reconhecida. O Brasil, em diferentes momentos de sua história, passou por esses processos. Em passado recente, o País reconstruiu a sua democracia, que lamentavelmente é foco de ataques e brutais tentativas de retrocesso. Agora, nesta terceira década do terceiro milênio, cenários interpelam a consciência cidadã sobre a urgente demanda de se reconstruir o Brasil. Os números da pandemia, em razão de incompetência governamental, por falta de um plano global estratégico para a gestão da crise, inscrevem no horizonte da cidadania consciente e humanitária a convicção de que é preciso (re)construir o Brasil. Sejam considerados os óbitos, as famílias enlutadas, os desdobramentos da pandemia com impactos na economia, particular e dolorosamente com o aumento da desigualdade social, com muita gente sem emprego e sem comida.

As análises sociopolíticas independentes e cientificamente embasadas demonstram, em muitos âmbitos da conjuntura social e política, um processo crescente e perigoso de deterioração do tecido social. As considerações técnico-científicas explicitam desmontagens que atingem a própria democracia, requerendo mais lucidez e serenas considerações de todos os cidadãos. Não se pode deixar-se iludir com os sinais positivos dados por setores da economia, pois o enriquecimento considerável de oligarquias não amenizará a gravidade das crises social e política em andamento. São necessárias providências e intervenções urgentes para evitar que se constitua, na sociedade brasileira, verdadeira “abominação da desolação” – expressão bíblica que define um momento caótico da vida do povo de Israel. A história do Brasil, com seus “altos e baixos”, com seus percalços e vicissitudes, merece respeito. É uma herança com relevante potencial humanístico para alavancar a (re)construção do País. Por isso mesmo, não pode estar em mãos equivocadas e nem refém daqueles que promovem a desconstrução, maquiados como se buscassem defender princípios e valores inegociáveis, mas distantes do que é essencialmente necessário.

A histórica crise política é a ferida diagnosticada mais preocupante. Até por isso, corre-se o risco de acreditar que a solução de fenômeno amplo esteja, simplesmente, em torno de um, dois ou três nomes para sufrágio que definirá a liderança maior. Deve preceder ao processo eleitoral, especialmente considerando o contexto político-partidário, a necessária consciência cidadã de que o Brasil vai mal e precisa mudar. Mudar e mudar muito, com urgência, para tentar recuperar oportunidades não aproveitadas, funcionamentos democráticos sucateados. O País vive retrocessos que representam o retorno a etapas superadas e, também, a carência de uma visão moderna sobre gestão capaz de oferecer respostas adequadas a este tempo. Há de se discutir e, assim, melhor perceber as degradações gravíssimas na educação, na saúde, nas lides ambientais, com escolhas equivocadas e pouco inteligentes, de indivíduos, de processos, de princípios. Antes, sempre, deve-se investir no consenso de que o Brasil, sem nenhum propósito agoureiro, vai mal, e os cidadãos todos precisam querer mudanças e um novo tempo.

É imprescindível um novo e grande movimento civilizatório na sociedade brasileira. O ponto de partida seja a crescente consciência da necessidade de mudanças, para possibilitar novos propósitos, escolhas e posturas capazes de reconfigurar a política e a economia, com incidências sociais fortes e velozes. Muitas coisas precisam entrar em pauta agora, como profícuo movimento para desatolar a sociedade brasileira. É característica do País viver antecipadamente o período eleitoral, mas sempre contaminado com vícios interesseiros, que reduzem a discussão política a dois ou três nomes. Consequentemente, permanece enjaulada a “oportunidade de ouro” para promover as mudanças necessárias e encontrar as respostas adequadas aos desafios sociais. O que se espera é uma ampla pauta dialogal e civilizatória, que inclua também redobrada atenção ao linguajar corrente, exercício facilitado pelas redes sociais e tecnologias contemporâneas.

Ora, as narrativas estão cada vez mais superficiais e desconexas, impedindo avanços e clarividências. Convive-se com falas descarrilhadas, incompatíveis com os cargos ocupados, comprometendo a seriedade das instituições. Um verdadeiro caos de narrativas, que aumentam a confusão, as polarizações, efetivando radicalizações, alimentando medos e desconfianças. Na tarefa de (re)construir o Brasil, é importante investir em discursos esclarecedores da verdade, com força para alargar a mundividência cidadã, fecundando escolhas que mudem cenários e personagens inadequados aos anseios da sociedade. Prevaleçam as narrativas que possam fazer a sociedade brasileira sonhar com mudanças, para que seja aberto novo ciclo civilizatório em que todos efetivamente busquem salvar vidas, respeitar dignidades e direitos, salvaguardar a casa comum com políticas ambientais sensatas, varrer os cenários de vergonhosas desigualdades sociais, garantir a vivência de valores e princípios inegociáveis. Isto é (re)construir o Brasil.

sexta-feira, 2 de julho de 2021

DA PANDEMIA HUMANA À PANDEMIA DA MÃE TERRA.


