sexta-feira, 23 de agosto de 2019

TUDO OU NADA...

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Segundo a bela moça do tempo, na TV, o outono de 2019 teve início às 20h e 21min de um domingo, durante o equinócio de 20 de março, e vai durar 92 dias, 17 horas e 55 minutos.

Que precisão! Eu não consigo sentir tanta firmeza assim, com as loucuras do clima no nosso planeta azul. Há dias em que tenho a impressão de viver as quatro estações do ano comprimidas em 24 horas. Saio de casa, cedo, e é inverno. O outono começa ali por volta de 9 horas. O verão se faz presente ao meio dia, se estende pela tarde, até que a primavera chegue com o por do sol, colorindo mais um belo horizonte . As previsões do tempo me lembram "o samba do crioulo doido", do inesquecível Stanislaw Ponte Preta.

Sei que tem gente séria que questiona os alertas sobre as mudanças climáticas, as previsões sombrias nesses tempos de aquecimento global, mas não há dúvida de que alguma coisa está fora da ordem no que diz respeito às previsões meteorológicas.

Pode haver exageros, sim. Grandes eventos climáticos e manifestações da força brutal da natureza. Hoje, os efeitos devastadores desses eventos são maiores em função de fatores, como o aumento populacional com a consequente ocupação de áreas de risco, os contrastes econômicos que tornam países e populações pobres mais vulneráveis às forças destrutivas da natureza e o uso de tecnologias que implicam em alto grau de risco, como no caso dos reatores atômicos japoneses.

Tudo isso é verdade, mas é impossível negar as consequências da intervenção do homem na vida do planeta.

A minha vida reproduz, de certa forma, esse caminhar confuso das estações. Na infância tive o brilho da primavera. Tudo era semente e flor. Fui moleque de rua, num tempo em que ser moleque e estar na rua eram as coisas mais saudáveis do mundo. Na juventude, vivi a exuberância do verão onde tudo era promessa de frutos abundantes. A idade adulta trouxe o tempo da colheita, abundante, generosa.

No grisalho dos cabelos chego ao outono, limiar do inverno...Começo a perceber a necessidade de conferir o estoque, de verificar se consegui guardar no silo da vida o que me garanta enfrentar os rigores do tempo que virá.
Mas, por enquanto, sou outono.

Tenho apreciado momentos e pessoas que me falam da leveza e da suavidade, próprias do outono. Meu olhar contemplativo busca, cada vez mais, belos horizontes. Dentro e fora de mim.

Procuro ser fiel a velhos amigos e cultivo com prazer, esses pequenos prazeres que o cotidiano esconde e revela a quem já desenvolveu a sabedoria da busca pela simplicidade.

Tenho me percebido mais poético e apaixonado pelas pessoas a quem quero bem. Amo a vida e acho que ela vale ser vivida.

Essa leveza não me poupa de angústias, contradições e batalhas. Em algumas questões, como justiça e dignidade para todos, o sentimento é de urgência. Noutras, prefiro relaxar e deixar que a vida flua e encontre seu caminho.

Em algumas áreas, como a política, o sentimento é de decepção. Mas isso não traz desânimo ao meu outono. Convida a contemplar, com mais profundidade ainda, a paisagem à minha frente.

O outono traz temperaturas que convidam ao aconchego. Nesse aspecto gosto também do inverno, mas seus rigores nem sempre são confortáveis. Se o vento, para mim, é "noturna melodia" para muitos é apenas o frio que tortura e acrescenta sofrimentos a quem já tem tantos.

O aconchego do outono me faz mais poético. O engraçado é que percebi há algum tempo que minha sensibilidade poética tem sido muito tocada numa situação inusitada: quando estou dirigindo, no trânsito.

Ruas e estradas são, para mim, lugar de reflexão e oração. Elas traduzem um dos princípios que mais me atrai na espiritualidade: o de ser contemplativo na ação e ativo na contemplação.

Dirigir por ruas, mas especialmente por estradas, reúne, para mim, todos esses elementos. Eu estou parado no carro que se move (quando o trânsito permite...). Os cenários e personagens, em volta, são muitos e variados. Cada um com seu mistério a ser desvendado. O olhar atento, o coração a postos.

Um dia desses, num sinal fechado, paro numa esquina e espero. Passa à minha frente, um longo cortejo fúnebre. No primeiro carro, vai o caixão, as coroas de flores. Atrás, uma fila de outros veículos levando as pessoas que darão ao falecido (ou falecida) o último adeus.

Dentro de cada carro, como adivinhar o sofrimento, medir a saudade, perceber as conveniências sociais, superficiais...?
Parado no sinal, vejo a morte passar à minha frente, no seu cortejo final. Um arrepio e o verso vem:
"Minha fé anda desconfiada. Morrer: isso sim é que é tudo, ou nada..."

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