A realidade atual do Brasil e do mundo já nos proporciona suficientes motivos de tristeza e preocupação. Não precisamos mais de sinais preocupantes que ainda nos angustiem mais em relação ao futuro. Qualquer pessoa minimamente informada e isenta sabe que a maioria das pessoas que negam a gravidade da pandemia e a responsabilidade do governo tentam, apenas, garantir interesses econômicos ou políticos. Alguns cientistas advertem sobre a possibilidade de novas pandemias, até mais cruéis.

Em meio a todo esse caos, ouvimos alertas do governo em relação à crise hídrica e a que a diminuição trágica do volume de águas nas hidroelétricas do país provocará uma pane elétrica mais grave. A escassez de água já se manifesta em várias de nossas cidades e tivemos apagões no sistema elétrico do Amapá e de alguns estados do Norte e Nordeste.

No dia 17 de junho, ecoou no mundo inteiro um alerta vindo da ONU. Mami Mizutori, representante especial do secretário-geral na Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres (UNDRR, na sigla inglesa) alertou: “é iminente a ocorrência de uma grande seca que atingirá muitos países do mundo e esta seca pode tomar a proporção de uma verdadeira e próxima pandemia e para esta, não há vacinas que nos curem” (Público, Lisboa, sexta-feira, 18/06/ 2021, p. 22).

De acordo com o documento da ONU, este fenômeno será ocasionado pelas alterações climáticas que provocam diminuição de chuvas. Também para isso contribui a poluição dos rios provocada pelo elevado uso de fertilizantes tóxicos, os desmatamentos e uso irresponsável da água para a indústria do agronegócio.

Nos diversos continentes, os observatórios do clima já preveem um período longo e indefinido de estiagem que provocará escassez de água e maior insegurança alimentar. Essa seca afetará o mundo inteiro, se os países não tomarem medidas urgentes para combater as mudanças climáticas e cuidarem melhor da água e dos solos. Este relatório da ONU será assunto de debates e estudos na próxima conferência mundial sobre o clima que ocorrerá em novembro deste ano, em Glasgow (Cop 26).

Em todos os continentes, ao menos há mais de cinco mil anos, populações tradicionais têm convivido com secas e períodos de escassez. No entanto, agora, esse fenômeno de seca e escassez de água é, em grande parte, provocado por atividades humanas e pelas opções políticas de governos e das empresas que dominam a economia no mundo.

Conforme o relatório da ONU, esta crise ecológica será intensa e mais prolongada. Pode durar décadas e vai alterar o clima e as condições de vida da Terra. Isso vai se refletir mais e mais em áreas de bacias hidrográficas, mas também em regiões longínquas das mesmas. Na América do Sul, as fumaças das queimadas na Amazônia são vistas em nuvens tóxicas que descem sobre o sul do Brasil e sobre o Paraguai, Uruguai e Argentina. A destruição do bioma do Cerrado em Goiás e Mato Grosso afeta o nível de água dos rios que desaguam no Plata e na bacia amazônica.

No mundo atual, conforme a ONU, mais de um bilhão de pessoas não têm acesso garantido à água potável necessária para a vida e a saúde. Não porque falta água, mas por distribuição injusta e por um sistema social que faz com que um norte-americano disponha, em média, de 44 litros de água potável por dia. Enquanto isso, a água disponível em média para um africano não chega a um litro.

Este comunicado da ONU vem nos dizer que esta pandemia da seca e da crise da água pode ocasionar uma tragédia para a humanidade mais grave até do que a Covid. Trará o agravamento da fome e da insegurança alimentar em vários continentes e ocasionará a volta de enfermidades endêmicas, que, em outros tempos, a humanidade já tinha parecido vencer.

Para a pandemia da Covid, temos várias vacinas que funcionam e nos dão boa margem de segurança. Para esta pandemia anunciada pela ONU, provocada, não por fenômenos naturais, mas pelo sistema capitalista depredador, a única vacina segura será a conversão ecológica.  A conversão ecológica supõe nos sentirmos todos guardiães das florestas, da mãe Terra e das águas, assim como das comunidades originárias que, por suas culturas, já vivem permanentemente este cuidado.

Na cultura antiga do povo bíblico, dois séculos antes de Cristo, às margens do Mar Morto, surgia um grupo religioso que tentava renovar a consciência de unidade com Deus, com a Terra e uns com os outros. Em suas regras, os essênios deixaram escrito o seguinte ensinamento:

“Em verdade, te digo: Tu és um com tua Mãe Terra. Ela está em ti e tu estás nela. Dela tu nasceste, nela tu vives e para ela voltarás novamente. Olha para o sol, teu avô e louva quem o criou. Segue as leis da terra, pois teu alento é o alento dela. Teu sangue o sangue dela. Teus ossos são os mesmos seus. Tua carne, a sua carne. Teus olhos e ouvidos são também os seus. Quem encontra a paz na sua mãe Terra nunca morrerá. Conhece esta paz na tua mente. Deseja esta paz em teu coração. Realiza esta paz com o teu corpo” (Evangelho dos essênios).